O fascismo universitário

Segundo pesquisas, a maioria dos eleitores de Bolsonaro tem curso superior. Piada pronta: eu sabia que a educação no Bananão anda mal, mas não a este ponto. Ou: se o Bananão criou uma excrescência chamada sertanejo universitário, por que não fascismo universitário?

Mas vamos aos detalhes, colorir esse quadro em preto e branco.

Qual é mesmo a ideia do sertanejo universitário? Será a esperança de que a palavra universitário indique a subida de um degrau cultural no sertanejo? Letras menos toscas, vozes menos chorosas, música menos inhá-pá-pum ou nheco-nheco? Ou, pelo contrário, será que o rótulo indica que mesmo universitários podem ter um gosto tão atroz quanto o sertanejo mais ignorante?

Seja o que for, nota-se que a palavra universitário tem um prestígio totalmente imerecido. Pode ser chato, mas a verdade é que ninguém se salva por saber calcular raiz quadrada, ou saber as tabelas de química ou ter noções de biologia. É preciso um pouco mais do que um diploma pra uma pessoa ter gosto sofisticado em matéria de música, arte, literatura, cinema. Mas é mais complicado ainda: mesmo pessoas sofisticadas, com grandes conhecimentos, podem ser cruéis ou não ter escrúpulo algum e ter todos os preconceitos, vide os altos escalões do nazismo ou os altos escalões do Judiciário do Bananão. Qualquer primeiro anista de psicologia sabe que o que temos de irracional pode atropelar nossas decisões, crenças, visão de mundo, inclusive usando a razão pra justificar isso com uma lógica aparentemente perfeita.

Quer dizer, os eleitores de Bolsonaro talvez não sejam um produto de um ensino de terceira categoria. Podem ser desmiolados de nascença, podem ser crentes da força bruta, podem ser desinformados ou ressentidos crônicos - a lista vai longe. Agora, cá pra nós, se alguém acredita que o projeto que vai tirar o Bananão da sua situação altamente bananosa é armar um bando de desajustados, minha nossa, chamem o psicanalista. É evidente que não se trata de política, mas de um caso de camisa-de-força.

Sim, sim, aposto todas as minhas fichas na educação. Mas aposto mais moderadamente nos alunos. Se fosse fácil aprender matérias tipo sensatez, eu mudava rapidinho de opinião.

Sempre se fala mal do ensino do Bananão e se enche a boca pra se falar das universidades gringas. Apenas o som das palavras Harvard e Yale, por exemplo, causa orgasmos múltiplos em bananenses mais afoitos e com complexo de vira-lata com febre alta. Esses bananenses esquecem o óbvio: o prestígio dessas universidades foi construído minuciosamente pra elas poderem cobrar o que cobram e posarem pra foto eternamente com o queixo erguido acima do nível recomendado pelos ortopedistas.

Exagero? George W. Bush, homem incapaz de completar uma frase com começo, meio e fim, formou-se pela universidade de Yale em 1968 e pela Escola de Negócios de Harvard em 1975. Dificilmente ele teria completado o fundamental na Escola Padre Éfren, em Vacaria, RS, onde estudei dos sete aos 12 anos.

Claro que vão argumentar que Bush é uma exceção cheia de dinheiro. Que me diz de Donald Trump, outro que não fala coisa com coisa? Bacharel em Economia pela Wharton School da universidade da Pensilvânia, em 1968. Se você pesquisar, vai achar muitas exceções. Mas basta ver a quantidade de escritores medíocres, críticos medíocres e principalmente economistas medíocres, além de criminosos, formados pelas grandes universidades gringas.

Quanto aos fascistas universitários, por que eles não vão ao Google pra ver o que aconteceu onde os fascistas tomaram o poder ou seu assanhamento foi mais forte? É mais fácil que um bom curso de História ou Sociologia. Se, depois de informados, persistirem, já sabe: camisa-de-força.

Autor
Ernani Ssó se define como ?o escritor que veio do frio?: nasceu em Bom Jesus, em 1953. Era agosto, nevava. Passou a infância ouvindo histórias e, aos 11 anos, leu seu primeiro livro sozinho:Robinson Crusoé. Em 1973, por querer ser escritor, entrou para a Faculdade de Jornalismo, que deixou um ano depois.  Em sua estréia, escreveu para O Quadrão (1974) e QI 14,(1975), publicações de humor. Foi várias vezes premiado. Desenvolve projetos literários para adultos e crianças.

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