O Feminismo nos salvará
Por Fernando Puhlmann
"Sejamos todos feministas."
Chimamanda Ngozi Adichie
A luta de ser mulher, ainda hoje, no século XXI, permanece como uma maratona interminável. Como homem que se recusa à masculinidade tóxica, acostumei-me a olhar para esses abismos e me perguntar quanto de nós está preso ali, no peso de carregar "ser homem" como se disso dependesse nossa existência.
No último final de semana, mais uma pérola, uma frase que parecia saída de outra era. O técnico do Internacional de Porto Alegre afirmou que o futebol é para homens, não para meninas. Ao ouvir isso, o que salta aos olhos não é apenas a exclusão, mas o preconceito velado de que mulheres seriam frágeis, fracas demais, incapazes de suportar o que "o futebol exige". Como se a força física, a garra e a resistência fossem propriedades masculinas, e a mulher estivesse sempre um degrau abaixo, assistindo. É esse tipo de discurso que mantém de pé um mundo cansado, desigual e mentiroso.
No mesmo compasso, o Congresso Nacional decidiu suspender uma norma que facilitava o acesso de meninas vítimas de estupro ao aborto legal. A decisão exige agora boletim de ocorrência e autorização de responsáveis, mesmo em situações de violência. O recado é cruel. Meninas violentadas terão de enfrentar mais constrangimentos, mais portas fechadas, mais julgamentos. É o velho moralismo travestido de cuidado, o mesmo que transforma a dor feminina em pauta secundária diante da vaidade de quem legisla.
E, em outro campo, a Igreja Católica publicou recentemente uma nota papal dizendo que Maria, mãe de Jesus, não pode ser chamada de co-redentora, pois isso colocaria em risco o papel exclusivo de Cristo na salvação. À primeira vista, parece apenas um debate teológico, mas há um subtexto que incomoda. A mulher, mesmo no coração da fé, não pode dividir protagonismo. Pode ser pura, santa, obediente, mas nunca essencial. O masculino ainda ocupa o centro, e o feminino segue orbitando em torno dele, com a promessa de um espaço que nunca se concretiza.
Esses três episódios, o técnico que diz que futebol é para homens, o Congresso que dificulta a vida de meninas estupradas e a Igreja que reduz Maria ao silêncio, são expressões diferentes do mesmo problema: o medo de reconhecer a mulher como sujeito pleno. É o medo de perder privilégios, o medo de ver ruir o pedestal falso onde o homem foi colocado.
Eu, como homem, me recuso a esse pedestal. Estou cansado do peso de ser forte, de não chorar, de resolver tudo, de não poder fraquejar. Estou certo de que o feminismo nos salva, ou nos salvará. Porque o feminismo não é um movimento contra os homens. É uma força que nos liberta da tirania dos papéis que sufocam mulheres e homens. O machismo mata mulheres todos os dias, mas também destrói homens por dentro. Ele nos rouba a empatia, o afeto, a capacidade de sermos vulneráveis e verdadeiros.
Ser mulher ainda é muito difícil, muito mais do que muitos homens conseguem enxergar. E enquanto isso, nós, os que não aceitamos mais a velha cartilha da virilidade, temos um dever: escutar, aprender, mudar. Futebol é para todos. Respeito é para todos. Fé é para todos. Direitos são para todos.
O feminismo pode nos salvar, porque ele resgata algo que esquecemos: a humanidade e a justiça. E talvez seja isso que finalmente possa nos libertar desse fardo que já não aguentamos mais carregar.
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