O feminismo nunca matou ninguém

Por Márcia Martins

Na segunda-feira, 25 de novembro, inicia-se em todo o mundo, a campanha dos 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres (*). Em mais de 160 países que assinam o movimento, ele é deflagrado nesta data por ser o Dia Internacional da Não Violência Contra a Mulher. E se estende até 10 de dezembro, dia em que ocorreu a proclamação dos Direitos Humanos. No Brasil, esta mobilização começa nesta quarta-feira, 20 de novembro, exatamente no Dia Nacional da Consciência Negra, justamente para reforçar a necessidade de um enfrentamento à dupla discriminação sofrida pela mulher negra (questão de raça e gênero).

Devo ter escrito, pelo menos aqui neste portal, mais de 30 colunas sobre o feminismo, crimes de feminicídio, violência contra as mulheres e os 16 Dias de Ativismo. A cada ano, me pego imaginando que não será mais preciso voltar a tais temas. Engano. Apesar de todos os avanços, da Lei Maria da Penha, de um maior conhecimento por parte das mulheres de seus direitos, ainda é preciso sensibilizar a população, todos os dias, para os inúmeros problemas sofridos pelas mulheres pelo simples fato de serem mulheres. Ainda é necessário galvanizar o ativismo e, principalmente, compartilhar com todas as mulheres os tipos de violência, como elas podem se prevenir para reduzir o número de mortes e, acreditar na utopia de eliminar, de vez, a violência contra nós.

E se reduzir o cenário preocupante da violência contra as mulheres já era difícil quando existiam políticas públicas específicas e recursos voltados para tais ações, imagine trabalhar quando as três esferas de governo parecem não ter um mínimo de atenção para a vida feminina. É o que tem ocorrido no momento. No Brasil, no Rio Grande do Sul e em Porto Alegre. Um desrespeito, um pouco caso, um desprezo com a nossa vida. Para quem entende que este papo de feminismo é coisa de mulher chata, infeliz, pouco vaidosa, cheia de traumas e outros clichês e que não deve ser levado a sério, lembro que só em janeiro deste ano, mais de 100 casos de feminicídios foram registrados no Brasil.

Se isto ainda não justifica a necessidade de se debater, promover rodas de conversas, denunciar as agressões e exigir atenção e recursos dos poderes constituídos, podemos informar que o Brasil ostenta a quinta maior taxa de feminicídios entre 84 nações pesquisadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). E mesmo com leis que deveriam proteger as mulheres, pelo menos três mulheres são vítimas de feminicídio por dia no Brasil (os números são maiores já que nem todos os casos são registrados). De cada 10 feminicídios ocorridos no País, um é cometido no Estado. E aqui, no Rio Grande do Sul, entre 2017 e 2018, os casos deste tipo de violência aumentaram em mais de 40%.

A mulher é morta porque deixou de amar, como se isso fosse um crime, e o parceiro não aceita o fim do relacionamento. A mulher é morta porque chegou exausta do trabalho e está cansada para servir como doméstica, companheira ou escrava sexual, como se estas fossem suas funções. A mulher é morta porque vestiu uma roupa mais provocante, não aprovada pelo marido que se acha seu dono e proprietário. A mulher é estuprada porque andava sozinha na rua e, certamente, "procurava algo" (contém ironia, é claro). A mulher é violentada porque tomou umas doses a mais de bebida e estava muito fácil (novamente contém ironia). A mulher é abusada sexualmente porque disse não e muitas vezes os homens não entendem que "não" quer dizer (vejam só) exatamente não.

Chega de tanta hipocrisia. De fingir que está tudo bem. Enquanto assistimos, em Porto Alegre, um desmonte dos serviços de apoio às mulheres vítimas de violência e uma tentativa de enfraquecimento do controle social. Assim, a Prefeitura não legitima o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (COMDIM/POA), retardando a publicação de seu Regimento Interno e atrasando a posse da nova diretoria. Ao mesmo tempo, acena com a possibilidade de transferir a Casa de Apoio Viva Maria, tirando a gestão da Saúde para a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Esporte e a Casa de Mulheres Mirabal, iniciativa do movimento de mulheres, sobrevive sem aporte de recursos públicos e constantemente ameaçada de encerrar suas atividades.

Para denunciar tais desmandos e fazer uma campanha forte e unificada dos 16 Dias de Ativismo, foi criado o Comitê em Defesa da Vida das Mulheres, formado por organizações do movimento feminista e de mulheres de Porto Alegre e da Região Metropolitana, que está com uma série de atividades dentro do calendário. E um dos atos programados será no próprio dia 25, na segunda-feira, a partir das 15h, na Esquina Democrática. Porque o feminismo nunca matou ninguém e o machismo mata todos os dias. Por uma vida digna e sem violências para todas as mulheres.

(*) O que é a campanha dos 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres - Em 1991, mulheres de diferentes países, reunidas pelo Centro de Liderança Global de Mulheres, iniciaram a campanha com o objetivo de promover o debate e denunciar as várias formas de violência contra as mulheres. Em 1999, a ONU aprovou 25 de novembro como o Dia Internacional da Não Violência Contra a Mulher. A data foi escolhida para lembrar que no mesmo dia, em 1960, três ativistas políticas, as irmãs Mirabal, conhecidas como Las Mariposas, foram assassinadas a mando do ditador Rafael Trujillo, na República Dominicana.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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