O que vai ser amanhã, responda quem viver

Por Márcia Martins

Esta pode ser uma das últimas colunas que escreverei neste portal. Talvez ainda me restem dois meses para exercer tal ofício. De discorrer aqui sobre fatos corriqueiros, pequenos acontecimentos da minha rotina, aventuras e desventuras experimentadas nos ambientes de trabalho, momentos de deslumbramento com fatos vividos com minha filha que eu amo de uma paixão tão intensa que chega até a doer. De deixar os dedos tocarem suavemente as teclas do notebook nas madrugadas das quartas-feiras a desnudar para leitores e leitoras que conquistei ao longo destes mais de 10 anos um pouco dos meus pensamentos, dos meus sentimentos, dos meus projetos e dos meus temores, os mais escondidos e os mais visíveis.

Porque eu não sei o que irá acontecer, a partir de 1° de janeiro de 2019, com as pessoas identificadas com ideologias que não comungam com a do candidato Jair Bolsonaro se ele vencer o segundo turno das eleições presidenciais do próximo dia 28 de outubro. Só o que sei - pelas declarações dadas pelo postulante ao cargo máximo de uma Nação, sempre na sua casa, no seu escritório, na sede do seu partido, o PSL, em lives, porque ele foge do enfrentamento como o Diabo foge da cruz - é que viveremos cenários sombrios, tempos difíceis, veremos retratos borrados de sangue, ouviremos gritos de socorro vindos das esquinas, das ruelas, das favelas, dos sindicatos.

E, se ele realmente vencer o candidato Fernando Haddad, do PT, mas que, atualmente, representa uma união de vários partidos contra o fascismo representado pelo JB (como já fiz em outras colunas, usarei apenas as iniciais), todos e todas que têm um rastro de militância de esquerda, que escreveram algo contra sua candidatura, que são feministas, com atuação sindical, que defendem minorias, que entendem e apoiam a luta dos LGBTs, serão fatalmente perseguidos. Voltaremos - e é ele quem diz - 50 anos na história do Brasil. Voltaremos - e é ele quem diz - ao tempo das perseguições políticas, étnicas e de gênero. Voltaremos - e é ele quem diz - à exaltação de torturadores, de psicopatas, de insanos e dementes.

Neste cenário do caos e das trevas que poderá ser instalado caso o candidato JB ganhe o pleito, tudo indica que eu deixarei de escrever, seja aqui no Coletiva.net, ou nas minhas redes sociais, ou meus poemas. Porque não irei me submeter à censura que o senhor JB, através dos mecanismos mais sórdidos, poderá implantar. Quando entender necessário falar sobre determinado assunto, assim o farei. Porque do contrário, não tem sentido continuar escrevendo. E, embora, vez ou outra, tenha incursões gastronômicas até bem sucedidas na cozinha, não aceitarei substituir qualquer texto a ser publicado em qualquer lugar por receitas de comidas, como era comum na ditadura.

Não sei se continuarei escrevendo porque posso, inclusive, não estar mais viva. Sim. A morte poderá ser o destino de todos 'esquerdistas', 'comunistas', 'vermelhos', 'feministas', 'vitimistas' e outros termos citados pelo senhor JB como prejudiciais ao País na vigência de sua provável administração. Lamento informá-los, caros leitores e leitoras, mas eu sou uma das marginais vermelhas que o JB quer banir da sociedade tradicional brasileira. Ele já ameaçou publicamente as nossas existências. Posso ter vida curta. Posso ser agredida por um seguidor do JB na primeira esquina mal iluminada. Posso ser exterminada se não andar no passo certo, no entendimento dos adoradores do JB.

Como sou otimista e coloco uma fé absurda na tomada de consciência das pessoas, acredito até a abertura do último voto, na sanidade de todos e todas. Não creio que o povo brasileiro escolherá para presidente um homem que diz admirar um torturador, que afirma que a ditadura errou porque deveria ter matado mais em vez de torturar, que defende pagamento de salário menor para as mulheres porque elas engravidam e, logo, trabalham alguns meses a menos. Não acredito que será eleito para presidente um homem que pretende colocar armas nas mãos dos brasileiros e acha bonito ensinar para as crianças gestos violentos. Não imagino que ganhará um homem que promete acabar com todos os direitos trabalhistas que ainda nos restam, que é contra gays, índios e que o nascimento de uma mulher é uma 'fraquejada'.

Mas, se contrariando toda esta expectativa de humanidade que espero do povo, se as pesquisas indicando a preferência do eleitorado pelo JB estiverem corretas, o que eu não acredito, se a prepotência vencer a coerência, se as armas vencerem a educação, se a violência vencer a paz, se o ódio vencer o amor, o que vai ser amanhã, responda quem viver.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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