O Silêncio no Espelho

Por Fernando Puhlmann

18/08/2025 11:40 / Atualizado em 18/08/2025 11:39
O Silêncio no Espelho

?Coragem é a resistência ao medo,

 domínio do medo,

 e não a ausência do medo.?

Mark Twain

O homem levanta o pé e chuta o cachorro.

Não é só o cachorro que se encolhe - é o mundo inteiro que se encolhe junto.

Naquela fração de segundo, a rua fica em silêncio, como se entendesse que ali não se trata apenas de um chute. Trata-se de um aviso.

Porque a violência fala. Fala sem palavras, fala com gestos.

E quem tem coragem de ferir um ser indefeso, cedo ou tarde, repete a mesma coreografia em outros palcos: dentro de casa, diante da mulher, diante dos filhos, diante de quem não pode se defender.

A ciência já traduziu esse código. Chamam de teoria do elo: o mesmo punho que bate no animal costuma ser o punho que bate na companheira. O mesmo gesto que fere um cachorro é o que ameaça uma criança.

Não é acaso, é padrão. Não é exagero, é estatística.

E, no entanto, a cena se repete todos os dias diante dos nossos olhos cansados. Um cachorro espancado. Um gato maltratado. Uma mulher calada. Uma criança com medo. Tudo isso amarrado pelo mesmo fio invisível.

O chute no cachorro nunca é só um chute no cachorro.

É o prenúncio.

É a sombra do que acontece entre quatro paredes.

É a primeira linha de uma história de dor que ainda não foi contada.

Por isso, quando alguém pergunta: ?mas por que tanta preocupação com os animais??, eu respondo: porque ao protegê-los, também protegemos gente.

Porque cada ato de crueldade é uma semente, e a gente precisa decidir se arranca pela raiz ou se aceita colher tragédias depois.

E há um detalhe incômodo: quem não se importa com a causa animal também se torna cúmplice da violência.

Porque o silêncio diante do covarde é a força que o covarde precisa para continuar.

Ignorar o sofrimento dos animais é, de alguma forma, fechar os olhos para o sofrimento humano que virá em seguida.

Por isso, não me calo diante da violência.

Porque ter coragem não é não ter medo. Ás vezes eu tenho muito medo, do agressor ou das consequências do meu ato de defesa.

Porém não ter medo de nada é burrice.

Ter coragem é ter medo, e, mesmo assim, fazer o que é certo, porque precisa ser feito.

No fim, talvez o elo não seja apenas uma teoria.

Talvez seja um espelho.

E o que ele nos mostra é simples e brutal: a violência é uma só, e cresce onde encontra silêncio.