O último desfile

Por José Antônio Moraes de Oliveira

04/09/2025 10:30
O último desfile

"Nosso passado é aquilo que 

não conseguimos ser".

Carlos Drummond de Andrade.

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Nos velhos tempos, ir até o centro de Porto Alegre e passear pela Rua da Praia era um acontecimento que se     aguarda com a maior ansiedade. Tinha sabores que lembravam o sorvete de morangos da banca 40 e da torta de nozes da Schramm. Muito tempo mais tarde, já um adolescente aventureiro, eu subia e descia a Rua da Praia dezenas de vezes, mas não reencontrava os sabores perdidos.

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Em busca de reminiscências que me levasse de volta àqueles antigos prazeres, vasculhava caixas repletas de fotos de família, há muito esquecidas. Desbotadas, quase apagadas pelo tempo, algumas mostrando o pai e seus amigos do Bar Lilliput - alegrias que ficaram no passado 

Mais fotos, onde um menino de 8 anos, passeia pela Rua da Praia, de mãos dadas com a mãe, Ela veste o figurino da época - chapéu negro de abas largas, laçarote branco no peito e bolsa de couro de crocodilo. Outra foto - eu, inchado de orgulho, envergando o uniforme de gala do Rosário, obrigatório para desfilar na parada da juventude do 7 de setembro. Custava mais caro do que o uniforme diário, mas desfilar pela cidade ganhando aplausos valia o preço.

O desfile era organizado com apuro militar. Os alunos    do Rosário, Anchieta e as meninas do Sevigné e Bom Conselho se agrupavam pela manhã na Praça da Matriz. Dali, comandados pelos apitos dos irmãos maristas, seguíamos pela Duque de Caxias, passando pela Santa Casa e alcançando a Avenida Independência. 

Haviam critérios rigorosos para participar do desfile.   Apenas alunos com boas notas eram escolhidos para formar a banda e o bloco de abertura, que portava as bandeiras. Éramos dispensados das aulas para ensaiar hinos no auditório e a marchar no pátio, com direito a pífaros, tambores e clarins. Minha excitação crescia à medida que as folhinhas do calendário mostravam os primeiros dias de setembro. 

Já se saboreava a satisfação de ser notado pelos amigos e parentes, além do prazer de ver gurias nos abanando das sacadas dos casarões. 

O desfile terminava na Praça Júlio de Castilhos, onde    nossos pais nos esperavam na confeitaria da esplanada para o guaraná com bombas de creme e chocolate.        A festa continuava no caminho de casa, com o pessoal   do bairro acenando das portas e janelas. E para encerrar, beijos e os tapinhas nas costas dos nossos vizinhos da Vasco da Gama. 

Em casa, a mãe dobrava cuidadosamente o uniforme de gala, enrolava o cinturão de couro azul e os guardava em uma gaveta no alto do roupeiro, se despedindo:

"- Até o ano que vem".

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Ainda saboreando as alegrias do dia que terminava, eu ficava contando o tempo faltava para o próximo desfile. Mas quando a parada militar foi deslocada para a Pira da Pátria na João Pessoa, o nosso desfile foi cancelado de vez, por atrapalhar a circulação dos bondes. 

Por fim, quando mudamos de casa, depois da morte do pai, fiquei sem saber que fim levou o uniforme branco e  o cinturão azul.

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