O último Hopper

Por José Antônio Moraes de Oliveira

"E então o homem simplesmente desaparece.

Ele é uma sombra movendo-se na última tarde,

Ao longo dos trilhos, fazendo o seu caminho

Através dos vastos campos de escurecimento."

Edward Hirsch.

 

Quando pintou "Dois Comediantes", Edward Hopper estava com 83 anos e tinha graves problemas de saúde. Ele morreria menos de dois anos depois e sua esposa Jo, no ano seguinte. Os biógrafos dizem que ele sabia que "Dois Comediantes" seria sua última pintura. A interpretação mais aceita é que nela o pintor e a esposa fazem sua despedida ao mundo - como os jovens amantes Pierrot e Pierrette da Commedia dell'Arte saudavam o público ao final de uma representação teatral. 

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O crítico de arte do New York Times escreveu que Edward Hopper era parte de uma raça de heróis obscuros e que poderia ter sido "um grande confortador de almas se não tivesse dedicado sua vida a pintá-las". Já a biógrafa Gail Levin o descreve como um artista que reinventou a maneira de ver paisagens e pessoas nos Estados Unidos.

Alto como um jogador de basquete, era sereno, tímido e mesmo assim, carismático. Dedicava atenção e um carinho especial à angústia que observava nas pessoas. Foi um talento prematuro, mas ignorado pelos acadêmicos da época - vendeu seu primeiro quadro aos 31 anos, por 250 dólares. Sua segunda venda, uma gravura em preto-e-branco, só aconteceria dez anos depois. E apenas quando estava com 42 anos, começou a ser reconhecido como um pintor extraordinário da cena americana.

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No entanto, para Edward Hopper ser excluído dos círculos artísticos não envenenou seu espírito. Soube sobreviver como ilustrador de cartazes de cinema e anúncios de teatro. Detestava esse trabalho, mas cumpria sua rotina com disciplina e resignação. Para um observador desatento, os retratos de Hopper poderiam figurar nas páginas do Post ou em um álbum de retratos de família. Mas existe uma invisível e imensurável diferença - suas cenas e cenários são dominadas por um silêncio que perturba e remete à introspecção, à uma reflexão profunda. Em uma rara entrevista, assim ele descreveu a jovem solitária sentada à uma mesa de café em "Automat", de 1927:

"Penso que ela não acredita que existam estrelas

cadentes, mas acredita em sapatos e automóveis."

É quase inevitável falar sobre o mistério e o silêncio nos quadros de Edward Hopper sem mencionar a obra mestra, "Nighthawk", com sua atmosfera marcada pela solidão e tristeza. A rua está vazia, mas no interior do restaurante, vemos três clientes que não conversam uns com os outros. Se mostram distraídos, perdidos em seus próprios pensamentos. Há um casal e uma terceira pessoa, um homem sozinho, sentado de costas para o espectador. De boné e uniforme branco, o garçom olha para a janela, ignorando a presença dos demais. Pairando sobretudo, uma luz fluorescente, chapada e vertical, acentuando a sensação de melancolia e confinamento, em contraste com a rua escura e deserta.

Costuma-se dizer que épocas de crise são propícias ao surgimento de grandes obras culturais. Acontecimentos dramáticos inspiraram poetas, escritores, fotógrafos, diretores de cinema - e pintores. Para o filósofo Alain de Botton, a Depressão Americana e a II Guerra Mundial estão presentes em cada cena pintada por Edward Hopper. Seu estilo de traços finos, acompanhados de silhuetas largas e de uma iluminação invulgar, capta o vazio, a solidão e a imobilidade que aprisiona as emoções dos personagens, herdeiros da crise de 1929 e que assistem seus filhos embarcando para a guerra.

Em recente estudo sobre a pintura do século XX, o crítico Lloyd Goodrich, ex-diretor do Museu de Whitney, assim definiu Edward Hopper:

"Um profeta da solidão, um individualista lacônico

que capturou a melancolia silenciosa

das pequenas cidades americanas."

 

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Ao pintar "Dois Comediantes", o pintor devia prever que sua criação seria memorável. Em uma rara entrevista, ele declarou:

"A única qualidade que resiste na arte é a visão

pessoal do mundo. Os métodos podem ser transitórios, 

mas a personalidade é duradoura."

Podemos constatar que hoje as imagens de Edward Hopper são tão relevantes como no dia em que ele as pintou. Uma arte que não fala apenas para um país em tempos de angústia, mas para os que lutam com as provações que ocorrem na vida diária.

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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