O último leopardo

"É preciso que tudo mude, se quisermos

que tudo continue como está."

(Tancredi Falconeri, 'O Leopardo')

O escritor italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa morreu em 1957, mas seu romance 'O Leopardo' mantém permanência e significados maiores do que quando foi escrito. Na época, foi considerado 'reacionário' pela velha ordem e recusado pelos editores como 'antiquado'. Pouco conhecido fora da Itália - a não ser pelo belíssimo filme de Luchino Visconti - o romance pode ser lido como fábula premonitória do que estava destinado para a história italiana no final do século XX e início do XXI.

O biógrafo David Gilmour relata que Lampedusa preparou-se durante a vida para escrever 'O Leopardo'. Para sua mulher, Alessandra Wolff, ler e escrever eram suas maiores paixões. "Uma vez", conta, "ele passou quatro horas em uma pastelaria de Palermo e leu, inebriado, um romance inteiro de Balzac". E escreveria mais de mil páginas para explicar as literaturas inglesa e francesa aos seus alunos. Era apaixonado por Stendhal, Dickens e Tolstói e lia àvidamente Goethe, James Joyce e T. S. Eliot.

Em 1955, ele escreve ao amigo Guido Lajolo:

"Tenho certeza matemática que não sou

mais tolo do que eles.

Assim, sentei-me no meu escritório

para escrever um romance."

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Sabe-se hoje que as motivações que tinha para escrever eram bem mais profundas. Além da decadência financeira, Giuseppe Lampedusa era o último de uma longa linhagem - exatamente como o príncipe Fabrizio Salina, o personagem maior de O Leopardo. Escrever era sua forma de resgatar parte do legado histórico de sua família e tentar eternizá-lo. A vida não foi gentil com Lampedusa. A venda da casa de campo em Santa Margherita e a destruição do Palazzo Lampedusa, na II Guerra Mundial, o abalaram profundamente. Tentar reconstruir, através da literatura, parte da história perdida, deve tê-lo salvo de uma depressão profunda. Sentindo a chegada da velhice (com 50 anos parecia ter 70) apressou-se a escrever o que seria um dos mais importantes romances da literatura moderna. Quando Pietro Tomasi della Torretta, um tio diplomata que fora perseguido pelos fascistas de Mussolini, perguntou-lhe o que fazia, ele responde:

"- Me divirto."

Escrevia todos os dias, na biblioteca de sua casa em Palermo, ou no Café Mazzara. Foi quando retoma sua postura aristocrática perdida. O livro o fazia se sentir como Dom Fabrizio - aristocrata à moda antiga, dotado de humor irreverente. Lampedusa pretendia que 'O Leopardo' fosse um romance histórico, ambientado na Sicília quando Giuseppe Garibaldi desembarcou em Marsala e baseado na figura de seu bisavô, o astrônomo Giulio di Lampedusa. Mas desiste da empreitada, alegando que não sabia escrever como James Joyce em Ulysses.

Um crítico britânico que estudou Lampedusa, escreveu que 'O Leopardo' é um clássico porque não se tornou servo das modas literárias de nossos dias. E que não deixa de ser uma imensa surpresa que um romance de alta qualidade, sofisticado, tão stendhaliano quanto proustiano, tenha obtido sucesso literário e comercial. Antes de vinte anos depois de sua primeira publicação, 'O Leopardo' vendera mais de um milhão de cópias, com 121 edições e traduções em 23 idiomas.

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Giuseppe Tomasi di Lampedusa era um monarquista capaz de criticar a monarquia e, como Dom Fabrizio, um aristocrata implacável com os defeitos de sua própria classe. Ele escreveu que, se Londres nunca morreria porque Dickens a havia tornado imortal, ele tentaria fazer o mesmo pela Sicília. E cumpriu sua promessa.

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'O Leopardo', postula David Gilmour, "tem envelhecido melhor do que seus detratores, e são os próprios neorrealistas e experimentalistas os que agora parecem superados. A razão principal do êxito da obra estriba, em última instância, em sua atemporalidade. Não é um livro de uma determinada época ou de uma moda, nem se apoia em estruturas linguísticas, ou de outro tipo, desta ou de outra era. 'O Leopardo' é um clássico porque não leva em conta as manias [modas] de uma geração de escritores e se concentrou em preocupações eternas.

Além de um grande escritor, era um crítico social que não compactuava com nenhum poder, seja político, empresarial ou religioso. "Lampedusa era um monarquista capaz de criticar a monarquia." Ele, como certamente dom Fabrizio, era um aristocrata que "podia ser implacável com os defeitos de sua própria classe".

O Risorgimento não era, para Lampedusa, o acontecimento sagrado da história italiana. O Risorgimento siciliano era, na sua concepção, "pouco mais que uma mudança de dinastia e a substituição de uma classe por outra". Seus compatriotas sicilianos não queriam uma 'mudança real'.

O escritor compartilhava a crença de Gobetti de que "o fracasso do Risorgimento, ao não obter o apoio das massas e não produzir uma classe dominante responsável, havia tornado quase inevitável o fascismo".

Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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