Onde estás, Cervantes?

Por José Antônio Moraes de Oliveira

"Acredite em obras, não em palavras".

Miguel de Cervantes.

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Em seu livro 'Ortodoxia', o escritor inglês Gilbert Keith Chesterton lamenta que a obra prima do espanhol Miguel de Cervantes tenha mais críticos do que leitores. Talvez um exagero, mas na verdade, são centenas de artigos, teses e estudos literários procurando desvendar - ou explicar - os motivos porque 'Don Quijote de la Mancha' não frequenta as listas dos mais lidos. Mesmo assim, um renomado professor e crítico Harold Bloom, afirma que existem apenas quatro gigantes na literatura universal: Milton, William Shakespeare, Dante Alighieri e Miguel de Cervantes:

 

"São escritores tão poderosos quanto seus personagens e histórias, criaturas que ainda hoje nos fazem viver sob seus impactos".

 

Não foi apenas Harold Bloom que reconheceu a genialidade em Cervantes. O escritor William Faulkner se obrigava a ler "Dom Quixote" uma vez por ano. Sigmund Freud estudou espanhol para ler no original. E o russo Fedor Dostoievski foi além - comparou Miguel Cervantes ao sobrenatural, alegando que "não conheço escrito mais profundo e poderoso".

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Mesmo com todas as reverências, a obra maior de Don Miguel de Cervantes Saavedra continua desafiando estudiosos e críticos com seus aforismos, enigmas e alusões. Para começar, por que um dos monumentos da literatura permanece desconhecido? Sabe-se que além de romancista, poeta e dramaturgo, ele foi também um ousado aventureiro. Mas em sua vida existem mais perguntas do que respostas. Nas primeiras linhas de "Dom Quixote", ele já começa ocultando a aldeia de onde partiu seu Cavaleiro de Triste Figura:

 

"Num lugar da La Mancha, de cujo nome não quero lembrar, vivia, não há muito, um fidalgo, dos de lança em cabido, adarga antiga, rocim fraco e galgo corredor...".

Quando confrontado sobre os motivos de dissimular a origem de seu herói, replicava que as cidades da Grécia também não sabem onde nasceu Homero. E assim continuou, cultivando mistérios e segredos durante ao longo de sua vida. Quem visita a Madrid de hoje e sai à procura por ruas e praças de Madrid com seu nome, verá que é impossível ter certeza onde ele nasceu, onde morou nem onde está sepultado. 

Cervantes morreu em 23 de abril de 1616, no mesmo dia da morte de William Shakespeare. E conforme seu desejo, é sepultado no Convento de Las Trinitarias Descalzas, mas quando ergueram a nova igreja, seus restos mortais foram transferidos para um local que não se sabe qual seja.

Estátuas de Miguel de Cervantes são onipresentes nas plazas de Madrid e domina a da Biblioteca Nacional. Existe ainda um quadro a óleo em exposição no Museu do Prado, mas é apenas o retrato pintado pelo amigo Juan de Jáuregui, exposto na Real Academia foi reconhecido e autenticado pelos biógrafos.

 

Mas o enigma teima em voltar. Em 2016, quando se comemorou o quarto centenário de sua morte, um exame de datação com Carbono 14 revelou no verso do quadro uma anotação do próprio Cervantes, afirmando que aquele não é seu retrato.


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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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