Outonais
Por José Antônio Moraes de Oliveira


"O Outono vai chegar, mesmo que
você não acredite no calendário,
nem esteja preparado para recebê-lo".
Cecília Meireles.
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O céu com as luzes de Outono me lembra sempre tempos passados, de quando as folhas douradas cobriam praças e ruas que só reesistem nas minhas lembranças. Mesmo sabendo que o passado que buscamos nunca é aquele que vamos encontrar. O bairro mudou, a cidade agora é outra, mas aqui e mais adiante, percebo vestígios vagamente familiares. Não há mais sobrados brancos de janelas azuis nem armazéns de secos e molhados. Mas persiste alguma coisa que se recusa a ir embora.
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É quando dobro a primeira esquina e vejo, do outro lado da rua, uma loja que tenta sobreviver ao moderno e ao passageiro. É uma pequena livraria anacrônica que parece sufocada entre dois prédios de concreto e vidro. Na porta, uma placa de madeira pintada me desperta saudades:
"Vende-se livros usados".
É um lugar minúsculo, com livros empilhados por tudo, cobrindo prateleiras, mesas e até uma cadeira de três pernas. Não vejo clientes, apenas um velho livreiro que interrompe o que está lendo, arruma os óculos na testa e resmunga um Boa Tarde. E volta à sua leitura.
Me esgueiro entre as prateleiras empoeiradas, aspirando o inconfundível cheiro de velhos livros lidos e relidos. Volto no calendário, quando éramos estudantes, matando a aula de Química do Irmão Hilário para ir percorrer os sebos do Centro à cata de livros que custavam um terço do preço das novas edições exibidas na vitrina da Livraria do Globo.
Valia a pena e era divertido garimpar exemplares quase novos de Machado de Assis, Eça de Queiroz, Graham Greene, Somerset Maughan, Miguel de Unamuno... Alguns com as páginas coladas, mostrando que nunca foram lidos. E também com carinhosas dedicatórias nas páginas de rosto, testemunhas de romances perdidos.
Naquele dia, não foi preciso procurar por muito para encontrar um Ulysses encadernado em couro azul e um O Coração da Matéria quase novo. Na saida, tento pagar, mas o livreiro, depois de manusear com carinho os dois livros, recusa meu dinheiro, dizendo que não preciso pagar. E que recebeu ordem de despejo, pois o prédio vai ser demolido para dar lugar a um shopping-center. E que ele ainda não tem idéia do que fazer com seus velhos livros.
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Saio penalizado, sem olhar para trás. Tenho meus livros e levo comigo uma cena difícil de esquecer. O escritor José Saramago, que também amava os livros, escreveu:
"Acredito que as livrarias tem alma e quando uma delas fecha as portas, todos nós morremos um pouco".
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