Publicidade ontem e hoje
Por Flávio Dutra

Sou do tempo em que os estabelecimentos comerciais e os produtos eram tão ou mais conhecidos pelos seus slogans do que pelas suas marcas. A Casa Reinaldo, um bazar de preços populares, por exemplo, era "a maluquinha da praça do Portão" ( praça Conde de Porto Alegre). O Magazine Alberto Bins, loja de roupas masculinas, era "aquele da escadinha". A Bromberg, ferragem e importadora de máquinas, se anunciava como "na Siqueira Campos, em frente à paineira", a majestosa árvore que ainda hoje é referência no Centro Histórico de Porto Alegre.
O Conhaque Dreher apostava no DNA, pois era "de pai para filho desde 1910". A equipe de esportes da Rádio Gaúcha, dirigida pelo saudoso Ari dos Santos, se vangloriava de ser "a maior e melhor" e a TV Gaúcha, hoje RBS TV, se apresentava como "a imagem viva do Rio Grande", em contraponto à TV Piratini, "a pioneira". Valia as rimas básicas, como "quem toma Grapette, repete", ou "Casa Maria, a sua sapataria", ou ainda, a famosa propaganda rimada, muito comum nos bondes de então:
Veja, ilustre passageiro,
O belo tipo faceiro
Que o Senhor tem a seu lado;
E, no entanto, acredite:
Quase morreu de bronquite;
Salvou-o o RUM CREOSOTADO.
Eram os anos 1960, 70, 80 . quando ainda não vigorava o politicamente correto, que certamente não permitiria os comerciais do Coscarque, um chá que seria milagroso para o emagrecimento. "Essa tomou Coscarque", afirmava o gauchão, de binóculo, conferindo na beira da praia as garotas de biquini, ou "essa não tomou Coscsrque", quando aparecia uma senhora, digamos, mais nutrida. E o que dizer do Paixão Cortes, ícone do gauchismo raiz, sentenciando "Chega de café de chaleira" ao anunciar um novo produto, escandalizando os regionalistas e surpreendendo a população em geral?
Faço essa investida na memória da Publicidade, me intrometendo na área do Marino Boeira e do Iraguaçu, para destacar o ocorrido no recente Festival de Cannes, que cassou 12 troféus concedidos à agência brasileira DM9, após a constatação de campanhas com conteúdo manipulado por Inteligência Artificial (IA.). A DM9, de forte presença no mercado publicitário e nos momentos históricos da publicidade brasileira, reconheceu as falcatruas, devolveu os leões da premiação e demitiu seu presidente.
A repercussão no mercado nacional e internacional foi grande e o vexame ainda maior, porque Cannes celebrava nesta edição a criatividade brasileira, homenageando o gênio Washington Olivetto, que deve ter se revirado no túmulo diante desse escândalo. Nos seus desdobramentos, o episódio levanta a necessidade de discussões urgentes sobre ética, transparência e os limites do uso da Inteligência Artificial na comunicação publicitária e na Comunicação em geral.
De forma simplória, sem o conhecimento dos dois experts já citados, só me resta afirmar que já não se faz mais publicidade como antigamente, do tempo do Coscarque e do Rum Creosotado - que nunca concorreram em Cannes, mas cujos anúncios até hoje são lembrados.