Quando o amor veste o nome de responsabilidade
Por Fernando Puhlmann
                                        
                                        
                                    "O amor se declara no afeto,
mas se prova na responsabilidade."
No início de outubro de 2025, o meio-campo galês Aaron Ramsey, então vestindo a camisa do Pumas UNAM, do México, viu sua vida ganhar um capítulo fora dos gramados. Sua cadelinha, Halo, uma beagle que fazia parte da família, desapareceu enquanto estava sob os cuidados de um abrigo de animais em San Miguel de Allende, no estado de Guanajuato.
Ramsey publicou pedidos emocionados pelas redes sociais, ofereceu recompensa e interrompeu sua presença aos treinos para se dedicar à busca.
Pouco depois, em comum acordo com o clube, seu contrato foi rescindido após apenas seis partidas disputadas, encerrando precocemente sua passagem no México
Há quem ache exagero. Há quem diga que é "só um cachorro", como se o amor precisasse pedir licença para existir. Como se o vínculo, por não ter a voz humana, tivesse menos valor. Mas quem vive o amor que nasce dos olhos úmidos, do balançar de rabo, do silêncio que acolhe, sabe: não se trata de exagero: trata-se de responsabilidade. Da mais pura que existe.
Aaron Ramsey não abandonou simplesmente um contrato. Ele não virou as costas para uma carreira sem motivo. Ele escolheu honrar o compromisso mais profundo que se pode assumir: daquele com um ser que depende de nós para viver. Um ser que não entende calendário de jogos, mas entende presença. Que não sabe de troféus ou estatísticas, mas sabe de lealdade.
Quando Halo desapareceu, Ramsey tomou a única decisão que um coração responsável saberia tomar: foi atrás dela. Não por espetáculo, não por vaidade. Mas porque amor, quando é verdadeiro, não se resume a carinho, é dever. É promessa silenciosa: eu cuido de você. Eu te protejo. Eu não te deixo sozinho no mundo.
E é dessa camada de amor que muitos se esquecem. O amor não é apenas o afeto que se posta em foto bonita ou no feed. Amor é aquilo que se faz quando ninguém está assistindo. Amor é responsabilidade.
Responsabilidade é acordar no meio da noite porque ouviu um latido distante. É adiar compromisso porque alguém não está bem. É desistir temporariamente do que pode esperar para estar com quem não pode esperar. É largar tudo, trabalho, reconhecimento, compromissos até então inadiáveis, porque vida que confia em você vem antes.
E quem vive isso entende: nossos animais não são acessórios, não são etapas de vida, não são apenas companhia. São família. São filhos de alma, de ternura, de cuidado diário. E quem escolhe adotá-los, tutelá-los, amá-los, sabe: não recebe menos amor que quem cuida de um ser humano, recebe apenas em uma outra linguagem. Uma linguagem que não fala, mas que grita quando falta.
Por isso, quando vejo alguém como Ramsey agir assim, eu não enxergo fraqueza, nem irresponsabilidade. Eu vejo coragem. Eu vejo grandeza. Eu vejo alguém que sabe que amor de verdade tem peso, tem compromisso, tem sacrifício.
E se um dia um dos meus se perdesse, que não reste dúvida: eu também iria largar tudo. Eu trocaria agenda por horas de busca, reunião por passos apressados na rua, aplausos por cartazes e lampejos de esperança. Porque o amor que escolhi cuidar, eu cuido até o fim. Porque amar é responsabilidade. E responsabilidade, essa sim, é uma das maiores formas de amar.
Que o mundo aprenda isso. Que o mundo respeite isso. E que, para nós que vivemos esse vínculo sem explicação, nunca falte força para honrá-lo.
                
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