Um fio de esperança

Por Flávio Dutra

02/09/2019 11:23

Fechou a Livraria Saraiva da Rua da Praia, substituída por mais uma farmácia. Agora são sete, algumas da mesma rede, na mesma quadra. E a Rua da Praia, que se orgulhava de sediar a histórica Livraria do Globo (hoje, o espaço é ocupado por um magazine), agora só tem livros à venda nas Irmãs Paulinas, mas não faltam bagulhos dos camelôs e farta oferta de medicamentos na profusão de farmácias.

Nem tudo está perdido, porém, para o mercado livreiro. Observo que a venda de livros se reinventa e hoje frequenta os corredores dos shoppings com ofertas tentadoras de best sellers e mesmo clássicos a R$ 10. Seria o caso de a literatura ir aonde o povo está?

Torço, mas torço muito mesmo, para que essa comercialização seja bem-sucedida, até porque, na contramão do encolhimento do mercado, estou prestes a lançar mais um livro, com o instigante título de 'Quando Eu Fiz 69'.*

Se a Teoria do Parêntese de Gutemberg estiver correta na sua previsão, o livro a ser lançado está nos estertores da existência da mídia impressa como a conhecemos hoje. Vale explicar que a teoria formulada por Thomas Pettit, professor de História da Cultura da Universidade do Sul da Dinamarca (parêntese: o título é de autoria de outro professor, Lars Sauerberg), tem provocado discussões nos meios acadêmicos ao afirmar que a Humanidade está voltando à era da transmissão oral de informação e conhecimento. Assim, a época da imprensa escrita e dos livros, nascida a partir da invenção dos tipos móveis e da prensa por Gutemberg no século XV, seria apenas um parêntese na história. Um parêntese que chega ao fim com a era da mídia eletrônica.

Entretanto, um fio de esperança se acendeu para mim na semana passada, a indicar que o hábito da leitura poderá sobreviver ao Parêntese de Gutemberg. A convite da neta Maria Clara fui conversar com seus colegas da quarta série do Colégio João XXIII, em Porto Alegre. Falamos de esportes, experiências de viagens e, especialmente, de livros e da importância da leitura. Fiquei bem impressionado com o interesse da piazada, da variedade e nível das perguntas e da excitação da turma quando passei a mostrar os livros que havia levado para presenteá-los, entre eles obras ilustradas de Monteiro Lobato e o clássico 'Pequeno Príncipe', todos manuseados com o carinho devotado ao que se gosta. O conhecimento deles sobre esses livros se revelou acima da média que tenho observado em crianças da mesma faixa etária, entre 9 e 10 anos.

À simpática e atenta professora Nara ofereci o meu 'Crônicas da Mesa ao Lado', o que provocou uma saia justa, eis que tive que explicar porque eles não poderiam, ainda, ler o livro, cujos textos são voltados para o público adulto. Enfim, foi uma experiência enriquecedora para mim e, com certeza, para os pequenos estudantes.

Ora, direis, o interesse pela leitura decorre do nível dos alunos do João XXIII, escola particular de custo inacessível para a maioria da criançada. Não é bem assim. O querido e talentoso Dilan Camargo, ex-patrono da Feira do Livro de Porto Alegre, tem palmilhado o Estado, prenhe de entusiasmo com os resultados dos bate-papos sobre literatura com estudantes, pais e professores em escolas públicas e particulares. Este é apenas um exemplo que se multiplica em outra iniciativa bem-sucedida das escolas públicas municipais de Porto Alegre: é o projeto Adote Um Escritor, que, na edição deste ano, a 18ª, selecionou 40 autores para 170 visitas às escolas. O projeto é centrado no contato do autor com o aluno, tendo papel importante na formação do público leitor, mas permite que também os estudantes contem suas histórias. A previsão é de que atinja mais de 40 mil alunos da rede municipal em 2019. Não é pouca coisa.

Por isso, associo-me ao mantra postado por Dilan a cada novo contato escolar ? Viva o Livro! Viva a Poesia! ? e acrescento: longa vida ao livro e à leitura.

*'Quando Eu Fiz 69' será lançado no próximo dia 10, a partir das 18h, no Chalé da Praça XV.