Umas pitadas de pó de pirlimpimpim para antecipar o final de 2019

Por Márcia Martins

Só mesmo a fada Sininho, originária da peça 'Peter and Wendy', de autoria de James Matthew (1904) e que virou personagem de Walt Disney no filme 'Peter Pan' (1953), com umas pitadas generosas de pó de pirlimpimpim espalhadas pela Terra para antecipar o final deste ano. Com seu pó mágico, que permite viajar para qualquer canto do mundo, Sininho pode nos fazer esse imenso favor e terminar, agora, imediatamente, sem nem um dia a mais, o ano de 2019. Por favor fadinha querida e amiga fiel de Peter Pan: tenha um pouco piedade de todos nós e determine a chegada urgente de 2020. A fim de que não ocorram outras barbaridades, outros massacres, outras mortes e catástrofes.

É preciso uma mágica antes que aconteçam outras balas perdidas no Rio de Janeiro enterrando prematuramente o futuro de crianças pobres e negras, massacres em favelas de São Paulo, novos feminicídios nas cidades brasileiras encurtando a vida de mulheres, outros governadores comemorando a morte de um homem, ainda que este seja um sequestrador já rendido. Estamos, urgentemente, precisando de muitas fórmulas especiais e alquimias para que 2019 se encerre e não se repitam mais as desculpas esfarrapadas dos governantes para os desacertos na política de segurança, os homens abusando das mulheres e os policiais matando em todos os cantos do Brasil.

Porque ainda teremos, enquanto 2019 existir, 27 dias para os escolhidos pelo presidente Jair Bolsonaro (que não é e nunca será o meu presidente) dizerem as maiores asneiras que jamais alguém poderia imaginar que fossem proferidas. Ou até mesmo calarem. Como o silêncio novelesco e sem o anúncio de nenhuma medida ligada à sua pasta, da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, na coletiva convocada para falar sobre a campanha dos 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra as Mulheres. Aliás, Damares concorre lado a lado com o ministro da Educação, Abraham Weintraub, como a personalidade mais bizarra e sem noção do governo de Bolsonaro.

Mas corre por fora, e com chances de assumir a pole position, o próprio presidente, cuja última asneira foi dizer que o ator Leonardo Dicaprio está pagando para tacar fogo na Amazônia. Disputam, ainda, o troféu cobiçado por Damares e Weintraub, os novos presidentes da Funarte, maestro Dante Mantovani, e da Fundação Palmares, Sérgio Camargo. Mostrando que tudo pode piorar, Mantovani afirmou que o "rock ativa a droga, que ativa a indústria do aborto que, por sua vez, alimenta uma coisa muito mais pesada que é o satanismo". E Camargo, negando a história, defendeu o fim do movimento negro, até porque, segundo ele, a escravidão foi terrível, mas benéfica para os descendentes.

Tenho medo de que em algum dia de 2019 ainda possa um policial militar atirar contra uma menina. Como ocorreu em setembro, com a Ágatha Vitória Sales Félix, morta com um tiro dentro da Kombi que a transportava junto com a mãe, na comunidade da Fazendinha, no Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio. Ágatha, mais uma vítima da política genocida do governador Wilson Witzel. Medo de que a violenta polícia militar do governo tucano de João Dória, que administra o estado de São Paulo, entre em outro baile funk em São Paulo e resolva sair atirando. Assim como aconteceu na madrugada do último domingo, em Paraisópolis, a segunda maior favela da capital paulista, numa ação descabida e que resultou em nove jovens mortos durante um baile funk.

Sei não. Para salvar o pouco de sanidade mental, vergonha alheia e respeito ao próximo que ainda resta em alguns brasileiros, 2019 deveria simplesmente terminar agora. Sem nem mais um dia. Com um derradeiro ponto final. Que venha logo 2020 e o ser humano passe a agir mais como ser humano.

 

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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