Valeu, Felca

Por Vieira da Cunha

18/08/2025 11:31
Valeu, Felca

Santa Catarina, um estado conservador na política e nem tanto nos costumes, apresentou algumas semanas atrás um dado inquietante: está entre os estados com os maiores índices de casos de exploração sexual de crianças e adolescentes. Os dados estão lá, no Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Publicado em julho, mostrou que, na contramão da média nacional, que caiu 7,9%, Santa Catarina registrou um aumento de 35,3% no número de casos conhecidos.

Os números gritantes exibidos ao país pela publicação da organização não-governamental Fórum Brasileiro de Segurança Pública não atraíram maior atenção nem provocaram qualquer debate no parlamento e na sociedade. Até que, semana passada, um youtuber ousou entrar de cara na questão da sexualização infantil e adultização de menores para que o debate, enfim, aflorasse. E mexesse com o Congresso, fazendo com que conservadores e progressistas, tradicionalistas e liberais, todos, independente do espectro político, se abraçassem no clamor da condenação e na defesa de mecanismos que ajudem a combater os cânceres digitais.

Felca, o influenciador em questão, mostrou como vídeos de exploração e abuso de menores, com cenas de sexualizaçao e danças com viés de sensualidade em ambientes com bebidas e fumo, vídeos, repita-se, envolvendo menores de idade, circulam com a maior naturalidade nas redes sociais. E foi certeiro ao apontar os riscos e males destas postagens e ao alertar pais para o destino que inocentes postagens nas redes podem ganhar quando apreciadas com olhares maliciosos de um pedófilo.

A denúncia de Felca é consistente e valiosa porque explicita como as big techs são coniventes com a propagação de conteúdos deste gênero, entre tantos outros também condenáveis. Utilizam algoritmos que podem ser, e são, manipulados para direcionar conteúdo infantil a criminosos. E com isso contribuem para disseminar o material e aumentar a exposição de vídeos de crianças e adolescentes. 

Crianças, adolescentes, jovens, idosos, não há público que não esteja exposto aos riscos que a internet oferece a cada segundo. E as big techs, sem ética e sem qualquer controle, interno ou externo, lixam-se para as consequências, no afã de enriquecerem com as interações que provocam. E neste ambiente no qual surfam à vontade, ousam dar as cartas também. Agora mesmo a agência de notícias Intercept Brasil denunciou que foi um executivo da Meta o verdadeiro autor de emendas que o deputado Fernando Máximo apresentou ao PL 2628 que trata da proteção de crianças e adolescentes nos meios digitais. Veja só as intenções das emendas do deputado do União Brasil de Rondônia: isentar as plataformas da obrigação de divulgar relatórios de moderação e eliminar a possibilidade de multas e sanções criminais.

Quer um bom exemplo do que estes documentos poderiam revelar? Ao analisar relatórios internos da Meta, a Reuters encontrou políticas sobre os comportamentos de chatbots. Um dos documentos permitiu que as criações de inteligência artificial da empresa ?envolvessem uma criança em conversas românticas ou sensuais?, gerassem informações médicas falsas e audassem usuários a dizer que ?negros são mais burros do que os brancos?.

Por essas e outras, o lado muito positivo do vídeo do Felca está no fato de que o teor de suas denúncias acionou a pressão para que retorne à avaliação do Congresso a regulação da atuação das grandes empresas de tecnologia. Estas gigantes, claro, seguirão fazendo tudo para abafar o debate - inclusive estimulando os discursos de que o controle de suas atividades seria um ação de censura nas redes sociais. E contando com o apoio de Trump, ele de novo, que também aqui ameaça com retaliações econômicas países que dificultarem a atuação das gigantes americanas de tecnologia.