Vamos acabar com os rótulos que não nos definem

Por Márcia Martins

Determinada. Corajosa. Destemida. Batalhadora. Forte. Decidida. Guerreira. Ousada. Bem-sucedida. Sem medo de encarar qualquer desafio. Excelente profissional. À frente de seu tempo. Com uma ou muitas destas expressões é que uma mulher deve ser lembrada nas rodas de conversas, identificada nas suas mais diversas relações, definida nos seus diferentes locais de fala e ser a protagonista de sua história. Se ela é alta, de estatura média ou baixa. Não interessa. Se ela tem olhos amendoados ou claros. Não interessa. Se é magra, está acima do peso e qual a forma do seu corpo. Não interessa. Se ela rebola ao caminhar ou não mexe os quadris. Não interessa.

Uma mulher é muito mais do que seus atributos físicos. Sejam eles aprovados ou não pelo senso comum do mundo masculino e pela vaidade alheia. Uma mulher vale muito mais do que as características do seu cabelo, seus olhos, seu jeito de sorrir ou o remexer de seu corpo. Sejam elas ou não motivadoras de estampar capas de revistas. Uma mulher tem particularidades que precisam ser exaltadas, destacadas, elogiadas e que vão muito além do tom da pele, da mecha no cabelo, do rosto sem rugas, dos dentes brancos e da elegância no vestir. O caráter. A empatia. A valentia. A capacidade. O desempenho nas múltiplas funções.

Qualquer ser humano, independentemente do sexo, é superior às definições estereotipadas de beleza, charme e outras qualidades físicas. Mas parece que Jair Bolsonaro, ao desqualificar em várias ocasiões as mulheres (inclusive quando ainda não era o presidente e disse, em 2003, que não estupraria a deputada federal Maria do Rosário porque ela não merecia), criou um ambiente propício neste Brasil vergonhoso de 2019 entre os seus ministros para medir as pessoas, principalmente as mulheres, pelos seus dotes. Desde que eles atendam ao gosto distorcido, machista, preconceituoso, misógino e desrespeitoso dos homens que julgam as mulheres pela aparência.

Na coluna publicada no portal há 15 dias e intitulada Festival de besteiras que assola o Bolsonaro, lamentei o fato de Bolsonaro numa atitude desrespeitosa e que não condiz com o chefe de uma Nação, comentar a diferença de idade entre o presidente da França, Emanuel Macron, e sua esposa Brigitte, e a falta de beleza (na sua opinião) da mesma. Pois dias depois, o todo poderoso ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes, numa declaração asquerosa, endossou as ofensas proferidas pelo presidente do Brasil sobre a primeira-dama francesa. "É tudo verdade. O presidente Jair Bolsonaro falou mesmo, e é verdade mesmo, a mulher é feia mesmo", reforçou Guedes.

Eu admiro, por exemplo, a deputada Maria do Rosário, pela sua atuação política, pela sua postura na Câmara dos Deputados, pelos seus projetos e pela sua incansável defesa na luta dos direitos humanos. Maria do Rosário deve ser citada pela coragem, valentia, vida pública e pela firmeza com que defende as suas ideias. Eu vejo, por exemplo, na Brigitte Macron, uma linda história de amor, respeito, cumplicidade e conquista com Emanuel, que me interessa bem mais do que a diferença de idade de 27 anos entre eles ou algum traço físico que foge à regra da beleza universal. Brigitte deve ser lembrada pelo ser humano que é.

Em nove meses de um governo desastroso de Jair Bolsonaro e sua turma, de retirada de direitos dos trabalhadores, de uma reforma previdenciária que irá terminar com a possibilidade de alguém se aposentar ainda vivo neste País, eu realmente me preocupo é com o desempenho da economia, com a queda no número de empregos, com a redução de verbas para a educação, a falta de medicamentos nas farmácias populares e a total ausência de políticas públicas para as mulheres. Se Bolsonaro é feio ou se não é, se ele usa roupas elegantes ou não, se o corte de cabelo é moderno, nada disso me interessa. Não me diz respeito. E não desço à mesquinharia, ignorância e insignificância de qualificar as pessoas pela aparência física.

Se Paulo Guedes é baixinho ou não, se usa camisas amassadas e se seus cabelos estão desgrenhados, pouco me importa. Mas o que me tira o sono e perturba o meu sossego é se ele será capaz de fazer algo de útil para a economia do Brasil. O resto deve interessar, se é que interessa, somente à vida privada do ministro da Economia quando ele entra na sua residência. Não soma nada para o crescimento da economia e não influi no destino dos brasileiros e das brasileiras.

Desculpem, se me alonguei no texto. Mas é que não podemos mais aceitar definições rasteiras e baixas de quem devia dar exemplos de comportamento. Assim como não podemos mais permitir que as mulheres aplaudam quando tais caracterizações estereotipadas são feitas. No evento em que Guedes endossou a declaração sobre a primeira-dama francesa, muitas mulheres presentes na plateia gargalharam com a bobagem dita pelo ministro. Por favor, mulheres, vamos exercer a sororidade e acabar com os rótulos que não nos definem.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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