Você conheceu alguém hoje?

Por Elis Radmann

Você já parou para pensar em quantas pessoas você conheceu nos últimos tempos? Com quantas pessoas novas você conversou? E lembra se estabeleceu alguma empatia com essa pessoa? Se comoveu com alguma história? Ou aprendeu uma receita nova ou descobriu um novo fornecedor?

Há pouco tempo, cada dia era um novo dia para conhecer uma nova pessoa, ouvir uma história ou até mesmo fazer uma nova amizade.

A rede de relacionamento era construída de forma pessoal, através de contatos, conversas, trocas de experiências, auxílios e por indicação de algum familiar ou amigo.

A conversa podia ocorrer na fila de um ônibus urbano ou durante o trajeto de viagem. Muitas vezes, se pedia uma informação na parada de ônibus e o informante dizia que iria para o mesmo lugar, a conversa se transformava em um longo papo.

Na prática, as filas sempre eram um bom lugar para bater um papo e conhecer uma nova pessoa. As relações estabelecidas na fila do posto de saúde resultavam em conhecimento prévio da qualidade dos médicos, relatando desde atenção dispensada, tipo de medicação indicada e grau de acerto ou de erro. Sem contar na lembrança daquelas receitas caseiras, da época da vovó.

E quantas pessoas se conhecia quando se ia fazer um curso ou ter uma aula em uma turma específica? Era o momento de muitas dicas, de saber como era o professor ou até se valia a pena fazer outra disciplina.

E se você queria que uma viagem longa passasse rapidamente era só contar com a sorte de ter ao seu lado uma pessoa que gostasse de conversar. As horas passavam e era comum descobrir que se conhecia pessoas em comum. Em alguns casos, a conversa propiciava uma certa 'terapia', compartilhando dilemas, encrencas familiares ou, até mesmo, aventuras empreendedoras.

E as festas de familiares e amigos eram locais onde se conhecia muita gente, um momento propício para se encontrar a alma gêmea ou grandes amizades. Às vezes, sem nos darmos conta, se estabelecia uma grande cumplicidade durante uma conversa, que dava a sensação de que se conhecia a pessoa há muito tempo.

Refaço a pergunta inicial: Você aproveita as oportunidades cotidianas para conversar e conhecer pessoas?

Tanto a pergunta quanto os exemplos dados foram selecionadas propositalmente para instigar a reflexão, afinal de contas, quase 90% dos gaúchos utilizam cotidianamente as redes sociais. Significa dizer que as pessoas passam de duas a três horas por dia nas redes. E o pior, perdem a oportunidade de conhecer a pessoa que está ao seu lado.

É cada vez mais comum nos depararmos com as seguintes situações:

Pessoas na fila do ônibus ou do supermercado, vidradas no celular.

Fazendo uma viagem teclando no celular, com os fones de ouvido e totalmente desconectado de quem está ao lado.

Alunos entram na sala de aula e, na primeira oportunidade, estão conectados ao celular.

E tem aquelas pessoas que ficam em uma fila para tirar uma ficha no posto de saúde, se indigna com a demora, posta uma reclamação nas redes sociais e não fala com a pessoa que está ao seu lado.

Os encontros entre amigos registram as cenas mais inusitadas: uma mesa de bar com várias pessoas e cada uma no seu celular. E o churrasco de família, onde a galera está toda no celular e só se olha quando vai tirar uma selfie, para postar em seguida, ou se fala quando quer mostrar uma foto ou um vídeo cômico.

Observar exemplos cotidianos nos ajuda a compreender como a evolução da tecnologia amplia o nosso individualismo e nos afasta do mundo real.

Autor
Elis Radmann é cientista social e política. Fundou o IPO - Instituto Pesquisas de Opinião em 1996 e tem a ciência como vocação e formação. Socióloga (MTB 721), obteve o Bacharel em Ciências Sociais na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e tem especialização em Ciência Política pela mesma instituição. Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Elis é conselheira da Associação Brasileira de Pesquisadores de Mercado, Opinião e Mídia (ASBPM) e Conselheira de Desburocratização e Empreendedorismo no Governo do Rio Grande do Sul. Coordenou a execução da pesquisa EPICOVID-19 no Estado. Tem coluna publicada semanalmente em vários portais de notícias e jornais do RS. E-mail para contato: [email protected]

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