Uma conquista coletiva tem mais força

Por Cris De Luca

11/02/2019 17:01 / Atualizado em 11/02/2019 16:57

Neste sábado, 9 de fevereiro, me tornei, oficialmente, bacharela em Relações Públicas. Depois de quatro anos intensos na rotina trabalho e estudo, o tão esperado diploma com selo de qualidade Ufrgs finalmente foi conquistado. Mas esse texto, hoje, não é para falar sobre a minha experiência, a minha conquista. É para falar de uma conquista coletiva dos meus colegas, de suas famílias e amores. Junto com a minha turma de Relações Públicas, também se formaram colegas publicitários e jornalistas. Ao todo, éramos 61 na turma de Comunicação Social 2018/2! Um povo lindo com todos os motivos do mundo para comemorar.

Desde que passei a ir nas cerimônias de colação de grau dos cursos da Fabico, notei que os discursos dos oradores de turma sempre tinha um tom de inquietação, de contestação, de colocar o dedo na ferida, de não ter mais palavras para dizer as coisas. Tinha algo diferente dos outros cursos. A primeira experiência foi no dia seguinte em que mataram a deputada Marielle Franco. Era impossível ficar indiferente ao que tinha acontecido. E sabia que meus colegas não só lembrariam a morte dela, afinal já faz quase um ano do assassinato sem respostas, mas trariam muitas outras questões em pauta não só políticas, mas, principalmente, sociais. 

A vontade era estar com um caderninho anotando todos os trechos maravilhosos das falas delas e dele (foram cinco oradoras e um orador), mas acho que o pessoal do cerimonial não acharia muito agradável, então, pedi autorização para usar alguns trechos do discurso feito pelas maravilhosas salve salve Kassiele Nascimento e Marjana Antunes, duas mulheres negras e cotistas, com quem tive o prazer de conviver na Fabico (menos do que eu gostaria) e que hoje tenho orgulho de chamar de minhas colegas relações-públicas. Queria colocar ele na íntegra, mas ficaria um pouco longo para vocês lerem, então fiz alguns recortes, que penso que vai passar o recado.

?Este é um ato político e de esperança para todos aqueles e aquelas que como nós, enfrentam as barreiras impostas por uma sociedade misógina, racista, LGBTfóbica, que exclui os mais pobres e desconsidera pessoas com deficiência.  (...)

Este é um momento de celebração e também de reflexão em que fazemos uma retrospectiva do nosso caminho até aqui e da importância de um retorno positivo à sociedade em resposta à educação gratuita que recebemos. Podemos parecer muitos, mas, na verdade, a partir de hoje fazemos parte da estatística de apenas 15% de brasileiros com o ensino superior completo. Estudos comprovam que as chances de um estudante pobre entrar em uma universidade pública é de apenas 2%, mostrando que as instituições públicas de ensino superior no Brasil ainda perpetuam as desigualdades sociais.

Infelizmente, o futuro nos reserva tempos difíceis, mas também temos certeza que, de nossa parte, a resistência será o caminho que iremos trilhar juntos. Portanto, é extremamente necessário se colocar em defesa da educação pública. Reivindicamos as ações afirmativas que oportunizam o acesso de quem historicamente teve o direito à educação negado. Tais políticas são responsáveis pela significativa mudança no perfil do estudante do ensino superior no Brasil. Reforçamos que é preciso que o ensino superior não esteja restrito a uma elite econômica. Mas que as populações minorizadas possam fazer uso dessa ferramenta de emancipação que é a educação. Para que não falem por nós, para que possamos trazer os nossos saberes ancestrais e marginalizados para dentro desse espaço. Nunca fomos e nem nunca seremos recorte, somos o centro. 

Também não podemos deixar de manifestar o nosso repúdio, como as nossas colegas jornalistas, às declarações do atual Ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez de que 'o ensino superior deve ser destinado a uma elite intelectual'. Tal pensamento expressa a direção oposta a que gostaríamos de estar: um país em que a educação não seja vista como um privilégio de poucos, mas sim um direito de todos. (...)

Neste cenário, compreendemos que a comunicação tem o papel primordial de ressoar e amplificar vozes historicamente silenciadas de diversas formas por uma sociedade opressora. Contribuir para a visibilidade e autonomia de cada uma para que possam se potencializar. Sabemos que essa tarefa não se cumpre apenas no plano simbólico, mas também na prática e em diversos âmbitos como o mercadológico, institucional e estratégico. O ser Relações Públicas é ter alteridade suficiente para sermos conscientes sobre qual o nosso lugar de partida nessa discussão, relembrando o que bem nos diz a filósofa Djamila Ribeiro. 

Segundo a filósofa Sueli Carneiro, porta-voz é aquele que carrega em si o poder de transformar, representar. E assim, nos entendemos como profissionais de Relações Públicas no campo da Comunicação. Nesta posição, assumimos o compromisso de discutir comportamentos enraizados nas organizações para podermos avançar enquanto sociedade. 

Como comunicadores, compreendemos nosso papel na engrenagem da sociedade e mais que isso, sabemos que não servimos para que ela apenas siga girando. (...)

Neste processo, encaramos a comunicação como uma ferramenta para romper com narrativas subservientes, de estereótipos historicamente construídos. A Comunicação deve ser o lugar em que todas e todos tenham a oportunidade de serem sujeitos, recriando a narrativa a partir dos seus próprios olhares. 

Enfim, consideramos que apresentar um pouco sobre o contexto do Brasil e educação no dia de hoje - um dia tão sonhado por nós e nossos familiares - é importante para relembrar de onde viemos e para onde queremos seguir. Sabemos que muitos horizontes são ampliados dentro da universidade mas a busca por conhecimento, como dissemos anteriormente, não deve parar por aqui. 

Pois acreditamos que é assim que o conhecimento se transforma, quando ele transborda para além de nós mesmos. Seguiremos atentos e atuantes, em busca de um novo futuro possível. Já diz o samba da Mangueira: 'Brasil, chegou a vez de ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês'.?

P.S.: Pouco antes de terminar este texto, parei para almoçar e, em seguida, liguei a TV e dei de cara com a notícia da morte do Ricardo Boechat, uma das minhas referências no Jornalismo. Vai fazer falta um cara lúcido como ele para trazer um pouco de discernimento para o nosso dia a dia e colocar o dedo em tantas feridas que estão expostas por aí. Não está sendo fácil viver em 2019! Que seu caminho seja iluminado! Que sua família fique em paz!