Diversidade e Comunicação: Jaques Machado e todas as camadas da sua individualidade

Articulista do dia em Coletiva.net, jornalista do Grupo RBS conversou com Luan Pires

Jaques Machado assinou artigo em Coletiva.net - Rogério Fernandes

Jaques Machado é jornalista com quase 10 anos de atuação no Grupo RBS, entre rádio Gaúcha e RBS TV, e atualmente é produtor do 'Timeline'. Diretor, produtor cultural e ator, escreveu, produziu e dirigiu o espetáculo autobiográfico 'Sobrevida', que retrata a rotina de uma pessoa após o diagnóstico de HIV, que estreou em São Paulo e atualmente circula pelo Rio Grande do Sul. Na sua fala, Jaques demonstra ser múltiplo e, ao mesmo tempo, único no que quer dizer. Seja na área cultural, seja no jornalismo, o entendimento da necessidade da conversa, da troca, do posicionamento e da pluralidade aparece em tudo que faz.

Me conta como a Diversidade apareceu mais latente na tua vida?

Desde 2018, além do Jornalismo, eu trabalho profissionalmente com produção de teatro. Tenho uma peça chamada 'Sobrevida', que é autobiográfica e conta a minha história em função do diagnóstico de HIV, com algumas adaptações para o formato com dois atores. Isso foi em 2021. No jornalismo, essa questão de levantar esses assuntos começou junto com esse processo. Nunca escondi nada sobre mim e todo mundo sabe que eu sou gay, mas essa pauta [da diversidade] sempre foi mais cotidiana. Com a peça e meu movimento ao redor disso, eu acabei me tornando mais "panfletário", no sentido de falar mais do assunto e expor mais a minha visão. Além disso, antes de escrever a peça que citei, eu e um dos atores fizemos um laboratório exclusivo para travestis e transexuais de montagem cênica. O objetivo era fazer uma oficina de teatro com pessoas trans e travestis exclusivamente e montar um espetáculo com elas a partir de um de uma dramaturgia. A gente até ganhou o 'Prêmio Açorianos' de melhor ação formativa. Então, respondendo, todos esses movimentos, além de outros que ocorreram em paralelo, me fizeram ser mais ativo na pauta. 

Você acha que a visão sobre o tema mudou durante os últimos anos?

Eu acho que a gente teve um crescimento no sentido de entendimento sobre as pautas de diversidade, um olhar mais empático sobre as realidades que iam além do ponto de vista de pessoas heterossexuais. Mas, com a chegada do governo Bolsonaro, houve uma queda muito grande do espaço conquistado. Não só na cultura, mas na "abertura" das pessoas de entender esses outros olhares. Acho que em algumas pessoas aflorou mais alguns discursos de ódio porque elas tinham uma figura de poder que, de certa forma, endossava esse penso. 

E você acha que, do outro lado, quem ficou disposto a falar de diversidade, foi um movimento legítimo?

Dentro da RBS - e eu não estou falando isso porque estou de crachá - sempre senti uma preocupação autêntica com diversidade. Pensar ao fazer uma seleção em quem está avançando nos processos, em todas as camadas identitárias. Sempre se tem um questionamento: por que não ter uma mulher aqui ou uma pessoa preta, sabe? Sempre senti essa preocupação da empresa de ser acolhedora e questionadora sobre como se tornar cada vez mais diversa.

E no seu dia a dia como produtor, como você vê essa questão da representatividade?

Quando a gente vai chamar alguém para falar, independente do assunto, a ideia é pensar em pessoas de grupos minorizados também. Não só chamá-los para pautas sobre diversidade. A gente tenta muito fugir de datas. Não só trabalhar a representatividade no dia do orgulho, por exemplo. Além disso, somos formados por tantas camadas que implicam no nosso trabalho cotidiano de comunicação. É claro que eu por ser um homem gay portador do vírus HIV e ser uma um militante disso, ainda mais trabalhando no contexto artístico também, o meu olhar para as pautas do cotidiano é diferente do repórter que é hétero e branco. No jornalismo se fala muito da questão da imparcialidade, né? Eu acho que sim, ela existe, mas a imparcialidade no sentido de conseguir ouvir e dar espaço para quem pensa diferente do que a gente pensa. Eu tenho que ouvir e colocar no ar pessoas que pensam diferente de mim e que talvez eu não concorde, mas eu tenho que colocar porque ela também tem o direito de ter um momento. Claro que aqui estamos falando de opinião e não de preconceito. Tem gente que acha que o que fala é uma opinião e na verdade é um crime, essa pessoa não pode ter espaço. 

As pessoas se desacostumaram a ouvir opiniões diferentes... Você sente isso, também?

É aquela coisa: eu ofereço as informações A,B,C e D sobre um determinado assunto ou fato. Quem discorda se priva completamente de tentar entender o outro lado. E aí que a gente perde essa coisa do diálogo e da tolerância para todo e qualquer assunto. Além disso, hoje não temos só dois pontos de vista: temos vários.

E o jovem Jaques, quando se percebeu gay, já imaginava toda essa história que ele ia percorrer? Como foi a sua experiência de descoberta?

Acho que não. A descoberta foi no Ensino Fundamental quando reconheci o simples fato de sentir atração por meninos e não por meninas. Mas, viver a sexualidade foi só com uns 18 anos. Minha mãe, por exemplo, só soube sobre isso quando eu já tinha me separado após morar dois anos com outro cara, inclusive com ela frequentando a nossa casa. Aí um dia, fui buscar minha mãe no trabalho de carro e acabamos sem querer chegando na pauta e ela me fala "tem que deixar as pessoas casarem com quem elas querem". Eu perguntei: "Mãe, você já sabia que eu era casado com ele (meu esposo na época)?". Ela disse: "Claro, até hoje não entendi porque vocês se separaram". Daí foi uma abertura para ela ficar sabendo mais sobre a minha vida sentimental também. Com o HIV ela mesma descobriu, mas como eu já estava mais por dentro do assunto, expliquei pra ela. 

E como foi seu próprio processo de descoberta do HIV?

Eu consegui encarar de maneira mais leve porque eu já tinha informação sobre o HIV. Como é que funcionavam os remédios, como é que funcionavam os exames, que não era o fim do mundo, que era só fazer o tratamento de uma maneira certa e seguir com a medicação, que a vida seguia normalmente. Então, eu já tinha essas informações todas porque eu convivi com uma pessoa que vivia com HIV, também. E aí quando eu descobri de mim sabia que era o momento de botar em prática aquilo que eu já conhecia. No começo me incomodou um pouco o fator social e o fator psicológico: mesmo não transmitindo o vírus por estar identificável e por fazer o tratamento, sempre rolava a dúvida: eu falo pra essa pessoa? Não falo? Porque já melhorou, mas muitas pessoas ainda acham que é o "fim da vida" e não é. A expectativa de vida, com os medicamentos atuais, praticamente não muda. Só exige manter o tratamento. Até porque existe uma questão de confidencialidade: uma pessoa que vive com HIV não é obrigada a contar para todo mundo que tem. Mas, no meu caso, vi isso como uma maneira de tentar ajudar outras pessoas com a minha história, com a minha peça.

O que é diversidade e inclusão para você?

No meu ponto de vista, passa por essas camadas das quais eu sou construído. É me colocar aberto a receber as mais diversas realidades possíveis. É tentar estourar a minha bolha todos os dias para conseguir ter um acesso a realidades que são completamente diferentes da minha e que eu faço questão de reverberar em mim e nos meus trabalhos. Seja na comunicação e nas artes, sabe? Mas, esse seria o meu conceito de diversidade.


Esta matéria faz parte de um conteúdo especial sobre diversidade e Comunicação, produzido por Luan Pires para Coletiva.net. Todas as semanas, o jornalista publica uma entrevista exclusiva com o articulista do dia. Para conferir o artigo de hoje, assinado por Jaques Machado, clique aqui.

Autor
Luan Nascimento Pires é jornalista e pós-graduado em Comunicação Digital. Tem especialização em diversidade e inclusão, escrita criativa e antropologia digital, bem como em estratégia, estudos geracionais e comportamentos do consumidor. Trabalha com planejamento estratégico e pesquisa em Publicidade e Endomarketing, atuando com marcas como Unimed, Sicredi, Corsan, Coca-Cola, Auxiliadora Predial, Deezer, Feira do Livro, Museu do Festival de Cinema em Gramado, entre outras. Articulista e responsável pelo espaço de diversidade e inclusão na Coletiva.net, com projetos de grupos inclusivos em agências e ações afirmativas no mercado de Comunicação. E-mail para contato: [email protected]

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