Diversidade e Comunicação: Michele Pradella e as mudanças para todos

Jornalista assina artigo em Coletiva.net e conversa com Luan Pires

Michele Pradella conversa com Luan Pires - Crédito: Arquivo pessoal

Repórter e colunista da editoria de Variedades do jornal Diário Gaúcho (DG), com ênfase em textos sobre novelas, seriados e literatura, Michele Pradella é uma jornalista que tangibiliza em ações a vontade de mudar o mundo. Com colaborações eventuais para o Segundo Caderno do jornal Zero Hora, também foi responsável por uma série de reportagens em que o DG apontava as iniciativas bem-sucedidas e o que ainda precisava melhorar no que diz respeito a facilitar o trajeto de pessoas com deficiência (PCD) em Porto Alegre.

Você é uma profissional consolidada em diferentes áreas, mas sempre preocupada em ocupar um lugar de posicionamento sobre pautas como inclusão. Como é esse equilíbrio?

De uns anos para cá, questionei-me sobre o que eu estava fazendo para melhorar a minha qualidade de vida e de outras pessoas com deficiência, porque sou privilegiada ao ter um espaço de mídia que se preocupa em escrever sobre isso: afinal, está muito na essência do Diário Gaúcho mostrar os problemas e buscar soluções para eles. Como o veículo tem essa comunicação muito próxima com o leitor, propus para o meu chefe uma série de reportagens apontando os problemas de acessibilidade de alguns locais públicos de Porto Alegre. Meu chefe comprou a ideia na hora. Fui visitar lugares com a ideia de mostrar que uma pessoa cadeirante sozinha não conseguiria acessar - no meu caso, tive o apoio da minha mãe. Faltava acessibilidade por não ter uma rampa firme ou sem um bom ângulo de inclinação e por aí vai... A primeira matéria foi do trecho dois da orla do Gasômetro até as Rótulas das Cuias. Eu fui com um fotógrafo e fizemos fotos e vídeos. O consórcio que adotou aquele trecho entrou em contato comigo e disse que iam arrumar o que precisasse. Na terceira tentativa, após ouvir meus retornos, a rampa ficou perfeita e isso me deixou muito feliz. Meu chefe me disse: 'você tem noção que você mudou uma realidade com essa matéria? Quantas pessoas vão usufruir dessa rampa que agora está nos padrões?'

E o fato de você ser uma pessoa que vivencia essas dificuldades fala muito da representatividade de ter grupos minorizados em espaços em que serão ouvidos por todos...

Exato. E mais: as questões arquitetônicas abrangem muito mais do que as pessoas cadeirantes. Recebi um e-mail de uma pessoa que viu minha reportagem e disse que andar com carrinho de bebê nas ruas de Porto Alegre é um desafio. Então, faz bem para muitas pessoas: idosas que podem tropeçar em uma rampa, cair em um buraco, crianças que podem tropeçar, mães com carrinhos de bebês... É muito amplo.

Como você entrou no Diário Gaúcho?

Desde o início, tive o apoio do Integrar, que é o programa de inclusão da RBS. Lembro que já na primeira semana foram comigo em todos locais no prédio para eu apontar possíveis melhorias e eu fui dizendo, mas foram apenas detalhes, tudo já estava meio pronto. Agora, sempre que tenho questões de acessibilidade entro em contato com eles. Além disso, hoje em dia é uma pessoa com deficiência visual que cuida dessa área e acho isso maravilhoso porque ela vai ter um entendimento maior das dificuldades que chegam nela. 

E você se sente mais desafiada para comprovar seu local de espaço? Já ouvi de alguns outros entrevistados esse sentimento ambíguo de mostrar que a competência está ali, indiferentemente das necessidades da pessoa...

Eu entrei na RBS pelas cotas, mas eu permaneci pelo meu trabalho. Demorei muito para chegar a essa conclusão, mas sei que sou uma boa profissional, acima de qualquer problema que eu tenha de mobilidade. No início me questionei muito, mas agora sei que meu trabalho é valorizado e meus colegas e gestores sabem disso e enxergam uma profissional competente como qualquer outra. Eu sou uma boa profissional e não uma cota. 

Como foi seu processo pessoal de aceitação?

Foi quando eu comecei a conviver com pessoas com deficiência. Quando comecei a trabalhar e quando as redes sociais começaram a surgir: encontrei nichos de pessoas que passavam por dificuldades muito parecidas com as minhas. Comecei a participar de eventos, passeatas, congressos? Passei a me dar conta de quem eu sou, de qual grupo eu pertenço e entender a importância em me aceitar. Teve uma época que até escrevia em um blog sobre situações do dia a dia. Coisas como chegar no aeroporto e o atendente falar somente com minha mãe. Uma vez eu falei: 'Sabia que eu falo?' As pessoas têm mania de falar com o acompanhante e não com o cadeirante. Aprender a se impor é importante.

O que é diversidade e inclusão para você?

Diversidade e inclusão é a vida real. É olhar para fora e ver que ninguém é igual a ninguém e que cada um tem suas necessidades e tudo começa quando a gente olha para fora. Quando a gente para de olhar só para si e mira em quem vai precisar de condições para ocupar todos os espaços, isso é diversidade e inclusão.


Esta matéria faz parte de um conteúdo especial sobre diversidade e Comunicação, produzido por Luan Pires para Coletiva.net. Quinzenalmente, o jornalista publica uma entrevista exclusiva com o articulista do dia. Para conferir o artigo de hoje, assinado por Michele Pradella, clique aqui.

Autor
Luan Nascimento Pires é jornalista e pós-graduado em Comunicação Digital. Tem especialização em diversidade e inclusão, escrita criativa e antropologia digital, bem como em estratégia, estudos geracionais e comportamentos do consumidor. Trabalha com planejamento estratégico e pesquisa em Publicidade e Endomarketing, atuando com marcas como Unimed, Sicredi, Corsan, Coca-Cola, Auxiliadora Predial, Deezer, Feira do Livro, Museu do Festival de Cinema em Gramado, entre outras. Articulista e responsável pelo espaço de diversidade e inclusão na Coletiva.net, com projetos de grupos inclusivos em agências e ações afirmativas no mercado de Comunicação. E-mail para contato: [email protected]

Comentários