Diversidade e Comunicação: Ricardo Gomes e a expressão do seu "eu"

Diretor de Atendimento na HOC e head de Comunicação do Pacto Alegre conversou com Luan Pires

Ricardo Gomes assinou artigo para Coletiva.net nesta sexta-feira - Arquivo pessoal

Ricardo Gomes é diretor de Atendimento na HOC - House Of Creativity e head de Comunicação do Pacto Alegre, movimento que busca criar condições para que a cidade se transforme em um polo de Inovação, atração de investimentos e empreendedorismo. Sua fala assertiva e a certeza de saber quem é contrastam com os primeiros anos no mercado de Comunicação, em que tateava essa descoberta. Aos 50 anos, sente-se ciente e consciente do seu papel.

Como foi seu processo de se descobrir gay e como influenciou suas vivências profissionais?

Eu acho que, agora, aos 50 anos, tudo é diferente de quando eu comecei. Hoje, me sinto privilegiado por ter sido aceito e vivenciado várias oportunidades. Claro que enfrentei preconceitos, inclusive já fui preterido por ser gay, mesmo que não tenha sido descaradamente. Mas não posso chegar aqui e dizer que não tive privilégios por ser homem gay e branco. Trabalhar em um ambiente que me permite ser aceito é uma vitória para mim. Sair do interior me deu liberdade de ser quem eu sou. Embora, mais uma vez, preciso ressaltar que sempre tive aceitação da minha família e isso foi essencial. Profissionalmente, ser gay não me impediu de nada. Essa experiência negativa que eu tive, penso que foi para entender que não era um lugar que me servia e me deu forças para procurar um local melhor em que eu pudesse ser eu mesmo, sem medo do que isso pudesse causar. Confesso que fico reflexivo quando alguém diz que eu não pareço gay - seja lá o que essa pessoa ache que um gay seja. Pelo motivo de que ser gay faz parte de quem eu sou. 

Existe um fato na sua descoberta ainda jovem que foi um ponto importante na tua jornada de autodescoberta?

Lembro de uma vez, aos 16 anos, em que meu pai me disse que a única vergonha para um pai é ver o filho roubar e que, se isso não acontecesse, ele sempre ia me amar. Eu nunca esqueci esse papo, embora, na época, como não tinha me assumido, não tinha entendido muito bem onde ele queria chegar. Só depois de anos, na terapia, eu entendi que era a forma dele dizer que me amava de qualquer jeito. 

Como foi entrar no mercado de trabalho em uma época em que ser gay era visto com ainda mais preconceito?

Por um bom tempo eu trabalhei sem me assumir. Era a sensação de não ser o que eu realmente era. Nas reuniões, eu cuidava para não me manifestar, quase queria me esconder. Acho que eu passei a ser eu mesmo quando trabalhei numa revista. As pessoas sabiam que eu era gay. Mas eu tinha um cuidado redobrado, mesmo assim. Se eu ia cumprimentar um homem, eu não estendia a mão pelo motivo de não saber se ele queria apertar a mão de um gay. Não abraçava ninguém já que poderiam me interpretar errado. E isso tudo vinha de algo interno de eu achar que não merecia ser visto.

Mas, hoje, não. Eu me visto do jeito que quero, sou como eu quero. Adoro moda e para mim é um modo de libertação, por exemplo, poder comprar uma calça feminina porque eu achei que ficou legal no look e as outras pessoas elogiarem. Ainda mais tendo 50 anos. Mas sei que o privilégio de conviver e estar em ambientes que me permitem isso, infelizmente, é a realidade de uma minoria. Por isso, acabo sempre me cobrando em ser mais ativo nas causas. E até os pequenos gestos fazem toda a diferença. Na minha atual agência, embora eu já tenha me sentido acolhido em outros lugares, foi a primeira vez que coloquei a bandeira do movimento do lado do meu nome em todas as redes sociais sem medo que isso fosse acarretar alguma coisa pra mim. 

Como você lida com a questão de ser um profissional mais velho em épocas que se discute tanto o etarismo e vivemos casos polêmicos sobre o assunto?

Saber que os meus 50 anos não é um peso na agência que eu trabalho é uma conquista. Quando tu trabalha em um local assim, saem campanhas que as pessoas se apaixonam porque tem legitimidade. Nas listas de demissões que surgiram, a maioria são pessoas de mais idade e não é pelo salário que é mais alto. Esse é um pensamento errado, já que demitir os mais experientes também é abrir mão de um histórico de experiência, principalmente num mundo de desinformação e armadilhas.

O que você pensa sobre a questão de que ainda muitas empresas praticam diversidade e inclusão só no discurso?

Eu acho que a real inclusão acontece pela educação. Todo nosso modelo reforça a falta de equidade. Mais do que escolher influenciadores, por exemplo, pode-se ajudar a criar influenciadores de áreas mais periféricas, isso pode ser o ganha pão de muitos. Precisamos ter esse penso pra gerar equidade. Contratar um jovem com potencial e colocar um mentor mais experiente com ele, não tem como dar errado e desse jeito ninguém se sente descartável. 

Eu, por exemplo, atuo no Pacto Alegre, como head de Comunicação, trabalhando para Porto Alegre ser um hub de Inovação até 2030. Eu curto muito a área de Inovação pelo motivo de que, embora a inteligência artificial seja um tópico latente, nunca falamos tanto do lado humano. Afinal, qualquer ecossistema de inovação é um local onde todas as pessoas têm reconhecimento. 

Você comentou muito sobre essa questão dessa sensação de acolhimento que é um privilégio...

Sabe, eu sou um cara religioso, e viver essa experiência em uma igreja católica... Viver essa espécie de dualidade me melhorou 100%. Além disso, tenho o espiritismo como apoio emocional também. Consigo me encontrar no cerne da mensagem de aceitação e amor. E acho que aqui a palavra não é nem "aceitar", mas sim ser amado como eu sou. Já que aceitação vem de algo desconforme e não é o caso. E muitos dos religiosos que criticam a diversidade, com toda certeza, devem olhar mais para si e para os seus pecados.

Para finalizar, o que é diversidade e inclusão para você?

A inclusão e a diversidade começam a partir do momento em que as pessoas te olham pelos teus olhos e não pelo lado de fora. É o momento em que todo mundo que está ali faz parte do jogo. Ninguém fica no banco de reservas.


Esta matéria faz parte de um conteúdo especial sobre diversidade e Comunicação, produzido por Luan Pires para Coletiva.net. Todas as semanas, o jornalista publica uma entrevista exclusiva com o articulista do dia. Para conferir o artigo de hoje, assinado por Ricardo Martins, clique aqui.

Autor
Luan Nascimento Pires é jornalista e pós-graduado em Comunicação Digital. Tem especialização em diversidade e inclusão, escrita criativa e antropologia digital, bem como em estratégia, estudos geracionais e comportamentos do consumidor. Trabalha com planejamento estratégico e pesquisa em Publicidade e Endomarketing, atuando com marcas como Unimed, Sicredi, Corsan, Coca-Cola, Auxiliadora Predial, Deezer, Feira do Livro, Museu do Festival de Cinema em Gramado, entre outras. Articulista e responsável pelo espaço de diversidade e inclusão na Coletiva.net, com projetos de grupos inclusivos em agências e ações afirmativas no mercado de Comunicação. E-mail para contato: [email protected]

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