Marcelo Coelho: Guiado pela música

Do interior do Rio Grande do Sul à capital carioca, o jornalista fala da alegria em voltar ao Estado

Marcelo Coelho

Por Cinthia Dias

Diante de um espelho retangular no estúdio do SBT RS, localizado no alto do Morro Santa Teresa, Marcelo Coelho faz os últimos ajustes no seu visual antes de comandar, ao vivo, o SBT Rio Grande. Confere a gravata e se o terno está amassado. Poucos minutos antes de apresentar o programa, ajeita, mais uma vez, os fios do cabelo com um pente portátil que traz na nécessaire preta, onde também carrega o pó, que aplica na testa e nas bochechas para tirar o brilho da pele do rosto.

Após o ritual, realizado com frequência de segunda a sexta-feira, impecável, entra no ar às 11h40. Os próximos 50 minutos são de informação, opinião e total concentração até nos breaks comerciais. "Sou vaidoso, pois existe uma cobrança em cima disso. Até acho bobagem, mas as pessoas em casa reparam: se parece que estou suado, dá um aspecto de relaxamento. É uma necessidade técnica", explica o apresentador, que trabalha na televisão há mais de 25 anos.

Além da preocupação em mostrar a qualidade e o zelo com a imagem aos telespectadores, que se refletem nas peças de roupa sempre bem passadas, acredita que isto também se justifique pelo Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), que tem em outros aspectos de sua vida. "TOC por simetria", afirma, compartilhando que os amigos e familiares acham graça dele por "estacionar" as batatas fritas no prato por ordem de tamanho e por cortar a maçã em oito pedaços iguais para comer. "O pessoal ri de mim", completa, gargalhando.

Culto à tradição

Apesar de ter residido no Rio de Janeiro por mais de duas décadas, a cultura do Rio Grande do Sul nunca o deixou. Muito pelo contrário, todos os dias dava continuidade aos hábitos gauchescos, como preparar e tomar chimarrão e tocar milongas e chamamés no violão. "Quando batia muita saudade, entrava no consulado gaúcho, que é o Banrisul, onde tenho conta até hoje", conta, aos risos.

Distante da terra natal, também não abria mão do bom e tradicional carreteiro de charque. Comprava o vazio, deixava salgando por uma semana, tirava o excesso do sal, picava e congelava. Quando recebia um amigo do sul, preparava, orgulhoso, o prato. "Gosto de cozinha, mas não sou um gourmet, me defendo ali e não passo fome", diz, completando que, como a maioria dos gaúchos, não abre mão de um bom churrasco.

De dentro para fora

Natural de Santa Maria, ele brinca que o encanto pelo rádio e pela televisão nasceu das práticas do curso técnico em Eletrônica, quando estudava os aparelhos por dentro. Junto a isso, veio o gosto pelos sistemas de transmissão dos dois meios e a paixão pelo FM, pela locução e operação de emissoras. "Mexi neles por dentro e depois queria estar dentro destas plataformas. Uma brincadeira que acabou virando sério", comenta, recordando o primeiro exercício profissional, em 1986, na antiga RCC FM, em Rio Grande.

Após, entre 1989 e 1993, atuou como comunicador das rádios FM 105 e Atlântida FM em Santa Maria. A contratação aconteceu porque havia um locutor do Grupo RBS em um barzinho em São Francisco de Assis, onde Coelho tocava violão. Na ocasião, o músico o procurou e manifestou interesse em trabalhar no ramo. "Um grande profissional que me abriu as portas: o Gerson Pont, que hoje comanda a rádio da Universidade de Passo Fundo", reconhece o papel do amigo no começo de sua carreira.

Quando ingressou no time da RBS, também deu início à trajetória acadêmica no curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Com pouco mais de um ano de casa, surgiu a oportunidade, por intermédio do então chefe de reportagem, Sérgio Assis Brasil (falecido em 2007), de integrar a equipe da RBS TV, a fim de trabalhar como editor, repórter e apresentador. "É uma inspiração, quem me ensinou que não importa a estrutura que tu tenhas para trabalhar, tu tens que cumprir a tua missão."

Da infância à eternidade

Não é de graça. O gosto pela música vem desde a infância, quando lembra que acordava ao som do bolero de Ravel, entre outros clássicos que o pai - cujo nome não revela por questões de segurança - venerava. Recorda a compra do toca-discos em 1977 e dos momentos de contemplação de canções nativistas, como de Noel Guarani. A exemplo do patriarca, o filho único passou a incorporar o lado musical. "Um dia, ele apareceu com um violão em casa. Peguei e nunca mais larguei."

Já aos 12 anos, ingressou em grupos da Igreja Católica, onde foi criado segundo estes preceitos, e tocava nas missas. Dos valores aprendidos com a religião e, principalmente, com a família, acredita ter tirado sua principal qualidade e, consequentemente, seu pior defeito. "Gosto de ser franco e também gosto de pessoas que falam a verdade. Mas sei também - e tenho essa autocrítica - que estou sendo chato e que preciso calar a boca. O lado ruim? Ser sincero demais." Depois, participou do festival da cultura gaúcha Califórnia da Canção e, como consequência, se apaixonou pelo universo nativista.

Com a falta de tempo, atualmente, usa a música para encontrar com os amigos, além de relaxar em casa. "Ainda toco guitarra e violão, mas não como antes. Apesar de gostar demais do barulho, aprendi que tenho que poupar a garganta e preservar a minha ferramenta de trabalho, a voz." Também é comum encontrá-lo pedalando pelas ruas da cidade, gastando energia e recordando os tempos de repórter. Além disso, está nos planos dele a compra de um skate para andar pela Orla do Guaíba. 

Desejo de repatriação

Pelas dificuldades em conciliar os estudos e as funções de jornalista na RBS, o jovem decidiu trancar a faculdade. Porém, em 1993, juntou suas malas e se mudou para o Rio de Janeiro, onde morou por 21 anos. Lá, concluiu a graduação em Jornalismo, na Faculdade Hélio Alonso (Facha). Em um primeiro momento desempregado, dividia seu tempo entre animar a noite nos bares Capelinha, em Vila Isabel, e Piu Buonno, na Tijuca, e fazer testes nas rádios. "Andava por tudo: eu, a bateria eletrônica e a caixa de som."

Não demorou muito, fez uma capacitação na produtora de vídeos No Ar Comunicação, de Alice-Maria Reiniger, uma das criadoras do Jornal Nacional, e o mercado carioca de Comunicação se abriu para ele. Lá, começou no Sportv, onde ficou dois anos e teve a oportunidade de narrar partidas de vôlei, corridas automobilísticas e até um rodeio. Mais tarde, passou pelos telejornais das redes de televisão CNT, RedeTV, Gazeta e Record TV, tendo assinado mais de seis mil reportagens. Nesta última, fez reportagens especiais para o Domingo Espetacular e Repórter Record durante os 13 anos que ficou na empresa.

O último veículo de comunicação pelo qual passou no Rio de Janeiro foi o SBT RJ. A oportunidade surgiu após ser indicado por um colega de profissão, que frequentava o bar em que tocava nas noites cariocas, para substituir jornalistas em períodos de férias. Nesse período, já questionavam se valia a pena continuar em uma cidade tão violenta. Então, como um milagre, foi convidado para apresentar um telejornal no SBT RS, em Porto Alegre.

Era o que precisava, um impulso para voltar para perto da família e do filho, que também não revela o nome por questões de segurança. Em maio de 2014, retornou ao Estado, que eventualmente visitava para matar as saudades dos parentes, para comandar o desafio de fazer um jornal que falasse o idioma do gaúcho. "Digo que o SBT me repatriou. Depois de 21 anos, voltei aos pagos e estou muito feliz."

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