Abradi defende equilíbrio regulatório após decisão do STF sobre o Marco Civil da Internet
Associação que ajudou a elaborar a legislação original analisa impactos da mudança e reforça a capacidade de adaptação do setor digital

A Associação Brasileira dos Agentes Digitais (Abradi) manifestou preocupação com a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que altera a interpretação do artigo 19 do Marco Civil da Internet. A entidade, que participou ativamente da construção da legislação original junto ao Comitê Gestor da Internet (CGI.br), defende um equilíbrio entre responsabilidade das plataformas e a preservação da liberdade de expressão.
Por maioria de votos (8 a 3), o STF decidiu que redes sociais poderão ser responsabilizadas por conteúdos ofensivos ou criminosos publicados por seus usuários, caso não retirem as postagens após notificação extrajudicial. A exceção são os casos de crimes contra a honra, como calúnia e difamação, em que a retirada ainda exige ordem judicial. Já em situações envolvendo discurso de ódio, racismo, apologia à violência, pedofilia ou tentativa de golpe de Estado, as plataformas deverão agir de forma proativa, mesmo sem notificação.
Para a Abradi, um dos principais pontos de atenção está na transferência da responsabilidade de julgamento para as plataformas, exigindo que empresas privadas decidam o que deve ou não ser removido. "Há conteúdos claramente ilegais, como pornografia infantil ou terrorismo, que não geram dúvidas. Porém, categorias como 'discurso de ódio' ou 'tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito' são muito mais subjetivas", avalia Carlos Paulo Jr., presidente da entidade.
Segundo ele, diante do risco de sanções, as plataformas tendem a adotar uma postura mais conservadora, o que pode comprometer a liberdade de expressão. "Na dúvida, as empresas vão preferir remover qualquer conteúdo questionável, mesmo que não haja ilegalidade evidente", alerta.
A Abradi destaca que qualquer regulação deve priorizar a segurança jurídica de todos os agentes do ecossistema digital, sem comprometer garantias constitucionais. "A imprevisibilidade e a insegurança jurídica são hoje grandes fontes de ansiedade para o setor", afirma a associação.
Impactos operacionais e necessidade de adaptação
Com a mudança, as agências digitais precisarão revisar seus fluxos de trabalho e reforçar práticas de compliance, o que inclui a reavaliação de contratos com clientes para redistribuição de responsabilidades, a implementação de filtros legais mais rigorosos antes da publicação de conteúdos, o desenvolvimento de protocolos ágeis para responder a notificações extrajudiciais, a capacitação das equipes com foco nas novas exigências legais, a maior integração de consultorias jurídicas especializadas em direito digital ao cotidiano das operações e a documentação detalhada de todo o processo de aprovação e das decisões editoriais.
Histórico de adaptação e responsabilidade compartilhada
Apesar das críticas, a Abradi reconhece a capacidade de resposta rápida do setor digital frente a novas regulamentações. "O mercado já se adaptou com sucesso a legislações como a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e o próprio Marco Civil, quando foi implementado. A experiência mostra que o setor sabe reagir com eficiência", reforça Carlos Paulo Jr.
A entidade também ressalta que o equilíbrio regulatório deve ser construído em conjunto entre empresas, plataformas e o poder público, a fim de preservar um ambiente digital saudável e democrático. "Liberdade de expressão não pode ser confundida com liberdade para agredir. O desafio está em definir e aplicar critérios que assegurem os direitos fundamentais sem abrir espaço para abusos", finaliza o presidente da Abradi.