Correspondentes: o desafio de informar direto do front

Marcos Losekann e Rodrigo Lopes carregam consigo as memórias e os sentimentos experimentados na cobertura de guerras

Marcos Losekann e Rodrigo Lopes - Crédito: Divulgação

Testemunhar tragédias e conflitos ao redor do mundo é, ao mesmo tempo, comovente e amedrontador. Deixar o conforto e a segurança do lar, com o conhecimento de que, em questão de horas, estará de frente com uma realidade de sofrimento e incertezas, exige um nível de preparo físico, mental e até mesmo espiritual, que poucos conseguem atingir. E, ainda assim, nenhum estudo prévio consegue deixar ninguém mais preparado para as situações que acontecem no calor do momento e exigem a tomada de decisões rápidas e certeiras.

Deste assunto, Marcos Losekann e Rodrigo Lopes entendem bem. Com carreiras notáveis como enviados internacionais em regiões de conflito, ambos já passaram por poucas e boas - ou muitas e ruins? - para informar ao público. Estar em outro país, com a missão de reportar as dores que passam diante dos olhos, é confrontar o lado humano, cheio de receios e ansiedades, com o lado profissional, que instiga o jornalista a prosseguir. O profissional da RBS, que esteve recentemente na guerra da Ucrânia, define bem este sentimento: "A adrenalina te joga para frente, a querer chegar mais perto. O medo, ao mesmo tempo, te segura. Mas é importante que ele não te paralise. O desafio, pra mim, é sempre equilibrar".

E como se as dificuldades já não fossem muitas - transporte, alimentação, estadia, comunicação, a garantia da integridade física -, atualmente já não basta ao jornalista apenas seguir em frente, visualizar, internalizar o que acontece, para depois reportar. É papel do profissional informar, enquanto avança. "Jornalista é jornalista em qualquer tempo, qualquer pano, dimensão ou geografia. Tem que traduzir o assunto da forma mais objetiva e situar o público", defendeu Losekann. Opinião que Lopes compartilha em número, gênero e grau: "Meu lema é: 'Explicar! Explicar! Explicar!'. Buscar uma linguagem simples, não tratar temas e termos como dados."

Informação e experiência

Enquanto os correspondentes de guerra rumam para o front, é inevitável que aqueles que ficam para trás se perguntem: como se preparar para uma situação dessas? E, nas palavras de Lopes, a resposta é mais simples do que parece: "Não há preparação." O jornalista leva a experiência como aliada, mas ela também não o protege do medo. "Até hoje, depois da volta, o som das sirenes antiaéreas fica ressoando no meu inconsciente. Às vezes, a gente acorda no meio da noite pensando", relembrou, ainda sobre a ida à Ucrânia. Contudo, ele considera que a possibilidade de entrar e, sobretudo, a de sair de um país em guerra é uma grande sorte, "pior é para a população civil que, muitas vezes, não tem para onde fugir".

Losekann ainda considera que o preparo psicológico é algo que já tem que estar internalizado no dia a dia. "Guerra é guerra, é porrada, cheiro de pólvora no ar, de sangue, de corpos no chão. É um horror", contou. Segundo o jornalista, conflitos começam com um avião voando para o país vizinho e uma incursão por terra, medidas que acontecem rapidamente: "Não dá tempo, a ficha cai sempre depois. Quando você para pra pensar e diz: 'Meu Deus do céu, o que foi aquilo?'". Ele acredita que a única instrução possível de se ter previamente é a informativa, para compreender o que está acontecendo no local.

Pela experiência vivida, o jornalista da Globo ainda ponderou que a cobertura desses conflitos não devem ser romantizadas pelos colegas de profissão. "Eu sempre pensava 'poxa quero cobrir uma guerra', ter carimbado o meu passaporte da vida como correspondente. Hoje, eu trocaria todas as cinco guerras que estive por uma boa matéria sobre um acordo de paz", justificou.

Risco é inevitável

Para quem carrega o peso de ter presenciado algumas guerras, ficam as inúmeras memórias de momentos de emoção e medo. "Cada cobertura é diferente e a atual parece sempre a mais desafiadora", refletiu o repórter do grupo RBS. Enviado ao norte de Israel para cobrir o conflito com o Hezbollah, em 2006, o jornalista ficou cerca de 15 minutos sob bombardeio. "A terra tremia - e meus joelhos também", relembrou. Já na cobertura da crise da Venezuela, em 2019, Lopes ficou duas horas retido pelas forças de Nicolás Maduro: "Enquanto estava lá, com passaporte e equipamentos apreendidos, pensava o que poderiam fazer comigo: tortura, prisão arbitrária, quanto tempo aguentaria?". Foi liberado, mas sob ameaças de que poderia ser preso.

Em 2016, quando o Iraque começava a virar o jogo no conflito com o Estado Islâmico, Lopes também estava lá. Enquanto viajava até a cidade de Ramadi, em um helicóptero militar, estava ciente que, a qualquer momento, poderia se tornar alvo de extremistas. "Em todos os dias em que estive em Bagdá, por exemplo, houve atentados. No maior deles, mais de 90 pessoas morreram", relembrou. Na cobertura mais recente, na Ucrânia, também viveu momentos de tensão enquanto ingressava no país de trem e se viu envolto em escuridão, quando as luzes do vagão se apagaram subitamente. "A Rússia tem atacado locais civis, como hospitais, maternidades, teatros e shoppings. Um trem ou a estação onde milhares de pessoas tentavam fugir poderia, infelizmente, virar um alvo militar", justificou.

Losekann ponderou que os riscos estão associados aos fatos, e não acredita que ser jornalista em uma guerra seja mais arriscado do que estar "em um morro do Rio de Janeiro, no meio de um tiroteio da polícia com os traficantes". O profissional também apontou que há diversos conflitos onde a imprensa é respeitada, quando ambos os lados querem que aquilo seja noticiado. "Você coloca no colete e carro 'press', que é imprensa em inglês, e isso é reconhecido", explicou. Por outro lado, ainda existe a disputa pela informação, como a observada hoje entre Rússia e Ucrânia. "No lado ucraniano há uma liberdade maior, enquanto para os russos existe uma pena de 15 anos para jornalistas que contam os fatos. Há risco no exercício da profissão até onde não está caindo bomba", afirmou.

Contudo, na experiência pessoal vivida pelo repórter da Globo, ainda foram as bombas que trouxeram momentos de tensão. Em 2006, quando cobria a guerra entre Israel e Líbano, quase foi atingido por um foguete Katiucha - que quando explode, espalha milhares de bolas de chumbo a esmo. "Eu só não morri, porque entre mim e o artefato tinha uma plantação de macieiras e as árvores absorveram os estilhaços", contou. Mais tarde, em 2008, enquanto fazia uma reportagem sobre uma lanchonete, em um bairro do Líbano controlado pelo Hezbollah, Losekann e a equipe foram vítimas de um sequestro, que durou quase sete horas. "Foi uma época que mataram muitos jornalistas e eu tinha medo que acontecesse comigo, mas estou aqui, contando a história. É sinal que sobrevivi", divertiu-se com o alívio.

O trabalho como companheiro

Inerente ao trabalho dos correspondentes, a solidão pode ser muito mais cruel em distâncias maiores, onde não há ninguém na volta que fale o mesmo idioma, enquanto precisa reportar sobre uma situação conflituosa. "É a palavra que norteia o correspondente internacional", resumiu Losekann. Sozinho na maioria das coberturas internacionais que fez, o profissional acabou desenvolvendo seus próprios métodos para manter o convívio social. "Falo muito com pessoas na rua e colegas. É importante também estar on-line, falar com a redação. O que faz parecer solitário é tomar uma decisão só, acordar e não dar um bom dia pra alguém", explicou. 

Na mesma linha de pensamento Lopes pontuou assertivamente: "Muitas vezes o fazer jornalístico é o mais fácil". O jornalista ainda aponta que duas das maiores dificuldades em estar sozinho ainda são a logística e a tomada de decisões: "Precisa dirigir, arrumar hotel e conseguir comunicação. Depois, também é necessário entender quando avançar ou recuar". Nessa situação, ele considera que é importante manter a "cabeça fria". "Tentar relaxar, parar um pouco e reorganizar a cobertura é necessário", recomendou. O profissional ainda ressignifica a solidão por meio de outra palavra: "Autonomia". "No final, o passo seguinte sempre é teu", afirmou. E quantos passos já deram esses dois!


Esta matéria faz parte da série especial 'Correspondentes' do Coletiva.net, que será publicada de 28 a 31 de março de 2022. Nas reportagens anteriores, Bruna Ostermann, Flávio Ilha e Hygino Vasconcellos compartilharam os detalhes de levar informações do Rio Grande do Sul para veículos nacionais, enquanto Everson Dornelles, Renato Oliveira e Stephany Sander contaram sobre o trabalho de enviar notícias do interior do Estado para as redações de Porto Alegre. Na próxima matéria, Candice Carvalho e Evelyn Bastos falam sobre a experiência como correspondentes internacionais. Não perca!

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