Enchentes no RS: natural do Caí, Carlos Villela relata maior intensidade das cheias

Jornalista participa da cobertura como subeditor do Jornal do Comércio e freelancer para a Folha de S. Paulo

Nada preparou Carlos Villela para o que viu em Muçum - Crédito: Carlos Villela

Ao longo desta semana, a reportagem de Coletiva.net ouviu diversos profissionais da imprensa envolvidos na cobertura das enchentes que atingiram algumas regiões do Rio Grande do Sul na semana passada. Natural do Vale do Caí, Carlos Villela é subeditor do Jornal do Comércio e também atua na reportagem como freelancer para a Folha de S. Paulo. O jornalista, que lida com o cenário de cheias do rio Caí desde criança, relatou que esses eventos climáticos estão "mais frequentes e maiores".

Ele explicou que enchentes em São Sebastião do Caí são tão comuns que estão "arraigadas no folclore municipial". "Como a cidade foi construída como um porto, toda a origem dela é relacionada à beira do rio, e a enchente é vista como natural, então as pessoas são preparadas psicologicamente", comentou. Porém, o aumento na regularidade desses fenômenos é uma preocupação para Carlos. "As cheias não são mais tão espaçadas como eram. Neste ano já foram duas e corre o risco de ter outra. Se houver um El Niño forte, no ano que vem pode ter mais", explicou. Por isso, o jornalista entende que é fundamental que a cultura da região mude.

Experiência de cidadão

Carlos presenciou a enchente de 2000, tida por ele como a maior da cidade até então, rivalizando apenas com a de 1981, usada como referência pelos mais velhos. Em 2007, 2011 e 2020 o cenário se repetiu de forma dramática e, neste ano, já foram duas cheias de grande porte. Ambas adentraram a casa da mãe do jornalista, que vive na zona rural de Harmonia. "Na casa dela entrou 'apenas' 40 centímetros, menos do que na enchente de junho, mas fez mais estrago, pois o alerta era para uma cheia menor", pontuou.

Costureira, ela perdeu sua máquina pela inundação do atelier, localizado em uma área mais baixa. "Ela está bem, com a casa já limpa e o trabalho seguindo. Também considera não precisar de nenhuma ajuda, pois perder uma máquina de cerca de dois mil reais não se compara à perda de absolutamente tudo", contou. Porém, como filho, Carlos admitiu que o desagrada pensar na mãe, com 60 anos, acordando de madrugada para levantar móveis, pois a enchente veio maior do que o previsto. "Minha avó é vizinha e, felizmente, não entrou água na casa por ser mais alta. Mas o receio existirá sempre a partir de agora. Acho que ninguém deveria ter que passar por esse desgaste físico, psicológico e financeiro, especialmente quando é uma coisa cada vez mais sorrateira e frequente", afirmou.

Olhar de jornalista

A cobertura pela Folha de S. Paulo teve início na quinta-feira passada, 7. Na ocasião, Carlos acompanhou a liberação e a identificação das vítimas de Muçum no Instituto Geral de Perícias (IGP). No domingo, 10, ele se dirigiu a Arroio do Meio, Lajeado, Muçum e Roca Sales para acompanhar a comitiva federal e, ao final da coletiva de imprensa, retornou a Muçum para apurar a reconstrução da cidade junto aos moradores e voluntários.

O jornalista avaliou que trabalhar para um veículo nacional carrega uma cobrança maior, mas, em termos de abordagem, a diferença é pouca. Ao acompanhar a comitiva de Geraldo Alckmin (PSB), ele focou nas medidas apresentadas e em explicar a região para quem é de fora do Rio Grande do Sul. "Em uma cobertura estadual talvez, para mim, fosse mais complexo, pois surgem mais perguntas à medida que se pensa em cada ponto do pacote", ponderou. Contudo, ele considera que muitas pautas ainda podem ser destrinchadas da situação.

No contato direto com as pessoas, Carlos acredita que o jornalista precisa chegar "de olhos abertos e ouvidos atentos, mas só abrir a boca quando for pra conversar". "O Jornalismo se aproxima muito da Arqueologia e da Antropologia nesse aspecto, pois não podemos interferir no lugar e nas histórias", exemplificou. O repórter, no entanto, não consegue pensar em um relato que o tenha marcado mais. "Sempre que eu tento contar as histórias de lá, acho que falo de todas na mesma intensidade, enquanto também me faltam as palavras para descrever", justificou.

O profissional entende que conviver com as enchentes do rio Caí pode ter o ajudado a saber o que perguntar aos moradores, mas nada o preparou para aquilo que viu em Muçum. "Tinha marcas da enchente em lugares que nunca achei que seria possível", relatou. Desde que retornou, Carlos lembra de todos com quem conversou. "Enquanto isso tudo durar vou pensar neles e querer saber deles, e tenho certeza absoluta que qualquer profissional que foi lá com dignidade e peito aberto vai dizer a mesma coisa", finalizou.


Na última semana, o Rio Grande do Sul foi atingido por um ciclone extratropical, que resultou em enchentes em diversas localidades. Desde então, a imprensa gaúcha trabalha para levar ao público informações sobre os acontecimentos, além de mobilizar uma corrente do bem para ajudar as famílias afetadas, especialmente no Vale do Taquari. Nesta série especial, Coletiva.net acompanha o trabalho dos jornalistas que mostram ao Estado e ao Brasil a dimensão desta tragédia.

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