Veículos gaúchos denunciam cerceamento à liberdade de imprensa na COP do Tabaco

Segundo a nota conjunta, profissionais foram impedidos, de forma injustificada, de fazer o credenciamento no evento que acontece em Genebra, na Suíça

18/11/2025 14:00
Veículos gaúchos denunciam cerceamento à liberdade de imprensa na COP do Tabaco /Crédito: Pramote Polyamates Images

Cinco veículos de Comunicação do Rio Grande do Sul assinaram uma nota conjunta denunciando que foram impedidos de realizar o credenciamento na 11ª Conferência das Partes (COP 11) da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT), que acontece entre esta segunda-feira, 17, e o sábado, 22, em Genebra, na Suíça. No comunicado, eles definem o episódio como um caso de cerceamento ao Jornalismo e alegam que não houve justificativa clara para o impedimento.

Assinam o documento: Guilherme Siebenaichler, diretor do Olá Jornal; Letícia Wacholz, coordenadora da redação integrada do Grupo Folha do Mate; Rafael Henrique da Cunha, coordenador do Núcleo de Jornalismo do Grupo Arauto de Comunicação; e Romar Rudolfo Beling, diretor de Conteúdo Multimídia da Gazeta Grupo de Comunicação. Além das assinaturas nominais, a rádio Acústica FM também endossa a nota.

Em conversa com a reportagem de Coletiva.net, Romar explicou que o grupo foi a Genebra para acompanhar autoridades e lideranças do setor produtivo, industrial e empresarial do tabaco, bem como representantes dos governos dos três estados da Região Sul. Estão presentes, por exemplo, o secretário da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi) do Rio Grande do Sul, Edivilson Brum, e o secretário estadual de Desenvolvimento Rural (SDR), Vilson Covatti.

O jornalista, que participa pela quinta vez da COP do Tabaco, relatou que o pedido de credenciamento é feito junto à secretaria executiva da convenção. Contudo, esta é a segunda edição que Romar viaja até o evento sem ter recebido retorno, com a primeira tendo sido em 2024, no Panamá. ?Vim pra cá sabendo que, provavelmente, não teria acesso. Mais uma vez, a imprensa brasileira é sumariamente afastada e ignorada e o governo brasileiro não faz qualquer tipo de sinal em relação à própria imprensa. Se omite. Não há qualquer tipo de defesa?, acrescentou.

?Dois pesos e duas medidas?

Para Romar, o problema também está dentro da delegação brasileira que participa do evento. Ele cita Vera Luiza da Costa e Silva, atual presidente da Comissão Nacional para Implementação da Convenção Quadro do Tabaco (Conic), como alguém que conduz os trabalhos com ?mão de ferro? e que ?toma todas as decisões?. Segundo o diretor da Gazeta, um dos argumentos para o tratamento recebido é de que os profissionais barrados seriam oriundos do setor produtivo e, por isso, receberiam recursos de empresas do tabaco.

O jornalista entende como uma incoerência. ?É óbvio que eu tenho identificação com o setor produtivo. O meu pai foi produtor de tabaco e eu cresci ajudando a colher tabaco. Eu moro em Santa Cruz do Sul e tudo aqui é mobilizado pelo tabaco. Então é evidente que um veículo de Comunicação dessa região vai ser identificado com essa pauta?, esclareceu. Contudo, Romar afirmou que outros profissionais da imprensa identificados com o setor receberam acesso ao evento: ?Não sabemos exatamente quais são os dois pesos e as duas medidas?.

Para ele, não restam dúvidas de que se trata de uma discriminação. ?Só porque somos oriundos de uma região de tabaco, a Conic entende que somos bancados por empresas. Eu trabalho em um grupo de Comunicação que tem 80 anos, não é bancado por uma empresa?, defendeu. É por isso que, na visão de Romar, o argumento é ?insensato? e ?constrangedor?.

Pedido de providências

Isso também é destacado no ofício assinado pelos veículos. ?Trata-se de uma medida arbitrária, seletiva e de caráter discriminatório, que fere frontalmente os princípios da transparência e da igualdade de tratamento que devem reger eventos multilaterais de interesse global?, pontuam. Segundo os denunciantes, o episódio configura um ?ato de censura indireta? por restringir o fluxo de informações e limitar ?a pluralidade de vozes na cobertura de um evento de inegável relevância para o debate público?. ?Não se trata de um problema individual, mas de um ataque grave ao direito coletivo de acesso à informação, que enfraquece a democracia e compromete a credibilidade das instituições envolvidas?, defendem.

Diante das circunstâncias, a nota ainda apresenta três solicitações. ?Intercedam de imediato junto aos organizadores da COP11 para restabelecer o acesso dos veículos brasileiros impedidos; Acompanhem formalmente o caso, verificando possíveis violações às normas internacionais de liberdade de imprensa; Tomem as medidas necessárias para garantir que situações como esta não se repitam em eventos multilaterais futuros?, elencam.

Laura Santos Rocha, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors), também conversou com a reportagem do portal. A dirigente informou que está em diálogo com a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) a respeito do tema.

Confira a nota na íntegra:

Nota de Solicitação de Providências ? Cerceamento à Liberdade de Imprensa na COP11

Às instituições brasileiras de defesa e regulação da atividade jornalística, 

Nós, profissionais de imprensa devidamente credenciados e representando veículos comprometidos com a informação de interesse público, viemos por meio desta registrar grave episódio de cerceamento ao livre exercício do jornalismo ocorrido durante o processo de credenciamento para cobertura da 11ª Conferência das Partes (COP11) da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, realizada em Genebra, na Suíça.

Apesar de termos apresentado toda a documentação exigida, cumprido rigorosamente os prazos e seguido os procedimentos oficiais, o credenciamento de cinco veículos de imprensa foi negado sem justificativa clara, enquanto diversos outros profissionais e organizações tiveram acesso liberado. Trata-se de uma medida arbitrária, seletiva e de caráter discriminatório, que fere frontalmente os princípios da transparência e da igualdade de tratamento que devem reger eventos multilaterais de interesse global.

O impedimento injustificado de nossa atuação compromete não apenas o trabalho jornalístico, mas viola o direito constitucional à liberdade de imprensa, previsto no Artigo 5º e no Artigo 220 da Constituição Federal. O evento também recebe recursos do Governo do Brasileiro em cifras que se aproximam de R$ 1,5 milhão, dinheiro proveniente do contribuinte brasileiro. A mesma Constituição também defende a transparência nos atos públicos, contudo, tal regra também não está sendo cumprida. É inadmissível que profissionais brasileiros sejam barrados de cumprir sua função essencial de informar a sociedade, especialmente em um fórum internacional que trata de políticas públicas sensíveis, de forte impacto social, econômico e sanitário.

Este episódio configura, na prática, um ato de censura indireta, que restringe o fluxo de informações e limita a pluralidade de vozes na cobertura de um evento de inegável relevância para o debate público. Não se trata de um problema individual, mas de um ataque grave ao direito coletivo de acesso à informação, que enfraquece a democracia e compromete a credibilidade das instituições envolvidas.

Estamos em Genebra, onde diversas organizações que tratam da democracia, da soberania e principalmente da liberdade estão sediadas.

Diante disso, solicitamos que os órgãos competentes:

  1. Intercedam de imediato junto aos organizadores da COP11 para restabelecer o acesso dos veículos brasileiros impedidos;
  2. Acompanhem formalmente o caso, verificando possíveis violações às normas internacionais de liberdade de imprensa;
  3. Tomem as medidas necessárias para garantir que situações como esta não se repitam em eventos multilaterais futuros.

No Brasil, a gerência sobre o trabalho de instituições brasileiras é chefiada pela Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro sobre Controle do Uso do Tabaco e de seus Protocolos (Conicq), órgão ligado ao Ministério da Saúde. 

A liberdade de imprensa não é concessão é um direito fundamental e uma condição indispensável para a democracia. Não aceitaremos que decisões discricionárias limitem o exercício legítimo da atividade jornalística brasileira em espaços internacionais. 

Colocamo-nos à disposição para prestar informações adicionais e reiteramos nossa confiança de que as instituições brasileiras atuarão com a firmeza que o caso exige. 

Atenciosamente, 

Rafael Henrique da Cunha ? Coordenador do Núcleo de Jornalismo do Grupo Arauto de Comunicação 

Guilherme Siebenaichler ? Diretor do Olá Jornal 

Romar Rudolfo Beling ? Gazeta Grupo de Comunicações 

Letícia Wacholz ? jornalista e coordenadora da redação integrada do Grupo Folha do Mate 

Rádio Acústica FM 

Genebra, Suíça ? 17 de novembro de 2025