Assis Hoffmann: Autodidata à moda antiga

Ele foi um dos precursores da fotografia gaúcha e construiu seu nome com mérito e esforço próprios

O nome de Assis Hoffmann está inteiramente ligado à história da fotografia gaúcha e foi construído com mérito e esforço próprios. Quem vê este senhor de pele morena e cabelos grisalhos, que mistura traços crioulos e indígenas, logo percebe que a aparência não fecha com o sobrenome alemão. Prestes a completar 68 anos, o fotógrafo autodidata foi um dos precursores do fotojornalismo no Rio Grande do Sul e, graças ao seu trabalho, viajou por quase todo o Brasil e por alguns cantos longínquos do mundo, cobrindo guerras e eventos esportivos.

Já no segundo ano de carreira, em 1963, o "formador de fotógrafos" conquistou o primeiro dos seus dois prêmios ARI, com uma sequência de fotos intitulada "O amigo do homem": um cachorro não deixava ninguém se aproximar do corpo do dono, um carroceiro que havia sido atropelado após um dia de trabalho.

O berço da sensibilidade

Assis Valdir Hoffmann nasceu na cidade gaúcha de Santiago em 30 de setembro de 1941. Após a separação de seus pais, que ocorreu quando tinha apenas dois anos, passou a ser educado pela avó materna. A mãe, enfermeira, fez as malas e partiu rumo à Capital em busca de um futuro melhor. Com 15 anos, o filho mudou-se para Porto Alegre com o mesmo objetivo. Sobre o pai, com quem conviveu por pouco tempo, diz saber somente um pouco da sua história: um cara inteligente, sargento do Exército, filiado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). "Eu sempre entendi o seguinte: se tu casas e não deu certo, simplesmente não deu certo. Agora, com os filhos tu tens obrigações. Por isso, eu não o perdoo: ele nos abandonou."

Assis descobriu a fotografia através do irmão Edilton, que era colunista social do jornal Última Hora e possuía uma pequena máquina fotográfica, mas a sensibilidade que lhe é característica - e essencial para esta atividade - acredita ter desenvolvido por causa da influência da avó materna: "Uma pessoa muito boa, que me deu muito carinho e que sempre foi um exemplo para mim. Se ela não me encaminhou para o lado da cultura, me encaminhou para o lado humano". Devido às origens humildes, teve que começar a trabalhar muito cedo e os estudos ficaram em segundo plano. Não chegou a completar a 8ª série (antigo ginásio), afirma ter tido sempre certa "emoção pela arte", mas avalia que, se tivesse tido orientação, poderia ter ido ainda mais longe. "Com o pouco conhecimento que tive, fui longe. Entendo até que fui demais para quem não teve informação, um autodidata que buscou seu espaço sozinho."

Um iniciante atrevido

E foi no Última Hora que, muito jovem e sem experiência, iniciou sua carreira, na sucursal de Caxias do Sul. Mesmo sem experiência, aceitou a oferta. Uma das principais dificuldades desse período era a aflição em que permanecia por não revelar as próprias fotos. "Eu batia e mandava para Porto Alegre e ficava na expectativa de ter saído bem ou não. Depois, eu recebia os bilhetes do chefe de fotografia dando a maior bronca, mas sempre dizendo: "continua, continua"", relata.

Além de bons colegas, como Jairo Brandeburski, que fez uma tabela com medições de velocidades e diafragma, Assis acredita ter tido sorte nos primeiros passos arriscados na área. Em oito meses que permaneceu na cidade, acompanhou um comício de Luiz Carlos Prestes (líder do Partido Comunista Brasileiro por mais de 50 anos) que teve "tiros e confusão".  As imagens registradas na ocasião ganharam repercussão nacional e, devido a este trabalho, foi chamado para atuar em Porto Alegre. "Fiz um bom trabalho", afirma ele, despido de falsa modéstia.

Três anos depois, em 1964, tornou-se editor de fotografia do jornal, que passou a se chamar Zero Hora. No auge de seus 23 anos, com firmeza e audácia, assumiu a responsabilidade de chefiar colegas mais velhos e mais experientes. O fato, segundo ele, gerou discórdia, pois muitos não admitiam ser comandados por um guri. "Mas quem vai para a guerra tem que se sujar", disse. Como acreditava que não conseguiria construir a equipe que queria com os profissionais que ali estavam, mandou 18 para a rua de uma só vez. "Fotografia eu ensino, mas caráter o cara tem que ter e isso ele traz de casa." Esta mesma filosofia foi transmitida para muitos dos principais fotógrafos gaúchos que passaram por Assis, entre eles, Leonid Streliaev e Luiz Carlos Felizardo.

Assis também teve forte atuação no Sindicato dos Jornalistas, onde lembra ter criado a tabela de preços para fotos. No final da década de 60, foi para a Caldas Júnior e tornou-se editor de fotografia dos jornais Folha da Manhã, Folha da Tarde e Correio do Povo. Pela empresa, foi designado a cobrir eventos como Fórmula I, em 1974, em Mônaco, Copa do Mundo de 1974, na Alemanha, e as guerras dos Seis Dias, em 1967, e do Yom Kipur, em 1973, no Oriente Médio, onde, juntamente com Flávio Alcaraz Gomes, permaneceu por  40 dias. Uma das coisas que mais lhe impressionou quando esteve na linha de fogo foi o fato de o exército israelense deixar para trás cadáveres de inimigos para que pudessem fotografá-los.

A busca pelo próprio espaço

"Eu sempre tive essa condição de chefia e de formação de fotógrafos dentro das equipes, e, por isso, comprava muitas brigas, tanto com a empresa como com os fotógrafos." Devido a essa posição, que hoje considera "meio radical", decidiu criar seu próprio espaço: nascia a empresa Focontexto. Como não havia muitas sucursais de veículos no Estado, a agência de fotojornalismo, que durou seis anos e contou com uma equipe de cerca de 10 profissionais, fazia coberturas e vendia o material ? foto e texto no início e, depois, apenas foto.

Assis sempre manteve mais de um emprego, conciliando diversas atividades de forma paralela nos jornais, no sindicato e na agência de fotojornalismo. Antes do fechamento da Focontexto, na década de 70, adquiriu por um bom preço uma área de sete mil metros quadrados na Praia do Rosa, em Santa Catarina, um espaço pouco valorizado na época. Ali, construiu uma pousada, que até hoje garante sua renda mensal. Durante certo período, passou a se dedicar apenas ao empreendimento e a algumas exposições.

Engajado nas lutas em prol de uma sociedade mais justa e igualitária, suas mostras tinham como tema a miséria, guerras, violência no Brasil, problemas indígenas e questões agrárias. "O fotógrafo representa o meio em que ele vive. Ele tem que fazer da fotografia uma denúncia, uma informação visual. As exposições eram uma forma de mostrar meu trabalho, de discutir e conscientizar. Eu entendo que o fotógrafo é um documentador social."

Saudosista convicto

Assis, que foi casado durante 30 anos, tem dois filhos gêmeos de 42 anos: Leonardo, que é representante comercial da Revista Caras e mora em Porto Alegre, e Andréia, que trabalha na pousada da família no litoral catarinense. O fotógrafo, que afirma não ser adepto da bebida e do cigarro, credita as seis pontes de safena que carrega no peito ao estresse e à emoção inerentes à própria profissão.

Modesto, conta que a aposentadoria não rende muito, mas, com a pousada, consegue juntar "uma graninha". "Como moro sozinho e tenho casa, não tenho muito consumo", explica. Com exceção da temporada de verão, que passa em Santa Catarina, quando está em Porto Alegre costuma acordar cedo para caminhar, ler jornais, visitar amigos e se reunir com o pessoal das antigas em um café no centro da Capital.

Mora sozinho, na zona Sul da Capital. Na casa em que vive, mantém um banco de imagens com mais de 80 mil slides e pretende começar a trabalhar na organização do arquivo. Aposentado, não fotografa mais: Assis, considerado um dos maiores repórteres fotográficos gaúchos, não enxerga mais a profissão com o mesmo brilho de antes. "A fotografia mudou muito em função do digital. Hoje todo mundo é fotógrafo. Você tem um telefone e está com uma máquina fotográfica. Não é mais aquela foto que você tem que revelar o filme e controlar a luz. O Photoshop resolve tudo."

O fotógrafo pode até não ter acompanhado as mudanças tecnológicas que ocorreram ao longo dos anos. Até agora.  Um dos próximos objetivos de Assis, além de colocar em ordem o acervo fotográfico, é comprar uma câmera digital e reaprender a fotografar. "Em função do que eu fiz pela fotografia do Rio Grande do Sul, eu tenho que continuar", acredita, com sinceridade.

Comentários