Carol Bensimon: Uma "arqueóloga de histórias"

Escritora porto-alegrense, que atualmente mora na Califórnia (EUA), começou sua carreira na Publicidade

Carol Bensimon é escritora e mora na Califórnia, Estados Unidos

* Por Cleidi Pereira, correspondente de Coletiva.net em Lisboa, Portugal. A jornalista assina conteúdos para Perfil de profissionais gaúchos da Comunicação que estão espalhados pelo mundo.

Se Carolina Bensimon Cabral fosse a personagem principal de um livro, o enredo certamente seria marcado por inúmeras reviravoltas. Desfechos, mudanças de rota inimagináveis, inclusive para a própria escritora porto-alegrense, nascida em 22 de agosto de 1982. A menina que desejou ser detetive, mas que foi parar na Publicidade por conta de um sorteio, sempre foi fascinada por histórias. Algumas de suas primeiras narrativas foram criadas nos anos 1990, no computador, com o auxílio de um programa de edição de textos com recursos para crianças. Porém, foi somente após a publicação do seu primeiro livro de contos, 'Pó de parede' (Não Editora), em 2008, que ela se convenceu que era possível, sim, viver de literatura. Um caminho árduo, mas não impossível.

Quatro anos e um romance depois ('Sinuca Embaixo d'Água', publicado em 2009 pela Companhia das Letras), o nome de Carol já figurava entre os finalistas do Prêmio Jabuti e na lista dos 'Melhores Jovens Escritores Brasileiros', da revista britânica Granta. Em seguida, publicou mais dois romances, ambos também pela Companhia das Letras: 'Todos Nós Adorávamos Caubóis' (2013) e 'O Clube dos Jardineiros de Fumaça' (2017), vencedor do Jabuti de Melhor Romance. Formada em Publicidade e Propaganda pela Ufrgs e mestre em Escrita Criativa pela PUCRS, ela chegou a cursar um doutorado em Literatura Comparada, na Université Sorbonne Nouvelle, em Paris. Desistiu da tese para mergulhar na ficção e na carreira de escritora.

Mas? retornando às guinadas (re)definidoras de rumo. Talvez o primeiro Plot Twist (termo usado para mostrar mudança radical na direção esperada ou prevista de uma narrativa) tenha acontecido muito antes de Carol nascer, e envolveu 12 membros da família Sevi Bensimon - incluindo a mãe da escritora, Daniele, na época com apenas 4 anos. O cenário era um dos portos mais antigos do mundo, o de Alexandria, e o ano, 1957.

Judeus sefarditas, eles foram expulsos do Egito e partiram, em um navio, em direção ao Brasil. "Foi uma coisa completamente aventuresca. Eles não tinham muitas referências do que iam encontrar, mas também não tinham muita escolha", conta ela, que ainda pretende regressar à terra dos seus antepassados para "solucionar a questão" - expressão reveladora de que, talvez, Carol não tenha abandonado aquele sonho infantil de ser detetive. O mergulho em pesquisas, que antecede a etapa da escrita de seus livros, muitas vezes em universos completamente desconhecidos, também evidencia que, de certa forma, o gosto pela investigação foi incorporado ao ofício.

Infância viajante e bibliófila

Filha única dos médicos Henrique e Daniele, Carol cresceu entre os bairros Moinhos de Vento, onde morava, e Teresópolis, onde estudava. Muitos leitores, inclusive, pensam que ela é da Zona Sul de Porto Alegre, já que a região serve de cenário para o primeiro romance - embora a cidade não esteja nomeada, é reconhecida na narrativa. Nos arredores do Colégio João XXIII, experimentou uma certa liberdade de rua, porém, entre as grades dos condomínios de colegas de turma.

Da infância, Carol também carrega muitas memórias de viagens com os pais - e uma delas com os avós - pela Europa. Foi no Velho Continente que a escritora teve o primeiro contato com ruínas e construções muito antigas, um tema que viria a ser recorrente em sua obra. Por alguns anos consecutivos, no início da década de 1990, a família percorreu o interior da França, Inglaterra e Itália.  "Como criança, ficava fascinada de ver castelos medievais em minha frente, ficar nos hotéis, explorá-los, criar histórias na minha cabeça. Então, já tinha alguma coisa de fazer ficção sempre muito presente", relembra.

Os livros foram outra constante nos primeiros anos - esse período da vida humana que Charles Baudelaire descreveu como a nossa verdadeira pátria. Dos guias de viagem infantis, comprados por seus pais, às leituras incentivadas na escola, como 'A Revolução dos Bichos' e o 'Apanhador no Campo de Centeio'. Carol conta que um dos eventos mais esperados do ano era a Feira do Livro de Porto Alegre, porque era uma oportunidade de ampliar sua biblioteca particular. As viagens das férias de julho, ao Rio de Janeiro, na casa dos avós, também eram marcadas por passeios bibliófilos, como à Malasartes, a primeira livraria infantojuvenil brasileira, fundada em 1979.

Entre as obras inesquecíveis da infância, 'O Último Mamífero do Martinelli', de Marcos Rey, está no topo da lista. O livro narra a história de um perseguido político da ditadura, que se refugia em um edifício fechado para reformas. "Ele ficava imaginando a vida naquele prédio quando ainda estava ocupado. Até hoje, tenho muita atração por lugares abandonados e essa coisa de artefatos, objetos deixados para trás e as memórias que evocam. Basicamente, é a minha literatura", diz.

Um dia de sorte

Aleatoriedade ou, quem sabe, desígnio divino? Ateia, apesar das raízes judaica e católica, Carol prefere a primeira opção. Foi por um mero acaso que ela acabou parando na Publicidade. No último ano do colégio, durante a feira de profissões, um grupo de publicitários sorteou um estágio na agência Martins e Andrade. Carol estava no seu dia de sorte. Durante uma semana, conheceu todas as áreas da agência. "Achei aquilo superlegal, era o primeiro contato que eu tinha com qualquer profissão mais intimamente. Obviamente, achei que tinha todo um lado lúdico que me interessava", conta ela, que, entretanto, chegou a cogitar Jornalismo no momento de se inscrever para o vestibular.  

Na faculdade, teve sua primeira experiência profissional na gráfica da Ufrgs. Naquela altura, a escritora desejava ser diretora de Arte. Contudo, ao bater na porta de uma agência com o portfólio da graduação embaixo do braço, foi contratada como redatora, pois as chamadas que constavam nos materiais roubaram a cena. A partir de então, os estágios passaram a ser sempre em redação, um caminho natural e que também a levou para a tradicional Oficina de Criação Literária do escritor Luiz Antonio de Assis Brasil. Quando a PUC lançou o mestrado em Escrita Criativa, coordenado pelo autor de 'Videiras de Cristal', 'Concerto Campestre', 'Cães da Província', entre outros, Carol se lançou atrás do sonho: inscreveu-se no curso, conseguiu uma bolsa de estudos e pediu demissão da agência Matriz, onde havia sido efetivada como redatora.

Rumos e amores

Em 'Todos Nós Adorávamos Caubóis', seu romance de estreia, Carol narra a história das amigas Cora e Julia, que se reencontram e decidem fazer uma viagem de carro pelo interior do Rio Grande do Sul. Ao abordar a temática LGBT em sua road novel, a escritora oferece ao público uma representação que ela não encontrou na adolescência, quando percebeu que meninas lhe atraíam mais do que meninos.  No entanto, diz nunca ter se sentido muito militante. "Queria contar aquela história que tinha muito a ver com as experiências que eu tive", diz. Carol sempre se considerou bissexual, apesar de, ao longo da vida, ter se relacionado mais com mulheres.

É casada com a tradutora Melissa Fornari, a quem conheceu através do seu ex-marido, Diego Grando. A amizade entre os três, aliás, se manteve, assim como as parcerias literárias. Juntas desde 2016, Carol e Melissa vivem, atualmente, no condado de Mendocino, na Califórnia, Estados Unidos. Formada em Letras, Melissa costuma ser a primeira pessoa a ler os capítulos escritos por Carol, muitas vezes sugerindo alterações. Cozinhar, acampar e caminhar são algumas das atividades em que a sinergia da dupla se renova.  

A decisão de se mudar para a cidade de cerca de mil habitantes, que, segundo Carol, tem um perfil mais progressista, veio após uma temporada de imersão no local para o livro 'O Clube dos Jardineiros de Fumaça', que tem como pano de fundo a legalização do uso recreativo e medicinal da maconha na Califórnia. No retorno ao Brasil, as duas casaram no civil e organizaram um dossiê sobre a obra de Carol, o que permitiu o visto de residência no país norte-americano por "habilidades extraordinárias".

A vida em meio à natureza selvagem tem sido uma experiência diferente de tudo o que já tinha vivido. A maior cidade, com sete mil habitantes, fica a 15 minutos de distância. No condado, não há tele-entrega e as opções de restaurante são bem limitadas, porém, em compensação, há uma "livraria maravilhosa" e um cenário majestoso para caminhadas que, na pandemia, ajudaram a manter a sanidade mental. "Nunca imaginei que iria gostar, que teria essa vida? Agora, sinto algo meio hippie de ter alguma coisa transcendental com a natureza," revela.

Para tempos incertos, planos modestos. Ou não. Os próximos anos serão uma espécie de volta às origens para a escritora, que atualmente trabalha na ficcionalização de uma história da crônica policial porto-alegrense. Publicar o livro, continuar morando em Mendocino são alguns dos projetos para os próximos cinco anos. "Sinto ter encontrado meu lugar, mas não significa que vou morar para sempre aqui. Quando estava em Paris, jamais imaginei morar numa cabana no meio do mato, então não sei o que futuro vai reservar." O exílio-aventura da família Bensimon, nos anos 1950, colaborou para que Carol tivesse uma identidade geográfica mais aberta. "Sempre me senti muito cidadã do mundo." 

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