Clô Barcellos: O resumo da ópera

Ela flutua no mundo da editoração gráfica e é respeitada profissionalmente pelos trabalhos que realiza como designer e editora. E se orgulha do que fez também nas artes plásticas.

Clô Barcellos, 46 anos, é jornalista, artista plástica e designer e reúne todas as suas habilidades em um único trabalho: o design editorial. À frente da Libretos, editora fundada por ela em 1997, está em sua melhor fase. Conquistou a independência profissional e consegue conciliar harmoniosamente o relacionamento amoroso, a família e o trabalho. As frustrações ela deixa apenas para Fu Lana, personagem para o qual dá vida semanalmente como colunista da Coletiva.net.


Natural de um distrito de Santa Rosa, ela pouco se lembra da infância no interior. "Nasci na terra da Xuxa, mas vim para Porto Alegre aos quatro anos", faz graça. A mudança para a Capital foi motivada pelos bons negócios do pai, Paulo de Tarso, que trabalhava com soja. A monocultura rendia bons lucros no final dos anos 60, marcada pelo milagre econômico e pelos governos militares. Embora morasse em um apartamento pequeno, sua convivência com os cinco irmãos (César, Djalmo, Meri, Raquel e Paulo) acabou sendo diluída pela rotina urbana. "Meu pai reproduzia os valores autoritários do governo e saímos do seio familiar para não sufocar. Cada um de nós acabou tomando um rumo e Porto Alegre nos ofereceu muitas opções", lembra.


Caminhando contra o vento


A saída encontrada por Clô foi a universidade. Ingressou na PUC em 1978, no curso de Jornalismo, embora também estivesse balançada pela Arquitetura e pelas Artes Plásticas. Lá, encontrou um ambiente acadêmico agitado e logo se engajou ao movimento estudantil. Participava das reuniões do Diretório Central de Estudantes e se tornou responsável pela produção de materiais gráficos. "Eu fazia cartazes para todas as tendências, menos para a direita", ressalta. Nesse momento, ela encontrava a primeira oportunidade de empregar seus talentos artísticos, embora ainda não tivesse um grande entendimento político. "Eu captava a essência das discussões e criava os materiais impressos", relata mostrando sensibilidade aguçada.


Já no primeiro semestre da graduação, conseguiu uma vaga no Diário de Notícias. Seu primeiro texto publicado tinha características peculiares para os padrões da imprensa. Escrito em primeira pessoa e com apelo emocional, narrava um episódio relativo ao movimento estudantil ocorrido no Colégio Júlio de Castilhos. Mas a glória de publicar um texto assinado foi única. Nos dias que se seguiram, ela executou pautas factuais que resultaram em frustração e um pedido de demissão 15 dias depois. "Me mandaram cobrir a vida das vacas em Esteio", diverte-se, evidenciando o desinteresse pelos veículos diários.


Com o tempo, a faculdade de Jornalismo se tornou insuficiente para Clô, que queria se expressar de outras maneiras. Por isso, em 1980, começou o curso de Artes Plásticas na Ufrgs. "Aí eu me encontrei!", conta, se referindo ao ambiente das artes como um atenuante das exigências do mercado e um espaço de intensa criatividade. A permanência na Ufrgs ela prolongou por muito tempo, considerando esta graduação como complementar. "Me formei em Jornalismo em 1982 e em Artes Plásticas sabe lá Deus quando", brinca. "Mas eu consto no Dicionário de Artes Plásticas do Rio Grande do Sul, sou um verbete!", complementa.


Seu primeiro emprego foi na Editora Intermédio, onde trabalhou com Políbio Braga. Permaneceu seis anos na empresa, passando pelas funções de revisora, redatora e chefe de redação, quando se tornou responsável por publicações como revistas, jornais de empresas e anuários. Nesse momento, ela descobriu o mundo da editoração gráfica, com o qual se identificou imediatamente. "Eu ficava horas lapidando cada impresso", fala. Saindo da Intermédio, atuou por dois anos na produção do jornal João de Barro, pertencente à Associação Profissional dos Funcionários da Caixa Federal. "Era um jornal que tinha um grafismo muito interessante", lembra com entusiasmo.


Durante o ano de 1989, integrou o departamento de marketing da RBS TV. "Lá eu fazia de tudo um pouco", conta, explicando que, na época, o departamento tinha uma estrutura muito diferente da que possui hoje. Responsável pela confecção de cenários para programas e comerciais e a criação de materiais de divulgação, ela mantinha o preciosismo do trabalho feito à mão, longe dos recursos digitais - com os quais não cultiva amizade mesmo na atualidade. Embora dedicada às tarefas, aquela ainda não era a condição profissional que ela buscava. Foi quando uma revista da Editora Plural criada para a RBS TV chegou a suas mãos e revolucionou sua visão sobre a editoração gráfica. "Pensei: preciso aprender a fazer isso", confessa.


Em 1990, Clô levou seu portfólio até a Plural, conseguiu ser contratada e conheceu Valpírio Monteiro, a quem considera o mestre do design. "Pude observar como ele trabalhava e era fantástico. Ele não fazia nada no computador, colava as coisas na parede. Era meu ídolo", fala com postura de tiete. Sua função era transmitir o conceito dos projetos gráficos das publicações da Plural, criados por Valpírio, para os diagramadores. "Às vezes, o diagramador agia como gafanhoto, destruía tudo", justifica. Para ela, as universidades não capacitam os futuros jornalistas para a diagramação porque não ensinam elementos de arte e composição.


Uma empresa familiar


Quando Valpírio se ausentou da empresa, ela o substituiu. Ao todo, foram sete anos de atuação e aprendizado na Plural. Daí em diante apostou na consolidação de seu próprio negócio, a Editora Libretos, em 1997, assim batizada em alusão aos textos distribuídos em espetáculos de ópera. "Libreto é o resumo da ópera", define. Ela garante ter criado um forte laço de amizade com os antigos colegas, tanto que, em seus dois primeiros anos de trabalho autônomo, prestou serviços quase que exclusivamente à Plural.


Há quase dez anos em funcionamento, a Libretos Design Editorial vem conquistando excelente repercussão com suas publicações e aumentando cada vez mais a lista de clientes. Entre eles estão a Vivo, a RBS, o Margs e o Greenpeace, para os quais desenvolve materiais gráficos diferenciados dos produtos publicitários. Contudo, o carro-chefe da empresa são os livros.


O surgimento da Libretos coincidiu com o casamento de Clô com o jornalista Rafael Guimaraens, 49 anos. "Uma coisa estimula a outra", ela explica. Rafael é escritor e sua presença foi fundamental para que ela entrasse no universo dos livros. Quatro obras dele já foram lançadas pela editora: O Livrão e o Jornalzinho (infantil), Tragédia da Rua da Praia, Porto Alegre - Agôsto 61 e Trem de Volta - Teatro de Equipe. Juntos, ela como designer editorial e ele como autor, administram a Libretos e experimentam um reconhecimento profissional que não é efêmero, como em muitas áreas. "A arte e a literatura perduram no tempo", resume.


Cada publicação lançada pela Libretos ganha uma roupagem especial. Clô dedica-se a capturar a essência das temáticas dos livros. As cores, os traços, a distribuição dos elementos, nenhum detalhe lhe escapa. Para ela, o importante é ser otimista e acreditar nos trabalhos que faz. "Não interessa que seja uma publicação pequena, a encaro como se fosse o livro mais importante do mundo", explica. Seu capricho aliado a sua criatividade no desenvolvimento de projetos gráficos resultou, por exemplo, em um publieditorial para a Vivo, em 2004. Trata-se de um encarte anexado a vários periódicos com um layout de jornal. A peça confundia-se com as demais páginas e inovou o campo de anúncios.


Todo o trabalho é desenvolvido na residência do casal. Um atelier-escritório decorado com quadros pintados por ela cria a atmosfera perfeita, além de facilitar a rotina familiar. Dessa forma, ela concilia com sucesso a profissão e a vida pessoal. "É uma forma contemporânea de trabalhar", assinala.Casada pela terceira vez e mãe de duas filhas, Lenora, 22, e Paula, 14, ela acredita ter construído um modelo de família diferente do que vivenciou na infância. Procura dosar na medida certa conservadorismo e liberdade, sempre priorizando o afeto e não o controle. "Conservei o que tinha de bom e modifiquei o que achei ruim na minha educação", conta.


Gosta de jogar tênis - quase sempre fazendo uma dupla parelha com o marido -, tomar vinho, ir ao cinema, e lê muito. Odeia viajar e entra em pânico só de pensar em encarar estradas ou aviões. Contudo, entre seus gostos, destaca-se de maneira incomparável o interesse pela arte. "Me larga numa galeria que eu não preciso de mais nada", ironiza. Seu grande sonho é promover uma exposição com os projetos gráficos de livros que desenvolveu. "Expor as capas dos livros como arte", defende. Outro plano é ingressar em um mestrado na área das Artes Plásticas para, quem sabe, legitimar o caráter artístico do design no meio acadêmico.

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