Fernando Puhlmann: Ele é visceral

Pedir pouco, mas agradecer sempre. Este é o lema de vida do sócio-diretor da Cuentos y Circo

Fernando Puhlmann

Menos de cinco minutos de conversa e o sotaque ainda carregado entrega: Fernando Puhlmann não é da capital gaúcha. Nascido e criado em Alegrete, a altura de 1,95m não é a única característica que chama atenção quando adentra algum ambiente. Ele fala alto, gesticula bastante e não tem nenhuma dificuldade para se comunicar. Em uma cafeteria do bairro Floresta, a música ambiente o preocupa com a gravação da entrevista. "Queres que eu peça para desligar o som?", pergunta, explicando que quem trabalha com audiovisual carrega certos vícios.

Sócio-diretor da Cuentos y Circo, Fernando é pura intensidade, sendo essa a principal característica, pois se entrega a tudo e a todos com a veracidade de quem ama o que faz e só faz o que ama. "Tu nunca vais ver eu me dedicando a algo que não queira ou não acredite. Sei até que perdi bastante dinheiro por conta disso, mas prefiro passar três dias comendo Miojo, do que um dia inteiro fazendo algo que não gosto", garante ele, que em nada se parece com as características do sangue alemão, carregado pelo sobrenome.

Ao contrário, poderia facilmente ser considerado um italiano, inclusive quando o assunto é comida, pois aprecia a gastronomia toscana. Prato preferido ele não tem, mas comandar o fogão é algo que o conquista, apenas com uma espécie de "condição": "Gosto de cozinhar, mas, como se diz na fronteira, tem que ser 'boia de panela', ou seja, arroz com galinha, lasanha, carreteiro", conta ele, que também adora assar churrasco e admite seu ponto fraco por doces.

Boemia como profissão

As festas noturnas chegaram na vida dele ainda na adolescência e no Interior. Aliás, foi organizando esses eventos que se manteve até os 21 anos. Chegou a trabalhar com venda de consórcios e também em agência de turismo, mas confessa que nunca foi feliz nessas áreas. Voltou para a boemia quando resolveu abrir um bar na cidade natal, mas "quebrou grande", como ele mesmo classifica o fracasso do estabelecimento. E foi aí que veio a decisão de se mudar. "Cheguei em Porto Alegre em junho de 2003, com 30 anos e 100 reais na carteira."

O filho do economista Carlos Roberto e da professora de História Ana Maria é o primogênito - completam a prole Marcos, agrônomo; Tiago, que atua com logística; e Marcelo, administrador, que também trabalha com agronegócio. Morando com alguns amigos, Fernando foi tomar uma cerveja despretensiosa com um dos irmãos na Cidade Baixa. Comunicador nato, logo puxou assunto com o dono do estabelecimento e, dando dicas de como movimentar algumas noites (afinal, já tinha trabalhado com isso), descolou a oportunidade de comandar o agito de um dia da semana lá. Devagar, a boemia como profissão voltava à sua vida. Chamou dois amigos músicos e o trio ganhava com bilheteria. Cobravam R$ 3 (isso mesmo, três reais!), e cada um ficava com R$ 1.

Certo dia, um cliente sugeriu fazer sua festa de formandos no bar, deixando que o coordenador cobrasse um ingresso mais alto (a "fortuna" de R$ 8). Na semana seguinte, chegou para trabalhar e tinha uma fila imensa na frente. "Pensei: descobri a América! Vou ficar rico", lembra, aos risos. Com isso, acordava todos os dias de manhã, comprava o jornal e ia para as cafeterias da Ufrgs. Ficava observando os estudantes, na tentativa de descobrir quem estava prestes a colar grau. O objetivo era acessar a comissão de formatura e oferecer aquele formato de festa.

Da Cidade Baixa aos grandes festivais

Vivendo disso, conheceu Ana Lúcia Braum Luz, alguém muito importante na trajetória, mas que viria a falecer precocemente. Foi ela quem o apresentou para duas outras figuras essenciais na carreira dele, Paulo Satt e Eugênio Corrêa. Com a dupla de chefes, trabalhou no Acqua Pub e na Liquid Eventos, coordenando a parte de Marketing. Em 2004, chegou a oportunidade a qual o sócio-diretor da Cuentos y Circo é extremamente grato: integrar a equipe do Planeta Atlântida. Não demorou para crescer lá e trabalhar ao lado de Dudu Durgante, que era o responsável pela infraestrutura do festival.

Na Liquid, ainda produziu grandes eventos como, por exemplo, Coca Cola Vibe Zone, Cidade Elétrica e Universo Alegria. "Praticamente tudo que teve de grande no entretenimento daquela época passou por mim", orgulha-se. Depois disso, decidiu mudar o rumo e abrir a própria casa noturna. Chegou a Farm's, que marcou uma geração em Porto Alegre - e, como era de se esperar de alguém inquieto, ainda teve participação em outras casas noturnas da Capital. "Essa época foi financeiramente importante para mim", resume.

Mas a vida boêmia, ainda que exercida de forma profissional, cansa. Como a esposa, a jornalista Giovanna Alvarenga, já havia montado a Cuentos y Circo e ele ajudava de forma esporádica, achou que era o momento de tornar a empresa familiar e se dedicar exclusivamente à agência de conteúdo audiovisual. Hoje, seu foco é produzir para YouTube. A relação com a plataforma começou em 2011 e, desde então, buscam entender como as marcas precisam se comportar na rede para terem sucesso. Ao longo do tempo, produziram muito para TV, como foi o caso do Grenalizando, uma série que ficou um ano e meio no SBT. A outra iniciativa, junto da mesma emissora, foi a Cavalgada dos Extremos, que chegou a rodar em São Paulo e foi muito premiada, inclusive internacionalmente.

Paixão tricolor

Herança de família, o Grêmio é uma paixão na vida de Fernando, algo pujante entre os pais, irmãos e sobrinhos. O interessante é que a torcida não chega a fazer com que ele queira ir atrás do time onde quer que este jogue, é algo limitado a estádio, TV e internet. Outro aspecto relevante é que o gosto não é pelo futebol ou esportes como um todo, é apenas o Grêmio. Não assiste a outros jogos (além, é claro, das partidas do coirmão) e, se questionado sobre a escalação de qualquer time, não saberá um jogador sequer. Ah, e, na prática, vale o mesmo. Apesar de já ter jogado muito futebol e vôlei, admite nunca ter sido um grande esportista, apenas esforçado.

Além das vitórias em campo e consequentes títulos, o que mais poderia fazer a felicidade do torcedor gremista? Ora, trabalhar para o time do coração! Fernando conta que teve o clube como segundo cliente da Cuentos. Foram chamados para ajudar a formatar e colocar no ar a Grêmio TV como é hoje. Lembra bem da primeira vez que viu o presidente Fábio Koff (falecido em 2018): "A Gi diz que fiquei com cara de abobado. Imagina a cena: eu estava diante de um cara que acompanhava desde guri, um personagem do rádio. De repente, por mero acaso, estava sentado na minha frente, tomando cafezinho e batendo papo!", exalta o fã, que ainda pôde conviver com Renato Portalupi, Luiz Felipe Scolari, o Felipão, Vanderlei Luxemburgo e Roger Machado. "Foi sensacional conhecer muitos dos meus ídolos gremistas", resume.

Completamente apaixonado

Se alguém questionar Fernando sobre a maior paixão da vida dele, esta tem nome e sobrenome: Giovanna Alvarenga. "Ela foi um grande presente na minha vida. A primeira vez que eu a vi, decidi que ia ser minha namorada", conta, para completar em seguida que o relacionamento só veio a acontecer 10 anos depois de terem se conhecido. Há 10 anos morando juntos, ele garante que é ainda mais apaixonado do que no começo. Nas suas palavras, não há nada que ele deseje em uma mulher que a esposa não tenha. "É inteligente, com alta capacidade de ter foco, uma garra para trabalhar impressionante. Apaixonada por tudo, absolutamente responsável e uma grande sócia. Além de ser a mulher mais linda do mundo", derrete-se. Os filhos humanos ainda não vieram - e este é um assunto bem resolvido: deixarão acontecer e nutrem um forte desejo de adoção. O amor familiar é então canalizado no bulldog Zeus e nas gatas Preta, Branca e Amarela. "Essa é a nossa família."

Ter uma esposa-sócia faz com que eles vivam intensamente a empresa, então, os dias de folga são mais raros. Apesar disso, forçam-se a ter alguns dias no ano. Adoram a Bahia, para onde correm próximo do Carnaval. Engana-se quem pensa que o casal vai para o fervo, pois o destino escolhido fica na área mais rural da Praia do Forte, no meio do mato, onde não pega celular, muito menos internet. O cenário os faz ficarem afastados de tudo e, uma vez por dia, irem até a civilização para responder as urgências. Tirando isso, Fernando curte todo seu envolvimento com o Grêmio, enquanto Giovanna tem uma grande paixão pelo Flamenco. "São válvulas de escape, que nos permitem vidas individuais e nos fazem aguentar o tranco do dia a dia", reflete.

O amor intenso pela esposa, ele entende que não é à toa, pois sempre viu isso. O pai sempre foi um apaixonado pela mãe e dedica sua vida até hoje à companheira. "Eles têm um comportamento de namorados, é bonito de ver", elogia. Além disso, conta que foi criado em um ambiente onde o machismo era nulo. Dona Ana Maria foi uma mulher à frente do seu tempo e educou os filhos sem permitir que fizessem qualquer comentário pejorativo sobre uma mulher. Na opinião de Fernando, o resultado foi crescer respeitando e admirando o sexo feminino.

Outro aspecto presente e intenso é a sua crença no Espiritismo, também herança de família. Neto de alguém que mantinha um centro espírita, ele frequenta o espaço desde que se conhece por gente. "É um local que me faz muito bem e me acalma. Embora acredite no espiritismo, respeito toda e qualquer religião e acho fundamental crer em algo", opina.

Para consumir

E, afinal, o que um cara que trabalha com audiovisual gosta de assistir? Ele não sabe responder. Isso porque gosta do ritual de ir ao cinema, mas não se considera um cinéfilo. Gosta de histórias, simples assim. Assiste a séries, mas também não é fanático. A do momento, que dá sentido ao verbo "maratonar", é The Last Kingdom. E outra que adorou foi Coisa Linda, por ter o enredo muito ligado ao empreendedorismo, especialmente o feminino. A preferência é voltada aos livros. Esses, sim, ganham a atenção do sócio-diretor da Cuentos. Fã do escritor Ken Follett, é o tipo de leitura que, quando chega na metade, começa a economizar as páginas por não querer que acabe. Também teve uma época fanático por Sidney Sheldon, tem um gaúcho a quem admira e consome, Alcy Cheuiche, e é um apaixonado por Jorge Amado.

E para quem trabalhou com música, o que faz bem aos ouvidos? Mais uma questão sem uma resposta rápida, pois são muitas as preferências, que vão desde Elvis Presley e Elton John, passando por Vinicius de Moraes, Chico Buarque, Toquinho e Ivan Lins, chegando a Oswaldo Montenegro. "Viro um retardado ouvindo ele. No penúltimo show que fui, chorei desde a hora que ele abriu a boca até ir embora", admite, sem pudor algum. Escuta muita MPB e, como um bom homem da fronteira, gosta de música nativista e também de sertanejo, "mas o raiz, não o universitário", alerta. Trabalhar na noite o fez consumir todo tipo de música, mas não virou fã de todas. "Fiz um milhão de festas eletrônicas, mas sou um ignorante na área, até porque não consigo entender quando termina uma música e começa outra", explica, rindo.

Simples, mas verdadeiro

Preocupado com o mundo, as diferenças sociais são algo que o incomodam, a ponto de se emocionar quando vê a solidariedade ou quando ele mesmo tem a oportunidade de praticá-la. Resiliente, não desiste do que deseja e briga por isso. Essa intensidade, porém, tem um lado negativo, já que se considera de difícil convivência. Teimoso e orgulhoso, reconhece que já pagou caro por isso, mas também sabe que serviu de escudo em outros momentos. "Se for para me definir, acho que sou muito grato. E isso é algo sempre necessário. É preciso rever o tempo todo onde já pisamos, quem nos ajudou", ensina ele, que tenta não guardar rancor, ainda que seja algo difícil. Tanto que, quando vai ao centro espírita, pede pouco e agradece muito.

É difícil eleger um ou dois momentos inesquecíveis, mas pensa um pouco e discorre sobre o primeiro que lhe vem à cabeça: sua estreia no Planeta Atlântida, quando Ana Lúcia o levou ao palco para assistir ao show do Engenheiros do Havaí. "Essa banda foi o amor da minha vida. Vinha de um momento muito difícil e foi quando me dei conta que um ano e meio depois de ter chegado em POA sem dinheiro, estava fazendo parte de um festival incrível, curtindo o show de um ídolo da adolescência a poucos metros." Entrevistar ídolos musicais é o segundo item na lista de grandes feitos, como foi o caso de Nei Lisboa, mas esse momento rendeu também uma bronca da esposa. Ao invés de apenas entrevistar, ficou conversando com o cantor por duas horas, o que tornaria o trabalho da edição um sacrifício.

E o terceiro momento tido como espetacular foi logo que a Cuentos surgiu e foram convidados para irem ao Google, participar de um evento do YouTube para cerca de 70 players, sendo 30 os principais canais de futebol. Quando chegaram lá, o representante da plataforma estava explicando e dando dicas aos outros 40 que ainda não estavam inseridos na rede. Surpresa: usaram o Grenalizando como o melhor exemplo de conteúdo, um verdadeiro case. "Saímos de lá nas nuvens", diz, orgulhoso. Nenhum dos destaques de vida está ligado a dinheiro e sobre isso, é categórico: "Estes momentos me fizeram parar e pensar: f***-se, melhor comer Miojo e fazer isso, do que encher os bolsos e ser infeliz".

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