Dom, qualidade ou habilidade com a qual a pessoa já nasce. Do latim, donum, um presente ou dádiva. Chame como quiser, mas não há como negar que Luis Gustavo Manhago, 50 anos, veio a este mundo para ser radialista. Em Rio Grande, sua cidade natal, o menino de olhos atentos e fala vibrante cresceu fascinado pelos sons que saíam do aparelho de rádio e ecoavam nas arquibancadas das corridas de cavalo.
"Meu pai me deu um gravador, era final dos anos 80, e eu andava com ele pra cima e pra baixo. Gravava as transmissões e ficava imitando os narradores", recorda o jornalista, que trabalha no Grupo RBS há quase 30 anos.
Foi o pai também, Luiz Manuel Manhago (em memória), quem o levou pela primeira vez a um estúdio de verdade, em um setor de audiovisual de uma faculdade local. De lá, fizeram uma ponte com um comunicador de Porto Alegre, que o convidou para narrar uma corrida de cavalos na Capital. Era 7 de julho de 1987 e o guri de 12 anos sequer alcançava o binóculo que os locutores usavam para enxergar melhor os competidores. Mas nada disso importava, ele estava realizando um sonho e começando a carreira que marcaria sua vida. "Foi na antiga Rádio Gazeta, era na Avenida Farrapos, perto da Rodoviária. Foi inesquecível! A partir dali, comecei a fazer mais sistematicamente e fui evoluindo", conta.
O menino virou atração local. Em 1989, aos 14 anos, um empresário da cidade, dono de cavalos de corrida e de uma rádio, criou um programa de turfe e contratou o jovem para apresentar um programa nas sextas-feiras e narrar as competições aos domingos. Aos poucos, a ficha foi caindo. A voz, que desde cedo chamava atenção entre as outras crianças, era mais do que uma característica física. Era e é sua essência. "Meus pais me apoiavam muito. Meu foco era estudar e trabalhar", ressalta, seguindo: "Meu pai sempre foi um grande empresário, foi um visionário para investir em mim, meu fã número um".
Educação e aprendizado
Mesmo nunca tendo pensado em fazer outra graduação, o destino exigiu paciência. Ao concluir o ensino médio, Manhago descobriu que não havia faculdade de Jornalismo em Rio Grande. Pelotas, a cidade mais próxima, oferecia o curso, mas era financeiramente inviável na época. Chegou a tentar o vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), mas não passou. Os obstáculos só o deixaram com mais vontade de seguir em frente. "Meu pai não podia pagar. Então, fiz Letras na Universidade Federal do Rio Grande (Furg) porque era o curso que mais se aproximava da Comunicação. Quando, depois, cursei Jornalismo, senti que o primeiro diploma contribuiu muito, principalmente na questão textual", pontua ele.
A história no Grupo RBS começou em sua cidade natal. No verão de 1995, fez um freelance na RBS TV e, em 1996, foi efetivado. "No interior a gente fazia tudo. Então, fui desde o jornalismo hard news até o esporte", explica. Dois anos depois, foi convidado para assumir a coordenação de Telejornalismo em Santa Rosa, onde ficou durante um ano. Ainda teve uma passagem por Bagé antes de retornar para Rio Grande.
Anos mais tarde, já em 2004, Manhago foi transferido para Santa Cruz do Sul. Já casado com o amor de Carnaval, a bibliotecária Silvane, com quem já está há 28 anos, iniciou, então, a faculdade de Jornalismo na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). Em 2007, arrumou as malas e veio para Porto Alegre, onde concluiu a graduação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
"Vim para trabalhar só no esporte. Entrei na RBS TV e TVCom como coordenador de Esportes e, em 2011, assumi a gerência de Esportes", relembra. Esse outro relacionamento de longa data, com a empresa, teve uma pausa de seis meses entre 2015 e 2016. No retorno, foi direto para os microfones da Rádio Gaúcha, onde a voz forte e inconfundível ecoa até hoje. Na nova fase, além de narrações e apresentações esportivas, também passou a escrever para o impresso Zero Hora e o portal GZH.
Curioso por natureza, não parou por aí. Durante a pandemia, incentivado pela esposa, fez um mestrado em Administração de Empresas, Comunicação de Massa e Estudos de Mídia, novamente pela Furg. O projeto, segundo ele, ainda tem desdobramentos por vir. "Tenho vontade de dar aula, transmitir o que aprendi. Não tem uma data, mas é uma ideia", revela. Não se vê longe da rádio, tem pesquisado sobre os novos formatos, como streaming e a potência das redes sociais. No entanto, não descarta ampliar os horizontes.
Bem maior
Caçula de três, Manhago cresceu com os irmãos Margarete, 62, e José Luiz, 54. A mãe, Suelly, faleceu quando ele tinha 27 anos. Com ternura, enfatiza que a irmã mais velha também sempre teve um papel 'meio mãe' com ele. O maior ídolo, o pai, foi quem o ensinou sobre caráter e determinação. "Tudo que aprendi sobre trabalho e respeito veio dele."
As memórias da infância são simples e felizes: brincadeiras com o irmão, partidas improvisadas de futebol com carrinhos e bonecos, e a mania de narrar tudo o que via. "Fazia futebol com qualquer coisa e narrava junto."
Com Silvane, construiu a própria família. Em uma cobertura de Carnaval, ele repórter, ela princesa de um clube de Rio Grande, conheceram-se e não se desgrudaram mais. Desse amor, nasceram dois filhos: Manuella, 20 anos, que estuda Direito na Ufrgs, e Natallia, 11 anos. Pra completar, divide os dias também com a cachorrinha Luna, uma shitzu de cinco anos.
Narrador do futuro
E como quem sabe o que quer, agarrou todas as oportunidades que teve para mostrar o talento e conquistar espaço. Carinhosamente chamado pelos colegas de 'Manhagol', trabalhar na Rádio Gaúcha é, nas próprias palavras dele, uma das grandes realizações de sua vida. Nos anos 1990, a emissora lançou uma promoção chamada "Narrador do futuro", quando 10 finalistas selecionados por suas performances no microfone disputaram a vaga de melhor para narrar um jogo de futebol em Porto Alegre.
Trabalhava na rádio Minuano, em Rio Grande, quando, voltando de um jogo, ouviu anunciado nas ondas sonoras do programa 'Show dos Esportes' seu nome como um dos escolhidos. "Foi uma alegria, uma gritaria com os amigos", diz. Veio para Porto Alegre, em um jogo do Grêmio contra o São Paulo pelo Campeonato Brasileiro, ainda no Olímpico. Chegou ao top 10, porém não venceu. Três anos depois, no mesmo projeto, mas que agora era dividido por categorias de idade, foi o campeão da juvenil até 18 anos, narrando um jogo do Internacional x Botafogo, no estádio Beira-Rio. "Vinte e três anos depois, eu realizei meu sonho de infância de ser um comunicador na Rádio Gaúcha", destaca.
Samba no pé
Responsável por cruzar os caminhos com sua amada esposa, o samba também é um dos estilos musicais preferidos de Manhago. No Cinema, é fã de animação. "Digo que é por conta das filhas, mas a verdade é que eu adoro mesmo", brinca. Para quem viaja bastante a trabalho, gosta de aproveitar a companhia da família e descansar em casa. Mudou-se recentemente e montar o novo lar tem sido o hobby do momento. Morador da Zona Sul, curte caminhadas pela Orla de Ipanema. "Na pandemia fiz um intensivo, uma dieta, emagreci 19 kg e, depois disso, virou hábito."
Perguntar não custa nada, mas como um bom jornalista esportivo, mantém a discrição em relação ao time de futebol do coração. "Tenho, mas não falo abertamente sobre isso. Enquanto comunicador, procuro ser neutro", comenta. De grandes coberturas, ainda sonha em cobrir presencialmente uma Copa do Mundo e uma edição dos Jogos Olímpicos. Nos últimos três anos, a satisfação está em ver consolidada a iniciativa de cobrir o futsal gaúcho.
Sempre aprendendo
Persistente e resiliente. Duas qualidades que sabe enxergar em si mesmo. Mesmo quando parece que algo não vai dar certo, não desiste. "Fico feliz de ver onde cheguei." Por outro lado, busca equilibrar a ansiedade. "Acho que tudo tem que ser pra agora. Sou do signo de Gêmeos, acho que tem algo a ver", expõe.
Apesar dos 20 anos de televisão, descoberto pelo jornalista Diniz Junior, que era coordenador de Jornalismo na RBS TV em Rio Grande, encontrou no meio sem imagem, atrás do microfone, o propósito e a vocação. "Sinto que ali posso viver mais a prática das minhas paixões, que são o esporte e a rádio. Gosto de ser comunicador, de estar no microfone", relata.
Dois nomes reconhecidos são para ele inspiração no ramo que escolheu para fazer carreira: Armindo Antonio Ranzolin e Pedro Ernesto Denardin. No trabalho, valoriza, ainda, a ética, a constância e o aprendizado contínuo. "Não marco nenhum elogio ou crítica inesquecíveis. Tudo é aprendizado", pondera ele.