Lu Vilella: Um mundo de livros

Proprietária da Bamboletras, a jornalista Lu Vilella tem na livraria uma espécie de extensão de sua casa

Lu Vilella | Crédito: Liane Neves

Jornalista por formação e proprietária da Livraria Bamboletras, Lu Vilella traduz no próprio negócio muitos dos traços de sua personalidade. O gosto pelas artes, a organização metódica e o alto grau de exigência preenchem cada espaço nas estantes e na vitrine da loja. Apaixonada pelos livros desde criança, herdou do pai o gosto pela leitura e também a característica humanista. "Me preocupo verdadeiramente com o que acontece na Cidade, no Estado, no País, no planeta. Aprendi desde pequena a olhar para o outro, a não querer coisas só pra mim, mas querer que os outros tenham saúde, saneamento básico, direito à moradia", pontua.

Desde menina, Lu Vilella sempre manteve forte ligação com a palavra, seja oral ou escrita, e, aos 9 anos, já tinha o Jornalismo como profissão escolhida. Apreciadora da leitura, 'rata de biblioteca' do colégio, tinha a melhor redação da sala de aula e ainda contava com o exemplo do pai, grande leitor de jornal. "Esse drama que muitas pessoas têm de escolha de profissão, eu nunca tive. Sempre soube que queria fazer Jornalismo", recorda.

A graduação foi cursada na Famecos e concluída nos anos 1980. Mas, embora com diploma tivesse uma profissão, sentia que não tinha o conteúdo que julgava necessário. Foi assim que retornou à universidade para se inscrever na graduação em Letras, no entanto, um encontro com um professor a orientou a cursar a pós-graduação na mesma área. Lá, recebeu uma lista de títulos que deveria ler a fim de preparar-se para a seleção do mestrado em Teoria de Literatura.

Nos anos de curso, leu da Poética de Aristóteles a vários livros de teoria e literatura, mas não chegou a defender a dissertação, recebendo o título de especialista em Literatura, não o de mestre. "Embora tenha feito todas as disciplinas do mestrado, na hora de defender a dissertação, não sabia bem que área queria", relata. Decidiu viajar e, em meio ao percurso, surgiu a ideia de abrir uma livraria. Nascia ali, em 1995, a Bamboletras, especializada em Literatura Infantil - segmento que chamara sua atenção durante o curso - e com sede na Rua da República.

O formato com foco em um público específico e a localização duraram pouco. "Não se vive só de vender livros para criança no Brasil, infelizmente - até porque tem que enfrentar a concorrência desleal de editoras dentro das escolas vendendo livros", diz. Logo, conheceu o shopping Nova Olaria e, encantada com o ambiente, decidiu mudar a Bamboletras de casa. "Tive a sorte que uma loja de roupas estava fechando. Super deu certo e nunca mais saí. Aqui estou eu, na loja 3 da Nova Olaria, há 19 anos", conta.

Baú de recompensas

Oportunidades para ampliar o negócio não faltaram nessas duas décadas de livraria. Lu já recebeu propostas para levar a Bamboletras a outros lugares e até shoppings, mas diz que o espaço na Cidade Baixa a agrada mais. "Gosto daqui, do Olaria, do cinema, dos cafés, do público ligado no universo cultural. Quem procura cultura vem para a Cidade Baixa e acho que não teria o mesmo acolhimento, o mesmo propósito, se estivesse em outro bairro", reflete.

O atendimento personalizado é um diferencial do trabalho de Lu, que a faz ser chamada por muitos de seus clientes de personal booker, mas, ela garante, não é uma estratégia de marketing. Como todo o produto à venda na Livraria passa pelo aval da proprietária para encomenda, é comum que reconheça neles o atrativo para indicá-los a determinados clientes. "Acabei de ler a entrevista da Susan Sontag para a Rolling Stones e adorei. Ofereço para a cliente e vai ser bom para ela ler. É uma dinâmica que flui muito naturalmente. Não tenho meta de venda alguma."

O trabalho que se assemelha mais ao de consultora do que vendedora de livros também é responsável por gerar episódios especiais que guarda na memória, como os relatos de clientes agradecidos pelas indicações de obras que ajudaram na defesa de dissertações de mestrado ou teses de doutorado. "Isso é uma recompensa, mas não é financeira, é de outra ordem. A financeira é importante para pagar contas, mas essas trocas têm um valor simbólico muito grande", enfatiza.

Hoje, diferentemente de quando surgiu, a Bamboletras não se reserva a um gênero. Objetos, livros, CDs e DVDs, tudo passa pela avaliação da jornalista, que se mantém informada sobre os lançamentos através dos sites de editoras, jornais, revistas, etc. "Tudo tem que ter um valor, um significado, um contexto dentro de uma livraria, um diálogo com o todo. Tem esse zelo, como se fosse a minha casa. A Bamboletras é uma extensão disso, é um cantinho no mundo onde eu tenho o privilégio de escolher as coisas", considera.

Da vida no campo

Nascida na pequena Mendonça, no interior de São Paulo, chegou a Porto Alegre para estudar e não saiu mais. "Fiz amigos, engatei a pós-graduação, abri a livraria e estou aqui há quase 30 anos. Já sou gaúcha, tomo chimarrão, não vivo sem", diz entre risos. Da cidade natal, traz lembranças de uma infância no campo, com direito a banho de rio, comer fruta no pé de mangueira, jaca, caju e carambola, beber leite recém-tirado da vaca, e ir para escola a cavalo. O encanto pelas letras também já estava presente. "Uma imagem que tenho de mim pequena é ir para o quarto, colocar as pernas para cima e ler. Se deixasse, eu ficava a tarde toda", narra.

Lu é filha de Gabriel da Cunha Vilella (falecido) e Izabel Martins Vilella, 82 anos, em uma família que se completa com mais sete irmãos. O pai administrava a fazenda de um primo e o sítio onde viviam, criando gado e plantando grãos como café, milho e arroz. "Minha vida foi entre o sítio e a fazenda", resume. Na adolescência, as questões políticas já chamavam a atenção, tanto que chegou a fazer parte do grêmio estudantil.

Hoje, divide a rotina entre as atividades para si e para a livraria. Há algum tempo, acostumou-se a reservar as manhãs para práticas simples e prazerosas como caminhadas, ioga e leituras, e o preparo do almoço com alimentos colhidos na própria horta. A tarde e o início da noite eram dedicados ao trabalho, mas, em razão da segurança, precisou inverter a programação. "Pegar um livro, um chimarrão e ler de manhã, acho que é um privilégio que conquistei na vida. Mas moro na Zona Sul e fica complicado sair daqui às 21h, 22h", conta.

Todas as artes

Música, fotografia, cinema, teatro e artes plásticas também compõem o cardápio cultural da jornalista e livreira. Sempre que viaja, aproveita as visitas a museu e exposições. Na Capital, além das sessões de cinema do Guion, vizinho da Bamboletras, coleciona DVDs de filmes clássicos e reconhecidos cineastas. "A arte é um corpo, não tem como só ser leitor, só ouvir música ou ir ao cinema. É o diálogo entre todas as áreas. Tenho aqui alguns objetos com Tarsila do Amaral, Portinari, Iberê Camargo... são poetas falando em outra linguagem", ressalta.

Lu se diz uma leitora de romances, poesias e boa literatura - que inclui filosofia, história, psicologia. Além de 'Susan Sontag - entrevista completa para a Rolling Stone', um dos livros finalizados recentemente é 'Judas', de Amós Oz. Nas palavras dela, é "daqueles que, quando está próximo do final, tu não quer que termine, porque fica tão próxima dos personagens". O próximo na lista de leitora é 'Submissão', de Michel Houellebecq. "Sempre tem o que ler. E a vantagem é que estou aqui dentro, é só escolher."

Para o futuro da livraria, que conta com um acervo de cerca de 100 mil títulos - expostos e em estoque -, Lu pretende manter a qualidade da loja e não pensa em filial. "Quero atender aos meus clientes de forma tranquila, não tenho pretensão de rede de lojas. O meu desejo é ter minha loja com, cada vez mais, bons títulos, com público frequentando e equipe bacana atendendo", explica. No plano pessoal, quer mais viagens. "Quero aproveitar que tenho 55 anos e minhas pernas ainda permitem. Tenho muita vontade de conhecer determinadas partes do mundo. Se existe um plano a realizar, é viajar muito."

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