Luciamem Winck: Na simplicidade da vida

Ela não precisa de muito para ser feliz: Jornalismo, família, cachorros e praia

Luciamen Winck - Reprodução

Quando criança, admiradora da jornalista Sandra Passarinho, ela pegava o gravador de rolo de seu pai Jairo e encarnava a personagem favorita: a Lú Periquito. Com isso, saía entrevistando pessoas e produzia matérias que nunca ultrapassaram os limites da doce imaginação infantil. Sem gostar do próprio nome, "uma invenção do pai, que resolveu juntar os dois nomes da mãe (Carmem Lúcia)", Luciamem Caiaffo Winck adotou para si a simplificação mais óbvia: Lú Winck. Quando precisou escolher a profissão que seguiria, a pressão familiar não foi suficiente. Enquanto seu Jairo, administrador público e de empresas, chegou a prometer o mundo caso ela escolhesse o Direito, a mãe, psicóloga e professora aposentada, incentivava a filha a seguir pela Odontologia. Quem ganhou? A Lú, que sempre quis ser jornalista. E assim o fez, quando colou grau, em 1987, na Famecos.

O orgulho da profissão é tanto que tentou muitas vezes convencer a enteada, Maria Eduarda, 24 anos, mas, definitivamente, a área das exatas tem mais a ver com ela. Aliás, Duda, como a chama carinhosamente, é resumida com a frase "um encanto de pessoa". Quando conheceu o marido, o produtor de eventos Milton Sardi, a menina já tinha 11 anos e passava os finais de semana com o casal e, um ano depois, foi morar com eles. "Na época, eu não entendia como uma mãe poderia entregar a filha a uma desconhecida, mas Duda perdeu a Marilu com 15 anos. Então, entendi que aquilo era algo divino, preparando a família para sermos nós três", reflete. A esperança agora recai sobre a afilhada Nicole, de 17 anos, que já escreveu três livros e demonstra todo interesse pela Comunicação.

Então, atualmente, com Duda já casada, o núcleo familiar de Lú se resume ao casal e os três cachorros: Thor, Lully e Alph, que é um 'cãodeirante', segundo ela. Aliás, se pudesse, moraria em uma casa bem grande e com muitos bichos, pois "são seres especiais", na opinião da jornalista, que é espírita (e médium). E quando se trata de família, gosta mesmo é de casa cheia. Por exemplo, no dia do bate-papo com a coordenadora de Produção do Correio do Povo, ela estava na praia de Atlântida Sul, seu maior refúgio, em quarentena com irmãos, mãe e sobrinhos, todos se prevenindo contra a pandemia do coronavírus.

São seus irmãos Aline, militar aposentada; Jairo Júnior, árbitro de futebol e radialista do Internacional; e William, que atua na área da tecnologia, tem 25 anos e é fruto do segundo casamento de seu Jairo. O patriarca, aliás, partiu cedo, aos 49 anos, vítima de câncer. Entre tantas heranças, uma delas é o time do coração. Colorada como o pai e o vô Nico (Nicolau Antônio Gonçalves Caiaffo), ela frequentava muito o Beira-Rio, mas desde a perda de ambos entende que sua presença no estádio perdeu o sentido, além de achar o local muito violento nos dias de hoje. "Não sou mais fanática. E nem odeio o Grêmio" pondera.

A chegada da Polícia

Em junho de 1986, ingressou em Zero Hora como auxiliar administrativa do Arquivo Fotográfico, após passar por uma seleção. O curioso aqui é que a vaga pedia estudantes do quinto semestre, mas ela estava no sétimo. Foi vencendo as etapas até que resolveu abrir o jogo, sabendo que poderia perder a chance. "O meu empregador sempre soube, mas queria ver até onde eu iria e entendeu que fiz aquilo porque queria muito a oportunidade", recorda.

Depois de um tempo, abriu uma vaga na editoria de Polícia, área que sempre quis, ainda que o visual da época não favorecesse o gosto, pois andava sempre de salto alto. Hábito completamente abandonado por ela, que há muito tempo adotou como melhor visual "uma batinha, leggin e rasteirinha" - há duas coisas com as quais não consegue conviver: meias e golas altas. Voltando ao segundo processo seletivo, disputou com outros nove colegas, todos homens. Aliás, garantiu a vitória em outra situação inusitada. Cada um dos finalistas faria um teste de um mês atuando na equipe. Na sua terceira semana, foi escalada para cobrir um crime passional no bairro Restinga, mas no caminho mudou o destino.

Acontece que uma viatura da polícia passou por ela e o fotógrafo numa clara perseguição e foi questionada pelo colega se queria manter a pauta que lhe fora dada na redação, ou se preferia "seguir a notícia". Ao optar pela segunda alternativa, voltou para ZH com uma nova história e uma série de fotos exclusivas dos fugitivos. É claro que foi chamada atenção pela desobediência, mas, no dia seguinte, uma semana antes de encerrar seu teste, ganhou a vaga e a contratação efetiva como repórter. Começava a longa caminhada de pautas policiais. Passou ainda por Band, empresa jornalística Planalto Médio, Correio Brigadiano, Habitasul, Câmara dos Vereadores, Prefeitura de Porto Alegre (gestão de José Fogaça), entre outras experiências.

A segunda casa

Em ZH foram sete anos, encerrados de forma abrupta por conta de uma demissão por (in) justa causa, sob acusação de que ela e mais um colega, a quem sequer conhecia, violaram segredos da RBS. Restou, claro, uma ferida: "Já virei a página, perdoei, mas não é fácil esquecer que fui humilhada, levada para fora da empresa por segurança, sem pegar pertences na minha mesa", detalha. Respondeu a processo e não apenas foi inocentada, como recebeu indenização por danos morais e abalo de imagem, além de uma tentativa por parte da empresa de reintegrá-la, opção que não aceitou. A maior perda, para ela, não foi o emprego, mas o vô Nico, que, por conta da história, sofreu um ataque cardíaco fulminante.

Dois dias depois da demissão, soube que o diretor de Redação do Correio do Povo, Telmo Flor, estava atrás dela - ele, aliás, ganha o título de "grande cara e um irmão". Tratava-se de uma vaga freelancer na editoria de Polícia. Começava não apenas uma longa jornada, mas uma história de amor com o impresso. Um mês como temporária e uma oportunidade no jornal O Povo, do Ceará, quase a tirou do CP, mas seus chefes optaram por assinar sua carteira para não perdê-la. "É a minha segunda casa e, às vezes, até a primeira. Vou fazer 27 anos de empresa", orgulha-se ela, que está aposentada há três anos e não parou. Transferiu o plano de desacelerar para quando fizesse 55, idade atual. Agora, prorrogou para 60, mas sabe que só está enganando a si mesma, afinal, quando chegar nessa idade, inventará outra desculpa para seguir.

Ainda que não consiga se imaginar indo embora, sabe que esse dia vai chegar, mas acredita que ainda tem bastante a contribuir. "Vou seguir lá me arrastando com uma bengala. A menos que me mandem embora antes disso, e tudo bem, faz parte. Se isso acontecer, não levarei mágoa, sairei satisfeita porque fui feliz. Vou continuar amando aquele lugar e sempre que puder voltarei pra visitar. A gratidão vai ser eterna", garante.

Feitos de uma repórter

Na véspera do falecimento do pai, Lú ouviu o último pedido dele: sair da editoria de Polícia, pois ele não estaria mais lá para protegê-la. Continuou por mais uns dois anos, mas sempre lembrava do diálogo. Quando houve um problema na cobertura de Litoral, pediram que ela cobrisse por uma semana. A chefe de reportagem da época, Rosane Frigeri, pediu, no entanto, que a repórter ficasse até o final da temporada. Então, o que era pra ser rápido, durou três meses e ainda emendou com férias. Por conta disso, Lú fez um trato: "Quando eu voltar, vão ter três pautas de Geral na minha mesa?". A gestora dela aceitou e cumpriu. A partir dali, a Geral passou a ser seu chão, fazendo com que, aos poucos, largasse a Polícia, conforme tinha pedido seu Jairo.

Teve ainda mais uma situação que quase a tirou do jornal. No governo do Olívio Dutra, recebeu a proposta para trabalhar na rádio da Emater. Nessa época, acumulava CP e rádio Guaíba, e teria que abrir mão de um deles. Quando foi pedir demissão do impresso, seus superiores cobriram a proposta salarial e a promoveram à repórter especial, função que aprendeu a gostar demais por não ter rotina, de tanto que viajava. "E é disso que mais sinto falta estando na coordenação, pois fico mais presa à redação. Gosto mesmo é de estar na rua, gastando sola de sapato atrás de pautas", confessa.

Como qualquer repórter, Lú tem trabalhos que lhe fazem o coração bater forte até hoje. É o caso da cobertura mais triste que já fez, quando da queda do avião da TAM, em Congonhas, em 2007. O voo JJ3054 nunca mais foi esquecido por ela, pois acompanhou o acidente, a chegada dos familiares no aeroporto, dos corpos, o enterro e a missa de sétimo dia. Essa última a fez chegar na redação e pedir para sair da pauta, pois já não conseguia ficar bem. Com ótima memória e 34 anos de carreira, ela também lembra de nomes de entrevistados marcantes, como o menino Douglas, morto em Esteio por motivo banal. Nesse caso, recorda de ter chorado ao fazer a pauta e pensado ter quebrado o juramento profissional, achando que não estava sendo imparcial. "Demorei a entender que deixar o sentimento aflorar não é sinônimo de fraqueza ou falta de ética, é apenas ser humana", afirma.

Para ficar na história

Se teve uma reportagem da qual jamais se esquecerá, esta é a entrevista realizada com Cláudio Adriano Ribeiro, o Papagaio - considerado um dos maiores assaltantes de bancos da Região Sul. Ao descobrir o celular da fonte, ligava todas as noites, mesmo que sempre ouvisse negativas quanto a dar entrevista. Nos primeiros dias de 2008, ele ligou para a repórter, aceitando o bate-papo naquele mesmo dia. Ao lado do grande parceiro de pautas, o fotógrafo Diego Vara, foi ao encontro do preso sem contar a ninguém. Chegando no local combinado, soube que só ela poderia vê-lo. Medo? Claro, mas foi mesmo assim.

Já no início da conversa, Papagaio deu as condições, dizendo como deveria ser a matéria, inclusive pedindo para não ser chamado pelo apelido, assim como pelo adjetivo de criminoso. Ela sabia que era uma chance única e aceitou. Ao final da entrevista, quis uma foto, no que ele negou. Lú explicou que, sem esta, não sairia a reportagem, porque poderia ter falado com qualquer um na rua e dizer que era ele. Quando ouviu resposta positiva, ligou para Vara e passou a orientação de que só poderia ser uma foto, mas com um código que dizia, na verdade, "faça várias". Resultado: voltaram para redação com a exclusiva e mais de 500 imagens, o que rendeu matéria de página inteira com direito a foto de capa.

Com muitas controvérsias na redação sobre o tom da matéria, Lú conta que foi para casa, mas não conseguia dormir, pensando que podiam mudar seu texto e descumprir com alguma das combinações. No dia seguinte, foi acordada com uma ligação do próprio Papagaio, elogiando a reportagem. "Fui trabalhar e passei o dia recebendo elogios, acompanhando a repercussão. Lembro que o diretor do jornal na época era o Luiz Cláudio Costa, ele desceu na redação, botou a mão no meu ombro e disse 'Esse é o Jornalismo que eu quero'", recorda, cheia de orgulho.

Com os resultados da reportagem, outros veículos passaram a assediá-la. Por isso, foi pleitear um aumento, um pouco antes de sair de férias. Quando retornou, tomou um susto com o contracheque e foi conferir se não tinha erro, pois as cifras eram maiores, inclusive, do que as que tinha pedido. Aconteceu que foi promovida à secretária de Redação, cargo exercido até Rosane Frigeri sair e Telmo pedir para ela ficar na função até encontrar outra pessoa. Nunca achou. Após isso, o chefe reformulou a redação e criou o cargo de coordenadora de produção, de modo que, hoje, controla todas as equipes.

Fora do Jornalismo

Nos dias de folga, Lú e Milton pegam o carro e fogem para praia, local que chama de pequeno paraíso, cheio de árvores e tranquilidade. "É a extensão da minha casa", diz, empolgada. Além disso, como seu cãodeirante Alph passou três meses sendo cuidado em Atlântida Sul, aceitou ter guarda compartilhada com a responsável por reabilitar o mascote, Karini Bacella. Hoje, o filho canino fica 30 dias em Porto Alegre e 15 no Litoral. Em casa, gosta de receber os amigos e a família em volta da churrasqueira, de preferência, ao som de um bom samba. "Gosto das coisas mais simples. Quando me aposentar, a vontade é vir morar na praia, sem dúvida", conta, completando que jazz é o tipo de música que a acalma, enquanto MPB, sem dúvida, é o gênero preferido.

Toda essa simplicidade se estende em diversas áreas da vida, como a gastronomia. Milton é quem comanda a cozinha, mas garante que se vira bem fazendo, por exemplo, costela assada no forno, macarronada, carreteiro, feijão e "coisas mais simples". "Não nasci talhada para cozinha, mas me viro bem. Se me pedirem pra fazer um bolo, vou no mercado, compro a mistura pronta e faço. O que tenho é boa vontade", detalha. Além disso, não abre mão do seu suco de maçã verde, abacaxi e água de coco, tudo batido no liquidificador. "Essa é a minha água", diz ela, que colocou a bebida no lugar da Coca-Cola, seu antigo vício. Atualmente, só mantém "o maldito cigarro". Chegou a parar de fumar por 10 anos, mas diz que voltou de besta que é. O mau hábito, inclusive, está martelando em sua cabeça, a ponto de achar que não chega em 2021 como fumante.

Duas obras marcaram a vida de Lú: o filme 'Além da eternidade', de Steven Spielberg, e o livro 'Fernão Capelo Gaivota, de Richard Bach, o primeiro que leu na vida e com o qual se identifica desde então. "Enquanto alguns preferem comer peixinho na beira da praia, eu quero voar", compara. Para falar de si mesma, a jornalista se resume como uma pessoa simples, humana, sensível, que se preocupa com os outros e que é capaz de tirar a roupa do corpo pelo próximo. Ainda que dizer essas coisas pareça piegas, ela garante que é assim mesmo. É claro que tem momentos que explode, mas amanhã é um novo dia e já está tudo bem de novo, sem mágoas. "Oferecer bem ao outro faz melhor pra quem dá do que para quem recebe", ensina.

 

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