Marcelo Cosme: O lugar que eu ocupo

Natural de Rio Grande, o apresentador da Globo News jamais imaginou chegar lá

A embalagem da geladeira era um estúdio, o cabo da vassoura virava microfone e uma simples caixa de papelão fazia as vias de câmera. Para quem teve essa como a melhor brincadeira de criança, não foi difícil escolher a profissão a seguir. Marcelo Cosme, aos 41 anos, é apresentador do programa Em Pauta, da Globo News, mas, definitivamente, não se vê como uma celebridade. Costuma dizer que seu trabalho é igual ao de todo mundo: tem preocupações e problemas, contas a pagar, chefes, horário para cumprir. "A diferença é que o meu emprego é na TV", resume o jornalista natural de Rio Grande e formado pela Universidade Católica de Pelotas.

Às vezes, acontece de ser abordado na rua, mas entende que esse contato ocorre de forma respeitosa, normalmente para comentar algo que mostrou na atração ou sobre o que os especialistas com quem conversa comentaram. Não necessariamente uma relação de fã, apenas porque os telespectadores se sentem parte do contexto que ele apresenta. Além disso, sabe bem que a responsabilidade e a dedicação são diretamente proporcionais a essas abordagens. "Sempre tive muita noção do lugar que eu ocupo no mundo. E para tudo: no meu núcleo familiar, no círculo de amizade e dentro da minha profissão, inclusive."

Apesar de encarar tudo com naturalidade, Marcelo admite que, ao parar para pensar na trajetória, lembrando que é "um cara do Interior do Rio Grande do Sul, lá do Parque Marinha, morando em um conjunto habitacional", logo pensa: "Caraca! Olha onde eu consegui chegar". A frase empolgada revela, na verdade, o orgulho que sente ao apontar que integra o time de oito apresentadores do principal canal de notícias do Brasil. Ele nunca teve um olhar romântico para o Jornalismo, daqueles que sonha em salvar o mundo, mas entende que, com seriedade e ao lado de pessoas dedicadas, pode, sim, fazer parte da mudança.

Do RS para o RJ

Aquela que viria a ser a sua casa profissional não foi conhecida apenas quando do início da carreira. Acontece que a RBS TV era a principal referência em veículo de Comunicação na sua cidade. Os estúdios da emissora eram velhos conhecidos de quem os frequentava ainda criança, ficando atrás das câmeras, para assistir tudo que acontecia. Ele sabia todos os apresentadores, conhecia a programação. Lembra que a equipe não apenas permitia sua entrada, como o presenteava com uma cópia do script impresso, os quais colecionava.

Na semana da entrevista, Marcelo comemorava 10 anos de Globo News. Desejar esse destino, ele até desejou, mas não era uma ambição e muito menos algo matemático. A trajetória foi desenhada basicamente na frente das câmeras. Dos telejornais locais de Rio Grande - na época, RBS Notícias, Jornal do Almoço e Bom Dia Rio Grande - veio para Porto Alegre em 2004 e na terra natal nunca mais trabalhou. Na capital gaúcha, foram apenas dois anos antes de ser transferido para Brasília. "Lembro que o primeiro convite que o Raul Costa Júnior, então diretor na RBS, me fez eu neguei. Mas uma semana depois me chamou de novo e não tinha como recusar. Foi a melhor coisa que fiz", garante.

Foi do Distrito Federal que vieram os maiores furos de reportagem que ele deu. Aliás, na sua opinião, pra quem gosta de notícia e de muito trabalho, a capital federal é o melhor lugar para aprender. Foi dele a divulgação do famoso áudio no qual aparece a ex-presidente Dilma Rousseff ligando para o também ex-presidente Lula e dizendo "estou mandando o Messias aí com o documento"; a prisão de Eduardo Cunha; toda operação Lava-Jato; o impeachment de Dilma; a posse de Michel Temer. E ainda teve, nessa mesma época, uma rebelião no presídio de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte, reportagem que lhe rendeu até indicação ao Emmy Internacional, em 2018.

Traçando uma jornada ascescente, quase não dá para acreditar que ele foi demitido. Na concorrência, trabalhou, ainda em Brasília, como repórter do Jornal da Band, ao lado de Ricardo Boechat - detalhe que faz questão de mencionar. Um ano depois, chegaria um convite: a contratação pela Globo News, também do Distrito Federal. Setorista de política e já com bastante experiência na editoria, o chamado para comandar o Em Pauta, no Rio de Janeiro, foi uma grata surpresa. Apesar de honrado, sentiu medo, admite. "O Em Pauta me obrigou, para minha felicidade, a entender de economia, além da política, que eu já acompanhava, de questões internacionais, e de temas que mexem com a vida das pessoas no seu dia a dia", analisa.

Um pouco de cada um

Criado em um conjunto habitacional de 3.111 casas (ele faz questão de dizer que decorou o número), estudou na única escola estadual do bairro, a Engenheiro Roberto Bastos Tellechea. Teve a típica infância de menino do Interior, andava na rua, tinha muitos amigos e se enturmava fácil. Nunca foi ligado a futebol e se considera um "colorado não praticante". O filho da dona de casa Landaci (ou Landa, para quem a conhece) e do seu Newton, mais conhecido como Marujo, apelido dado por conta do serviço prestado à Marinha, é o segundo filho de uma prole de quatro irmãos - Danielle, empreendedora digital; Kelly, nutricionista; e Manoel, engenheiro mecânico.

Em tempos normais (ou seja, sem uma pandemia), quando volta à origem, pega sua mãe e sai para visitar a família, sem marcar ou avisar, apenas passando nas casas dos parentes. Além dos pais e irmãos, deixou em Rio Grande outro vínculo eterno, que chegou em sua vida bastante cedo, quando tinha apenas 19 anos. Seu filho Eduardo, de 21, estuda Administração. "Ele nasceu quando eu estava no terceiro semestre da faculdade e foi um grande susto. Hoje, é uma relação ótima, próxima e muito tranquila. Ainda que ele seja de outra geração, e eu respeito isso, cobro tudo que acho necessário", conta. A distância da família e dos amigos de longa data é amenizada pela tecnologia, nos famosos grupos de WhatsApp e videochamadas, por exemplo.

E se é de pessoas que estamos falando, Marcelo não esquece do quanto é possível fazer amigos no mercado de trabalho. No Rio Grande do Sul, deixou fortes amizades, mantidas mesmo a quilômetros de distância. Desse vínculo, surgem nomes como Cristiano Dalcin, Julieta Amaral, Rosane Marchetti e Shirlei Paravisi. Mas tem ainda os que considera como referências e, para sua alegria, tem o prazer de cruzar nos corredores da Globo: César Tralli, Cristiana Lôbo, Heraldo Pereira, Marcelo Canellas, Renata Vasconcellos, William Bonner "e tantos outros" são alguns dos citados. "Não tenho um ídolo específico. Vou pegando um pouco daqui e de lá, e aprendendo com todos esses nomes", elogia.

É um orgulho para o jornalista comandar o Em Pauta, um programa que, segundo ele, é menos jornal do que os demais. Chama pouca reportagem, exibe quase nada gravado e foca mais em conversas com especialistas. O exercício que faz diariamente é se questionar quais seriam as perguntas que, sentado no sofá da sua casa, gostaria de fazer. Ou seja, tenta sempre trazer o assunto para o dia a dia das pessoas. E, para isso, entrevista a quem a vida toda admirou, como Mônica Waldvogel, Gerson Camarotti, Guga Chacra e outros os quais, hoje, tem a honra de chamar de colegas. Parece que a mistura deu certo, pois, em seu comando, o jornalístico atingiu diversos recordes ao longo de 2020.

Simplicidades da vida

Muito ativo no Instagram, o jornalista volta e meia surge em alguma foto com chimarrão na mão. Apesar de gostar da bebida gaúcha, confessa que toma muito mais quando está trabalhando, pois não possui o hábito de preparar sozinho em casa. A vida pacata de quem precisa estar bem informado começa com o consumo de jornais, podcasts (às vezes quatro por dia), TV ligada e conversas com algumas pessoas. É nesse momento que explica que, por ser imediatista e ler muitos sites, os livros acabam tendo um ritmo mais devagar, deixando a prática para finais de semana. Atualmente, está lendo o livro da jornalista Ana Paulo Araújo, 'Abuso: a cultura do estupro no Brasil'.

Todo esse consumo de notícia e informação prefere que esteja resolvido até umas 10h. A partir desse horário começa a rotina de cuidar de si mesmo. Malhar, correr ou caminhar são práticas diárias, mas isso tem um motivo bem simples: "Adoro massas e doces. Na verdade, gosto de comer bastante" admite, sorrindo. Não é fã de cozinhar, mas gosta de almoçar sempre perto do meio-dia - hábito herdado dos pais. Ele nem consegue citar um prato preferido, a não ser o arroz com galinha de dona Landa.

Outro item que não encontra um favorito é na música, gosta de ouvir gêneros bem variados. Na sétima arte, não tem um título preferido, mas gosta de assistir a filmes, apesar de há muito tempo não frequentar as salas de cinema. As séries é que têm ganhado mais atenção. No momento, a quarta temporada de The Crow é a escolha, porém também gosta de histórias de ficção, como Anne with an E.

Um homem de fé

Também traz da sua origem a fé. No nome, inclusive. Marcelo Benedito Torres Cosme é tão ligado a São Benedito, santo para o qual seu Marujo também rezava, que recentemente tornou eterna a devoção. É que o jornalista tatuou a imagem santa na perna direita. "Fui batizado e criado na Igreja Católica, mas não considero essa a minha religião. Acredito em tudo que me faz bem, rezo todos os dias, mas, se quiser ir em outro tipo de templo, que tenha uma energia boa, não vejo problema, apenas não rotulo um nome. Sou um homem de muita fé." A tatuagem, inclusive, foi feita em um breve período em que esteve afastado da TV. Marcelo fez uma cirurgia nas cordas vocais, onde teve diagnosticado um pólipo que chegou a deixá-lo rouco (sem contar que, nos exames preparatórios para o procedimento, descobriu o positivo para Covid-19, com sintomas leves). Quando conta das experiências de saúde, a frase não poderia ser outra: "Deu tudo certo, graças a Deus".

Outro exemplo da sua vivência de fé ocorreu na vinda do Papa Francisco ao Brasil, durante a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), em 2016. Marcelo estava no Rio de Janeiro cobrindo a visita ilustre. Foi gravar a reportagem da passagem de Jorge Mario Bergoglio por uma favela e, quando se virou e o viu, estendeu a mão, pediu a bênção e o Papa concedeu. O momento, descrito como emblemático e espetacular, volta e meia é repostado nas redes sociais, de tanto que gosta de lembrar.

Acomodado ele não se sente, mas realizado, com certeza. Sabe que ainda tem muito a fazer e conquistar; no entanto, não pode deixar de olhar para trás e se orgulhar de onde chegou. Mesmo no comando de um grande programa, em um importante canal, Marcelo não se envaidece fácil. Solícito e de sorriso fácil, ele entende que não é necessário ter um lema de vida, tampouco um segredo. Bastam algumas palavras como trabalho, respeito e dedicação. Até sabe que não é crime querer chegar a algum lugar, mas os meios para atingir isso precisam ser muito bem construídos. "Por isso, sempre procuro saber o lugar que eu ocupo."

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