Pedro Sirotsky: Feito (novamente) de sonhos

Após 40 anos mergulhado na vida corporativa, ele fala do resgate da sua essência e das origens na maior paixão, a música

Pedro Sirotsky revive a trajetória e conta como é voltar às origens - Arquivo Pessoal

O sobrenome denuncia: José Pedro Pacheco Sirotsky é integrante da família que fundou o Grupo RBS. O que poucos sabem é que quase 50 anos depois de começar a trabalhar nas empresas do maior grupo de mídia do Rio Grande do Sul, optou por uma vida mais simples e pacata. "Acumular foi o que mais fiz durante muito tempo. Hoje, percebo que preciso de bem menos do que já tive", reflete quem passou quatro décadas atuando como executivo e deixando guardado, em algum lugar dentro de si, o desejo de voltar às origens.

Quando se fala em começo, em essência, Pedro explica que sua paixão pela música, por exemplo, não é acidental, "é dnática", como diz. Fruto de pais extremamente sensíveis e acessíveis aos temas da Arte e da Comunicação, não era raro, na infância, presenciar saraus em casa, onde a mãe tocava gaita ou piano. "Eu ficava literalmente com a 'capa da gaita', ou seja, com a caixa dela e talheres, batucando."

No cenário da conversa virtual, é possível ver aparelhos de rádio que colecionou ao longo da vida, além de duas fotos enquadradas de seus pais, uma de seu Maurício e outra de dona Ione. "Guardo também o último carro dele, um Galaxie", comenta, deixando claro o forte vínculo familiar. Ele é pai de quatro filhos, Julia, de 37 anos, formada em naturoplatia; Juana, 35, é psicóloga; Pedro, 33, que trabalha com ventiur captur com startups (frutos de seu primeiro casamento); e João Pedro, de 12 anos, que nasceu do segundo matrimônio, e tem muita sensibilidade para Arte.

A loucura que deu certo

Para algumas pessoas, o nome Pedro Sirotsky remete à banda Supertramp e sua música Dreamer. Vamos, então, para 1973, quando Pedro ancorava o programa Transasom na então TV Gaúcha (a "mãe" da RBS TV) e tinha a canção como vinheta. Aos jovens da década de 1990, é como dizer que ele foi o primeiro VJ gaúcho, já que a MTV, emissora que consagrou o termo, surgiria quase 15 anos depois. Profissionalmente, a porta de entrada para as empresas da família foi a Rádio Gaúcha, onde, aos 16 anos, começou como programador musical. 

Como foi da programação ao microfone é uma história que merece ser contada. Nos anos 70, era tradicional o evento de automobilismo 'As 12 horas de Tarumã', e a rádio contava com pouquíssimos profissionais para esta cobertura. Ao lado do irmão Nelson, foi ao local para assistir à prova, que começava à meia-noite. A chegada da madrugada deixou a equipe exausta, e a dupla decidiu colaborar. Enquanto o mais velho assumiu a narração, a Pedro foi dado um aparelho que parecia um ferro de passar roupa com um microfone, e a missão era fazer as vias de repórter nos boxes. 

Sem experiência alguma, começou a entrevistar diversas pessoas e assim permaneceu até o final da prova. Quando um dos pilotos da equipe campeã entrou no box, ele vislumbrou a chance de ouro: "Fiz a seguinte loucura: vi que os vidros do carro estavam abertos, peguei o equipamento e me atirei para dentro do carro pela janela, e consegui entrevistar o cara". Nascia um comunicador, que conseguiu furar as demais emissoras. No dia seguinte, chegou na empresa e a euforia estava instalada, com muitos elogios ao que havia feito. Por conta disso, foi incentivado a ter o próprio programa. Dessa vez, o que nascia era o Transasom, originalmente um programa de rádio, antes de conquistar a tela da TV.

Música, música e mais música

Amante do rock e da MPB, Pedro respirou música antes e depois do seu tempo como gestor. Quando era programador musical da atração 'Varig, a dama da noite', virou conhecedor de uma playlist tranquila, apropriada para quem passaria a noite em aviões e aeroportos. No Transasom, levava os próprios discos, tocava o que mais gostava e ainda tinha um acervo recheado por LP's trazidos do intercâmbio que fizera aos 15 anos nos Estados Unidos. Aliás, foi nessa época que conheceu o som stereo e rádios jovens, que já faziam sucesso por lá na frequência FM. E aqui cabe mais uma curiosidade: a experiência no exterior foi o que motivou a insistência que mais tarde teve com o pai de que o Grupo RBS precisava ter uma emissora para este público. Resultado? Pedro foi um dos fundadores da Rádio Atlântida.

Quando foi parar na TV, começou comandando um programa chamado Sábado Som, uma versão local do que acontecia na Rede Globo, encabeçado por Nelson Motta. A proposta de mudar o nome da atração para o homônimo que fazia sucesso na Gaúcha deu certo. Imagina um jovem ir para uma televisão conservadora, às 14h de um sábado, e rodar concertos de rock e entrevistas com os artistas brasileiros mais importantes da época. Era o que ele fazia. Nessa trajetória, teve a oportunidade de conhecer nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Ney Matogrosso, Milton Nascimento, Lulu Santos, entre outros. Também abria espaço ao movimento musical gaúcho nascente. Em paralelo ao programa, criou a RBS Discos, onde, por exemplo, o Borghettinho gravou seu primeiro disco da vida, além de artistas como Kleiton e Kledir e Vitor Ramil. "Respirava música. Eu realmente adorava o que eu fazia", conta, empolgado.

"Hibernei no mundo corporativo"

A expressão 'sonhos interrompidos' faz Pedro voltar no tempo mais uma vez. É que aos 22 anos, e há cinco no comando do Transasom, foi colocado pelo pai contra a parede: "Tu vais continuar brincando de ser comunicador ou nos ajudar na empresa?". A pressão de ver o irmão mais velho e dois cunhados atuando como executivos e a falta de coragem para assumir que trabalhar com música era o que fazia o seu coração bater foram os motivos que o levaram a virar gestor. "Hibernei no mundo corporativo por 40 anos", é o que diz, ao confessar que a função não era ambicionada. Ainda assim, garante que esse tempo não lhe fez mal, pelo contrário, foi bastante rico em experiências e aprendizados, mas o tirou do contato permanente com o mundo da música, das artes e da cultura. "O fato é que esse papel de executivo não saiu de dentro de mim", reflete.

Do início como gestor, Pedro faz questão de registrar uma das referências e a quem atribui o segundo dos dois saltos importantes que a Gaúcha deu - o primeiro foi quando Nelson trouxe o Esporte de volta à emissora. Trata-se de Flávio Alcaraz Gomes. Após o episódio trágico com o jornalista, que tirou a vida de uma jovem e o fez cumprir pena em regime fechado, quem estendeu a mão foi seu Maurício, conta. Mesmo preso, Flávio assinava uma coluna em Zero Hora e um comentário na rádio, além da promessa de assumir a programação das rádios assim que fosse solto. "Meu pai sempre dizia: 'o Flávio é o cara que pode ajudar a colocar a Gaúcha no prumo definitivo do Jornalismo'." 

Foi a partir de encontros dentro da prisão que Pedro começou a entender mais de radiojornalismo. Ia vê-lo toda semana, com reuniões dentro da sua cela ou no jardim do local. Por conta disso, ele acredita que a articulação de transformar a rádio no que é hoje começou com a dupla. E como tantas outras situações inusitadas, ele recorda de mais uma dessa época. É que no dia do seu (primeiro) casamento, em 1982, foi visitar Flávio e ouviu do mentor: "Tu és louco? E se dá um motim aqui hoje?". Não havia se dado conta do risco, mas ficou e almoçou por lá, inclusive. 

Um ano para ficar na história

Seu Maurício era para Pedro um líder, um homem genial, visionário, à frente do seu tempo. Perdê-lo deixou marcas. Na última consulta em Nova Iorque, quando confirmaram que o pai estava curado do câncer, lembra de terem tomado um porre de conhaque durante uma noite muito, muito fria. Dois meses depois da notícia tão esperada e poucos dias após o nascimento da segunda filha, em 1986, a morte do patriarca, causada por um aneurisma, deixou-o confuso. Algum tempo depois, comunicou à família que passaria um ano fora, pois não estava aguentando a dor, havia perdido o tesão e queria recuperar a vida sem a presença do pai. 

Foi morar com a família nos Estados Unidos, na cidade de Claremont (ao lado de Los Angeles), na Califórnia, onde estudou em uma instituição fundada por Peter Drucker - o pai da Administração moderna - e, inclusive, sendo aluno dele. O período é considerado incrível, mas não apenas pela imersão profissional. Sabe quem esteve presente? A música. Foi lá que assistiu aos maiores e melhores shows da vida, conhecendo novos artistas e prestigiando nomes consagrados. "Eu vi Duran Duran, Tina Turner, David Bowie, Frank Sinatra, Larry Carlton, Lee Ritenour. Fazer isso era minha Disneylândia particular."

No final de um ano tão diferente para Pedro, recebeu a visita do irmão e do cunhado, que levaram junto um convite: comandar a empresa em Santa Catarina. O plano era ficar por cinco anos na função e no Estado, e depois voltar para Porto Alegre. Nem o tempo, nem o regresso se confirmaram. Foram 15 anos do que ele chama de "o grande desafio empresarial". Assumiu como superintendente e depois, vice-presidente. Sobre a experiência, não poupa elogios a Nelson, que o permitiu conduzir a empresa do jeito que achava melhor. Muito jovem, tinha um peso enorme do ponto de vista institucional, tendo que lidar com prefeitos, governadores, políticos, empresários e etc. E sabem quem aparece nessa fase? A música. Pedro foi responsável por retomar o Carnaval de Florianópolis, o primeiro show internacional na cidade, com o Rod Stewart, depois Eric Clapton, Ray Charles, Julio Iglesias e tantos outros.

Pela simplicidade

A trajetória de Pedro foi materialmente bem-sucedida, ele não nega e é grato a isso. Mas chegar aos 64 anos o fez abrir mão de muito do que acumulou. Até o início da pandemia, morava em São Paulo, mas deixou a terra da garoa e escolheu voltar para Santa Catarina, dessa vez, para viver na Praia da Barra. Um exemplo do exercício de desapego aconteceu quando entregou o apartamento paulista e decidiu doar 100% das roupas que tinha lá. "Quando precisei de uma camisa social aqui, tive que comprar", conta, rindo. Apesar de uma vida mais pacata, segue produzindo. Atualmente, trabalha em projetos pessoais e empreendimentos imobiliários.

Ele sabe que pode "parecer meio babaca" um cara que é economicamente estável ter um discurso de simplicidade, mas enfatiza diversas vezes que precisa de pouco. Considera-se uma pessoa de sorte, que viveu todos os conflitos, ansiedades e dores que a vida ofereceu, mas que hoje abraça isso em uma escolha mais leve e simples. "Viver onde quero e ao lado de quem eu quero. Essa é a verdadeira abundância da vida. E sei que poucas pessoas têm essa possibilidade. Gosto de comer bem e de bons vinhos, e continuo fazendo isso porque, graças a Deus, posso, mas sei que é um privilégio."

Para quem encara Eric Clapton como um Deus vivo, mas não se considera cinéfilo, "nem muséfilo", a verdade é que admira tudo que tem Arte. "O filme mais importante que vi foi 'Um estranho no ninho'", diz, para em seguida lançar um sorriso constrangido ao se dar conta da simbologia do que falou. Claro que nem tudo é lindo hoje em dia. Um dos grandes problemas atuais? Pedro não dorme bem, para conseguir adormecer, toma remédio há 10 anos, mas está trocando aos poucos por alternativas mais naturais. Ele também se tornou alguém sem filtros, que não tem medo da palavra, pois o politicamente correto do mundo corporativo o cansou. "E me sinto muito bem assim", resume. Para relaxar, assiste a muito documentário voltado à natureza, ainda que Breaking Bad continue sendo a série favorita. Além disso, nem precisa enumerar o que já assistiu sobre músicas e músicos. 

No cenário mais zen, ele inclui muita solidariedade, mas acha desnecessário divulgar o que faz para ajudar o próximo. E explica: "Ser generoso não pode ser considerado uma virtude, mas uma atitude indispensável. A reflexão necessária é percebermos que existe muito, mas muito mais gente pior do que nós. E nós, que somos uma minoria de privilegiados, temos o dever de olhar para isso".

Vida de ciclos

"Sou muito grato à vida. Sou prova de que, nesta passagem, vivemos o maior número de ciclos possíveis." É assim que Pedro reflete sobre tudo que aconteceu pós-RBS. A função de executivo no conglomerado de mídia terminou em 2003, quando reestruturaram as posições familiares na empresa e ele pediu para sair, pois precisava respirar um pouco de liberdade e produzir em outras frentes. Permaneceu como membro do Conselho de Administração, mas voltou aos Estados Unidos, dessa vez para um curso de três meses na Universidade de Harvard, com a intenção de se preparar para a segunda metade da vida.

Hoje, entende que teve (e ainda terá) muitos ciclos: o da criança, do adolescente que foi morar fora, do cara que viveu em Santa Catarina, que casou e se separou mais de uma vez, que foi pai, que teve uma editora de livros de luxo. E mais, na sua visão, no ciclo atual, abrem-se infinitas possibilidades de tudo que começou a provocar com o novo filho, o documentário (o qual chama de 'docudrama') lançado recentemente. 'Mr. Dreams' fala de sonhos interrompidos, da paixão pela música, do tanto que ainda quer viver e sentir as melodias.

E se tem alguém a quem Pedro atribui grande parte desse novo estilo, mais leve, zen, reflexivo e solidário, o nome dela é Paula. O casal se conheceu em meados de 2016, data que considera o início de um renascimento. "Linda, maravilhosa por dentro e por fora. Foi quem provocou, e continua provocando, a me reconectar com meus sonhos. Uma pessoa extremamente espiritualizada, alguém que entende o que acontece no mundo. Ela está me curando. Sempre diz que meus sonhos são muito bonitos e que não posso abrir mão deles", rasga-se à amada.

Outra fala que pode soar esquisito para quem ouve faz muito sentido ao conhecer mais dessa história. "Estou acostumado com o esquecimento do meu nome", é o que diz para comentar que sabe que não está na memória dos gaúchos de forma tão presente quanto outros membros da família. Desde 2019, encerrou o ciclo na RBS inclusive como conselheiro e acionista, e conta com uma pessoa que o representa nas decisões. "Hoje, sou livre não apenas para sonhar, mas para realizar meus sonhos." Para quem pouco sabia da vida desse Sirotsky eis aí um novo Pedro. "Tenho muito tesão pela vida." 

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