Michele Caetano: Saltimbanco profissional

Jornalista, publicitário e cineasta fala da trajetória oscilante: diversas agências, cinco estados e muitas áreas da Comunicação

Por Márcia Farias
A escrita do nome já lhe causou situações curiosas. Apesar da pronúncia remeter a uma mulher, Michele Caetano garante que nunca houve problemas, apenas enganos divertidos. Como certa vez em que leram uma peça teatral sua dizendo: "Da autora e diretora Michele Caetano". "Apenas liguei para desfazer a confusão e ficou tudo certo", diz o publicitário, jornalista e cineasta, que fala de suas trajetórias profissional e pessoal com muita serenidade. A franqueza nas respostas, aliás, é uma característica demonstrada logo no início da conversa. O diretor de Criação da agência Pública tem um senso de humor no dia a dia que pode causar impressão errada; mas torna-se alguém sério, com algum humor, é verdade, quando fala de si.

Michele iniciou na Comunicação trabalhando com Jornalismo, depois dedicou-se inteiramente à Propaganda e, hoje, divide a vocação de criar com a paixão pelo cinema. Foram muitas experiências profissionais, mas foi na Publicidade que se tornou detentor de muitos prêmios. Apesar de não esconder o orgulho dos reconhecimentos, guarda uma convicção: "É puramente profissional, nada me acrescenta pessoalmente. Não me tornei uma pessoa melhor após ter ganho tantos prêmios". Ser melhor, aliás, é a constante busca do publicitário, que não se considera realizado, pois acredita que ainda tem muito para fazer, criar e experimentar.
No ritmo da Propaganda

O início na Publicidade não foi fácil, ainda mais como redator. Michele trazia consigo as experiências na Folha da Tarde e na Rádio Continental e, com isso, os vícios jornalísticos o acompanharam. "Para escrever um anúncio de classificados eu usava duas folhas", brinca, para em seguida revelar que levou em torno de dois anos para aprender, de fato, boas técnicas de redação publicitária. Hoje, chega a ser obsessivo por aprender. Conforme suas palavras, a linha que diferencia Jornalismo de Propaganda é tênue, muito tênue: "A diferença é que o primeiro escreve e o segundo argumenta", simplifica.

O percurso no mercado da Propaganda ele considera "oscilante como os batimentos cardíacos: cheio de altos e baixos". A brincadeira é feita para explicar o vai e vem da carreira. Michele é quase um saltimbanco profissional. Ora esteve em Porto Alegre, ora em Santa Catarina, por vezes em Caxias do Sul, São Paulo e até Fortaleza. Nesse leque de experiências, passou por mais de 20 empresas, além de ter sido sócio-fundador da Área Comunicação, cargo que exerceu por cerca de um ano.

Entre muitas lembranças peculiares de cada local em que atuou, existem algumas que são citadas com maior emoção. A clássica campanha 'Paguei, quero nota', assinada pelo publicitário quando trabalhava na Centro Propaganda (hoje, Novacentro), é um orgulho pessoal. Fazer parte da equipe de uma das maiores agências do Brasil também motiva Michele a ser rico em detalhes: ele teve passagens pela MPM nas capitais gaúcha e paulista, como redator e diretor de criação daquela que foi, nas décadas de 70 e 80, a maior agência brasileira.

Ao reconhecer que quanto mais criativo, mais chances o publicitário recebe, é enfático ao afirmar que já foi muito requisitado no mercado e orgulha-se de não ter sido demitido uma vez sequer, eram sempre trocas por propostas melhores. Uma delas foi para trabalhar na Stúdio Uno, na região da Serra, e como estava resistente para aceitar, resolveu fazer diversas exigências estapafúrdias - como um carro do ano - e, para sua surpresa, todas foram acatadas. O desafio maior do convite era fazer da agência a mais premiada do Estado naquele ano. Missão dada, missão cumprida. Como diretor de Criação arrematou todos os prêmios nacionais dos quais participou.
Paixão por histórias

"Nunca é fácil escrever. Sentia-me angustiado na frente de uma folha branca e é engraçado que, mesmo com 30 anos de carreira, me sinto igual, só que agora na frente de uma tela", é o que diz Michele ao começar a falar da paixão por criar. Contar histórias é, sem dúvida, uma verdadeira vocação - e esta o publicitário tem de sobra. Descobriu o dom quando ainda trabalhava em um banco, cuja atividade não sabe descrever, e os colegas o cercavam no horário do almoço para ouvir o que ele tinha para contar. Os curiosos se fascinavam com as experiências dele, verdadeiras ou não.

As descobertas não pararam por aí. Foi atuando novamente em Caxias do Sul, desta vez na agência B52, que outra paixão foi despertada: ser ator. Não bastasse criar as campanhas do plano de saúde Fátima, Michele virou o garoto-propaganda, por insistência do cliente. "Passava na rua e as pessoas achavam que eu era médico (por conta do personagem) e até me questionavam sobre as coberturas do plano. Eu tinha que explicar que era só o garoto-propaganda", recorda.

Antes mesmo de conhecer o mundo das campanhas, ele adorava boas histórias, muitas delas retratadas nas matérias que escrevia para a revista nacional Intervalo. O tema era música e para cumpri-lo chegou a entrevistar artistas como Gal Costa, Maria Betânia e Roni Von. Sem falar nas bandas Impacto e os Boinas Azuis.
Das histórias à sétima arte

Houve um momento da carreira em que Michele cansou de atuar em agência e optou por sustentar a família com o que recebia de trabalhos freelancers, algumas licitações públicas e outras campanhas políticas - entre elas, a da primeira candidatura de Yeda Crusius ao Governo do Estado e a de Ana Amélia Lemos ao Senado. Tudo isso porque decidiu dedicar-se a contar histórias, agora, de fato. Começou escrevendo peças de teatro e a primeira, intitulada 'Bis', só rendeu prejuízo, mas foi um insucesso insuficiente para desanimar o futuro cineasta.

Da experiência surgiram as peças 'O Conselheiro' e 'O diário de Adão e Eva', os longa-metragens 'O Bonifácio', 'Amores Nus' e 'Scarlet' e as duas miniséries 'A lua vem da Ásia' e 'A Santa que não gostava de velas'. Como a vocação para criar não para, no momento prepara-se para lançar outra peça de teatro em São Paulo, que será produzida pelo ator global Marco Rica, 'Passagem para o paraíso é um inferno'.

Apesar daquela angústia em frente a uma tela branca, Michele garante que hoje tem muita facilidade para criar: "Houve um tempo em que eu pensava graficamente. Hoje, consigo pensar em imagens". Por outro lado, nem sempre a vontade vem sozinha, ela é frequentemente acompanhada pelo medo de perder a criatividade. "Tenho muito medo de ver a fonte secar, de envelhecer mentalmente", confessa, para em seguida reforçar que está sempre tentando se atualizar. O que faz para isso? Se mantém em constante exercício de imaginação, seja escrevendo, buscando sites na internet ou lendo.

Se tivesse que escolher entre tudo o que já realizou, nem pisca ao afirmar que optaria por cinema. Ele complementa a resposta acrescentando o teatro e a televisão, pois "uma fotografia em movimento" o fascina. A paixão é tamanha que o cineasta pensou em nunca mais retornar para a Propaganda, mas uma boa proposta unida ao pedido das filhas - a jornalista Betina, 30 anos, filha do primeiro casamento, e a publicitária Cristal, 25, fruto da segunda união - o fez voltar atrás. As duas insistiram com o pai de que esta sempre foi sua verdadeira vocação.
Inventando a vida

O quarto filho de oito - e o primeiro homem - é natural de Unistalda, então distrito de Santiago do Boqueirão, lugar pequeno que remete a uma infância gostosa e tranquila, ao lado da grande família. O pai José Caetano, falecido, e a mãe Paulina, com 86 anos, detinham muitos bens e os perderam em uma venda mal-sucedida. Esta situação de recomeçar do zero faz com que Michele relacione aos momentos diferentes, e por vezes desencontrados, da sua trajetória.

Apesar dos altos e baixos, há uma certeza que nunca mudou: o amor pelas filhas. "Elas são as minhas grandes paixões, muito diferentes uma da outra, mas sinto que, quando estamos os três juntos, elas se completam", se derrete o publicitário. A relação, segundo conta, é de cumplicidade e segurança, pois entende que este é o papel dos pais, dar proteção aos rebentos. Cansei de dizer às minhas filhas que eu sou como o toco que amarra navios: a qualquer momento elas se vão, mas sabem que, em dias de tempestades, estarei no mesmo lugar para acolhê-las", diz, para em seguida descrevê-las: "A Betina é mais retraída mas, ao mesmo tempo, muito bem-humorada. Já a Cristal é a sociabilidade em pessoa. Me divirto muito quando estamos juntos".

Michele mora sozinho e garante que não tem problemas com a solidão, pois se acha uma excelente companhia para si mesmo, brincando que seu mundo interior é bastante rico. Talvez isto explique o feriado que passou solitário, sem falar ou ver ninguém. "Tinha até me desacostumado com a minha própria voz." Mas nem só de solidão vive o profissional. Ele adora estar entre amigos, especialmente se estiverem acompanhados de café ou vinho: "Tenho vício por conversar, é o que mais me dá prazer."
Como é e do que gosta

Ser o mesmo dentro e fora do ambiente de trabalho é premissa de vida que, aliás, deve ser sempre divertida. "Sou muito feliz com o que faço e ainda ganho para isso, quer coisa melhor?", indaga, com a certeza de que seria infeliz em outra profissão. Infelicidade que é presente por morar em Porto Alegre, mas se engana quem pensa que é por não gostar daqui: apenas acha a capital gaúcha muito pequena, eis que se considera um adorador de cidades grandes.

Outros gostos são os filmes, os livros (uma média de 15 ao ano) e tudo aquilo que remeta à arte e à cultura, de preferência ligados à França e à Espanha. A música é o combustível diário, desde manhã cedo. "Tenho um ritual: pela manhã, após tomar banho, faço café e fico ouvindo música. Chego a levantar uma hora mais cedo para executar estas etapas", detalha. Ainda sobre as preferências, é gremista, mas apenas por herança do pai, pois não sabe o nome dos atletas, não assiste aos jogos e se nega a discutir futebol. Considera-se um eclético em gastronomia, mas sobre cozinhar tem um prato preferido: massa. "Nunca reclamaram, mas também nunca deixei. Sempre digo: nada de sinceridade, basta elogiar", brinca.

Não tem preferência partidária, diz que vota em pessoas e se identifica em diversos aspectos com diferentes partidos. Religião também não está em sua rotina, pois é ateu convicto e não se incomoda com isso. "Acredito é nas pessoas", resume, para acrescentar que se considera uma boa pessoa, para ele mesmo e para os outros. Por conta disso, tem dificuldades de dizer não: "Já me disseram que sou generoso, mas não entendo bem o que isso significa. Acho que as boas ações são vaidosas, mesmo que isso não me impeça de fazer o bem." Como seria uma síntese de Michele Caetano, então? Ele pensa, repensa, suspira e larga: "Me considero um homem contraditório".
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