Thiago (Cabelo) Ferreira: deboche emocionado
Publicitário e um dos sócios da Matriz, não cria só campanhas - cria também histórias, risadas e reflexões embaladas em ironia fina e coração escancarado
                                        
                                        
                                        Autêntico, expansivo, dono de uma inteligência inquieta e de uma sensibilidade que se disfarça em ironia, Thiago "Cabelo" Ferreira é daqueles que transformam qualquer conversa em espetáculo. Publicitário por vocação, cozinheiro por prazer e filósofo por insistência, ele fala gesticulando, ri alto e tem a rara habilidade de deixar qualquer um à vontade, inclusive quando está debochando de si mesmo. Ou dos outros. O humor é abrigo, escudo e canal de afeto.
É emoção com riso, intensidade com leveza. Um homem que, antes de tudo, sente, e depois pensa no que fazer com tudo isso. Ah, e nesse tudo isso, sobra irreverência. Repertório de essência.
Quase um revolucionário
Nascido em Porto Alegre em 14 de julho de 1979, mesma data da Revolução Francesa, o que ele gosta de lembrar com ironia, Thiago cresceu cercado de referências criativas e liberdade de pensamento. Filho de Fernando, engenheiro da Ipiranga, e de Ana Maria, arquiteta e artista, o irmão mais velho de Mariana aprendeu cedo que hierarquia se conquista, não se impõe.
As lembranças mais vívidas vêm dos natais em São Lourenço, próximo a Cachoeira do Sul, na chácara da família materna. Lá, o menino vivia "o privilégio da infância feliz": banho de rio, futebol, piscina e nove primos da mesma idade correndo, brincando e jogando conversa fora. Repertório de afeto. Dali trouxe o gosto pela convivência, e talvez a certeza de que boas histórias sempre nascem quando há gente por perto, como nos melhores roteiros de fim de ano.
Ousadia de início
O início de carreira foi tudo, menos previsível. Sem estágio e com um ano de desemprego nas costas, Thiago encontrou o primeiro emprego de um jeito absolutamente... Cabelo. Ops! Espera, pareceu meio sem sentido? Nada é sem sentido para um homem que busca solução para tudo. Sem deixar o bom humor de lado.
Num dia qualquer da ESPM, onde fazia uma especialização em Criação, viu no corredor um cartaz de um homem sentado na privada, com mãos engessadas, anunciando: "Alguém precisa fazer o serviço sujo". Cansado de ouvir "não" por falta de experiência, ele mandou o seu contato escrito num papel higiênico (com caneta Bic) para a extinta agência Overcom. Foi contratado. "Entrei na propaganda por causa de um papel higiênico, o que faz todo sentido, porque já fiz muita m*rda", comenta, gargalhando. Repertório de irreverência.
E o cabelo? quanta diferença!
Ele queria ser só Thiago, resistiu ao Cabelo, mas usou seu infalível bom humor e deboche para assumir o apelido, que chegou no primeiro dia de "trabalho sujo". O despertador não tocou e o novato assistente chegou à agência sem banho, depois de caminhar apressadamente, pegando um vento, sem sequer ter visto uma escova nos cabelos, que naquela época eram compridos, estilo argentino. Assim que entrou, ouviu de alguns colegas: "Que cabelinho, hein? Ô, Cabelinho, Cabelinho". O jogo vira, não é mesmo? Desta vez, ele era o alvo: o Thiago? Não. O Cabelo.
E no meio dos dois, o poder invisível, mas presente: a capacidade de acreditar que sonhos se realizam. Todos os dias, no caminho de volta para casa, aumentava deliberadamente o trajeto só para passar em frente ao prédio da DCS e contemplar o quarto andar. "Eu ainda vou trabalhar ali", pensava, olhando para o prédio como quem lê o roteiro de um filme que ainda não estreou.
Até que, num dia qualquer, estava com o ingresso do cinema do Moinhos Shopping na mão, o filme ia começar, quando o telefone tocou: era da DCS. Sem pensar duas vezes, deixou o bilhete do cinema para trás e atravessou a rua direto para o quarto andar, onde faria a entrevista. O sonho, finalmente, batia à porta. Repertório de poder.
Um coração a pulsar
"Finalmente, estou conhecendo o cara que faz meu pai chorar no fim do ano", foi o que disse a Beto Philomena quando o conheceu. Mas ele já tinha dado seu "sim" a Marcelo Pires, da Competence, onde ficou por 10 anos. As ideias e o coração só pulsariam na Matriz anos depois.
E se é para falar em momentos marcantes na sua trajetória, além dos prêmios de Redator do Ano e de Criação, da Associação Riograndense de Propaganda (ARP), ele orgulha-se especialmente da última campanha de Natal do Zaffari, produzida no fim do ano passado, que retratou a infância do Papai Noel.
Cozinha como criação
Cozinhar é um ritual para Thiago. Não se considera chef, mas cozinheiro de alma: inventa receitas, ajusta temperos no olho, transforma massas, camarões e churrascos em experiências sensoriais. Para ele, cozinhar é mindfulness com cheiro de alho refogado, um ato de amor e atenção plena. Tudo isso regado a música variada: Rolling Stones, samba de raiz, jazz ou meditação sonora. Repertório de cores, sabores e amores.
Humor é escudo e lente. Ele observa, ri, acolhe e transforma qualquer experiência em aprendizado. Mistura filosofia oriental, estoica, budista e física quântica com a vivência cotidiana. "Quando parei de tentar controlar tudo, passei a me sentir mais no controle." A leitura, a meditação e os rituais diários lhe dão clareza mental.
 Repertório de observação.
Família, paternidade e conexão
Casado desde 2018 com Cristina, a "Tina", como chama com carinho, Thiago conheceu a futura esposa na casa noturna Ocidente, durante a Copa do Mundo de 2014. Juntos, tiveram Cecília, e depois adotaram a Mel Guajuviras, uma vira-lata resgatada durante as enchentes no bairro de Canoas. A ideia partiu após uma campanha da própria Matriz para o Governo do Estado.
A rotina hoje é bem diferente dos tempos do namoro: acorda cedo, prepara café passado e um suco "explosão de saúde", alonga o corpo e lê antes das meninas acordarem. Depois, divide-se entre trabalho, família e os rituais de autocuidado que aprendeu na marra, após enfrentar crises de ansiedade, burnout e dores físicas. "Hoje quero viver a extravagância da simplicidade", diz.
Natação, cuidados com a filha e momentos dedicados à família são indispensáveis. Thiago acredita que se conectar com quem ama é fonte de energia para criar e viver bem. O repertório de amor é tão vasto que o melhor elogio que lembra de ter recebido veio dos votos de Tina no dia do casamento. E só transborda quando escuta Ceci chamá-lo de tatai (papai). O vocabulário da pequena cresceu, mas o apelido carinhoso ficou. E deixou tatai se derretendo.
Após passagens por agências como DCS e Competence, onde se tornou diretor de Criação e recebeu prêmios como Redator do Ano, do 'Prêmio Colunistas', em 2010, e Profissional de Criação do Ano do 'Salão ARP 2013', Thiago entrou na agência Matriz em 2015 e tornou-se sócio recentemente. Lá, equilibra emoção e estratégia, criatividade e gestão. A disciplina adquirida depois de crises de burnout e ansiedade transformou seu dia a dia: listas de tarefas, planejamento de médio e longo prazo e tempo para autocuidado. Repertório de experiência e maturidade.
Projeto futuros
E é a soma de todos esses repertórios que constituem Thiago. Ele defende que somos o acúmulo de histórias, emoções, erros, acertos, encontros e absurdos que se vive e se transforma em aprendizado. Entre gargalhadas e provocações, ele repete seu mantra - e o do poetinha Vinicius de Moraes em Samba da Bênção: "É melhor ser alegre que ser triste". Rir é cura, humor é energia, e deboche é ferramenta de vida. Thiago transforma encontros, histórias e experiências em repertório para criação, pessoal e profissional.
Seus projetos futuros são extensão de tudo isso. Ele tem rabiscado livros infantis, pensa em roteirizar um curta sobre burnout e sonha com uma pousada à beira-mar, ou, quem sabe, um restaurante intimista onde cozinhará para poucas pessoas. Cada projeto é um exercício de imaginação e criação consciente, refletindo a intensidade e a alegria com que ele vive a cada momento.
                
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