Tibério Vargas: Aí vem um romancista

De jornalista de redação a professor, hoje seu maior prazer é cometer textos literários

Meticuloso talvez seja a palavra que melhor represente o estilo de Tibério Vargas. Jornalista, professor universitário e escritor nato, Tibério tem profunda intimidade com o universo dos vocábulos, e é alguém que, acima de tudo, aprecia uma boa leitura e o ato de "jogar idéias no papel". "Escrevo sistematicamente e não abro mão disso, porque acho que escrever é a única coisa que eu sei fazer. Então este é o meu desafio: manter-me escrevendo. É vital", exalta Tibério. Com passagens pela editoria de Polícia dos jornais Folha da Tarde, Correio do Povo e Zero Hora, aos 59 anos ele confessa ter escolhido o jornalismo simplesmente porque sempre gostou de escrever. "É tudo perda de tempo, a não ser ler e escrever", elucida.


Tibério Vargas Ramos nasceu em 24 de setembro de 1948, em Alegrete. Veio para Porto Alegre aos 18 anos, com a intenção de cursar engenharia, mas logo desistiu porque se deu conta que não tinha vocação. "Eu tinha facilidade pra matemática, mas acredito que mais porque eu tenho raciocínio lógico", explica. Ainda jovem, optou por seguir a mesma profissão do pai, Gaudêncio Machado Ramos, que foi correspondente do Correio do Povo durante 25 anos, além de aviador e funcionário público. Envaidecido, conta que o grande orgulho da família é o fato de o aeroporto de Alegrete levar o nome do pai, devido à sua contribuição à aviação civil no Rio Grande do Sul.


Casado há 26 anos com Wolmy, Tibério tem um filho, Rodrigo, de 31 anos, também jornalista, fruto do primeiro casamento. E ainda é avô de Amanda, de 15 anos.


Nas páginas policiais


Tibério estudou na Faculdade de Comunicação Social (Famecos) da PUC, onde concluiu, em 1971, o curso de Jornalismo. Sua primeira experiência profissional foi na redação de Zero Hora, onde ingressou em 1969, como repórter da editoria de Geral. Em 1970, foi trabalhar como repórter de Polícia na Folha da Tarde, a convite de Antônio Gonzales, na época editor. Ali permaneceu até 1980. "Eu costumo dizer que foram os meus melhores anos de vida, pois eu tinha apenas 20 e poucos anos", considera o jornalista, que, na época, já delineava sua trajetória na área policial das redações.


Em 1981, Tibério passou a atuar no Correio do Povo como editor de Polícia. Até que em 1983 acabou perdendo o cargo por ter participado da greve na Caldas Junior. Neste meio-tempo, foi redator de Política e redator de Capa. "Como eu escrevia bem, aos poucos eu fui sendo perdoado", brinca Tibério, que, pouco antes do fechamento do Correio do Povo, em 1985, chegou a ser editor Nacional. "Aí já tinham me perdoado completamente", acrescenta. Neste ano, o jornalista retornou à Zero Hora, desta vez como editor de Polícia, onde trabalhou até 1992.


O drama da vida real


"Eu não me preparei para fazer Polícia", declara Tibério, ao confessar que não tinha o costume de ler a editoria antes, nem durante e menos ainda depois de atuar nela. Mas salienta que lia, eventualmente, "por obrigação", grandes matérias. "Eu sempre gostei de escrever Polícia, de romancear a história, mas nunca gostei de ler", explica o jornalista, que quando começou a atuar na editoria, constantemente acabava entrando em estado de choque quando se deparava com a morte, por exemplo. Mas Tibério garante que depois acabou se acostumando. Claro, sem tornar-se insensível e sem perder a inquietação, aprendendo a manter sempre a neutralidade e a objetividade.


Porém, Tibério não imaginava que em seu caminho estava uma pauta que marcaria os seus dias pra todo o sempre. Em 1974, quando estava fazendo mais uma reportagem policial, identificou o corpo do irmão, na época com apenas 17 anos, que havia sido assassinado. "A vida nos prega peças que não superamos pro resto da vida? foi algo muito doloroso, que eu não desejo pra ninguém", afirma o profissional, que chegou a pensar em deixar de fazer Polícia, mas decidiu retomar a vida e seguir atuando na área.


O gosto por ensinar


Logo que se formou, Tibério chegou a pensar em voltar para Alegrete, já que o salário que recebia trabalhando na Folha da Tarde não era suficiente. Mas Gonzalez achou uma solução conveniente para que o jornalista permanecesse na Capital: em 1972, ele ingressava na PUC como representante da Famecos no conselho editorial do Mundo Jovem, um jornal da Teologia. "Nesta época, por incrível que pareça, eu trabalhava na Polícia e editava um jornal católico", contrapõe. Já em 1973, a instituição de ensino criou o setor de Assessoria de Imprensa, no qual Tibério também passou a atuar. O jornalista começou a lecionar em 1977, sempre trabalhando, paralelamente, em redações de jornais.


Quando saiu de Zero Hora, Tibério repensou seus planos profissionais e resolveu investir na docência. Desta forma, o professor, que só dava aulas pela manhã, aumentou a carga horária na PUC. "Claro que num primeiro momento eu sonhava com as redações, com o jornal, porque fica "aquilo", né?? E hoje eu te confesso que quando eu sonho com jornal, é pesadelo", brinca o profissional, que durante 23 anos ininterruptos atuou nas redações, mas que atualmente não abre mão de desfrutar dos benefícios que a docência lhe proporciona, como finais de semana tranqüilos e férias mais longas.


Cotidiano organizado


Tibério tem uma rotina bastante regrada. "Eu faço sempre as mesmas coisas nos mesmos horários", afirma. Durante a semana, todas as manhãs e noites de Tibério são destinadas à PUC, onde ele leciona as disciplinas de Edição e Redação no curso de Jornalismo, e também Redação para Relações Públicas. Ainda é responsável pelo Hipertexto, jornal-laboratório produzido por alunos. As tardes são livres, destinadas a atividades variadas como caminhar, fazer ginástica e resolver questões domésticas, já que mora em uma casa. Tibério dedica as noites de sexta-feira e sábado para escrever, enquanto as manhãs de sábado e domingo são destinadas à leitura.


"Eu costumo dizer que eu vou vivendo por etapas, então, passou a fase que o jornalismo era a coisa mais importante da minha vida e o resto era pra sobreviver", diz ele, ao mesmo tempo em que avalia o magistério como a coisa mais importante de sua vida no momento, enquanto já traça novos rumos para uma terceira etapa: "Desde 1984, eu escrevo, metodicamente, literatura. Teve uma época em que na quinta-feira pela manhã eu não dava aula. Então, era o dia mais feliz pra mim, porque eu acordava na mesma hora que ia dar aula, e escrevia a manhã toda". Por isto, agora planeja a nova fase, definida por ele como "Uma terceira vida", que é tornar-se um escritor.


Um romancista


A realização deste sonho acontecerá a partir da publicação de seus escritos, acumulados há mais de 20 anos. O acervo é suficiente para, pelo menos, um livro de conto, uma novela literária e um folhetim. Recentemente, Tibério resolveu procurar saber como funciona este processo, e - decepcionado - acabou descobrindo que, regra geral, são os autores que pagam seus livros e que a distribuição das obras é precária. Mesmo deparado com o dilema, o jornalista já decidiu: vai publicar os livros. E já adianta os títulos provisórios: "À sombra dourada" para o folhetim; "O general e a comunista" ou "Bodas de porcelana" para o livro de contos; e "Santa despida" ou "Santa nua", para a novela literária.


Ele conta que as obras já foram lidas e aprovadas por amigos como Juremir Machado e Antônio Hohlfeldt. Os textos permeiam a sensualidade e o erotismo. "Eu comecei a escrever porque gostaria de fazer romances que fossem picantes, que tivessem sensualidade, erotismo, surpresas?", revela sobre o estilo do seu texto literário. Nelson Rodrigues e Hemingway são autores que inspiraram seu trabalho. "O que eu procuro ser diferente de Nelson Rodrigues é não ser tão conservador nos conceitos sobre a vida e na dramaticidade", contrasta. Mas Julio Cortazar, Juan Carlos Onetti e Juan Rulfo são os escritores que inspiram e norteiam a criação de Tibério. "Eu procuro fazer da literatura uma coisa à parte de mim. Não são confissões, eu crio um mundo fictício", esclarece, destacando que aprecia Machado de Assis, Graciliano Ramos e Gabriel Garcia Marquez, entre outros.


Na seqüência destas três publicações, o jornalista já tem pronta, desde 2006, uma quarta obra. "O poder e a submissão" é um misto de ficção e realidade, um inventário de coisas que viu e viveu pelas suas andanças entre Porto Alegre, Uruguaiana e Alegrete.


Momentos memoráveis


"A minha infância balizou muito a minha vida", destaca Tibério, que se criou na casa do avô, figura política da cidade. "Era uma casa muito freqüentada por políticos do PTB. Então, no golpe de 1964, eu tinha 14 anos, mas era supermaduro como ser político". Com isto, é natural que, quando criança, brincava de fazer comícios. Na época de faculdade, chegou a participar da Ação Popular (AP), uma organização político-partidária formada por militantes católico-marxistas. No começo, o movimento pregava a liberdade de imprensa e era contra a guerra do Vietnã, entre outras causas. Mas quando a AP passou a ser a favor da luta armada, o que incluía assaltos a bancos, Tibério deixou de fazer parte do grupo. "Eu achei uma delinqüência, pois sempre tive convicções muito sólidas, de família", justifica.


E de certa forma, a vida de Tibério ainda está muito ligada ao passado. "Eu tenho vínculos que eu não abro mão. Um dos "brinquedinhos" é a casa de Alegrete, que era do meu avó, e que continua minha. Ela está fechada, com alarme monitorado, e eu vou uma vez por mês passar o final de semana, acender um fogo na lareira, tomar um vinho, ir até a praça e reencontrar os velhos amigos?", conta, acrescentando que não há dinheiro no mundo que pague o prazer de momentos como este. Ao mesmo tempo em que não deixa de reviver sua história, Tibério deixa claro que não pretende, sob hipótese alguma, voltar a morar em Alegrete. "Até porque eu não abro mão de Porto Alegre, até por causa do Internacional", diz, colorado convicto.


O garimpeiro de tangos


Nas horas vagas, Tibério aprecia ler e ouvir música. "Eu leio enquanto tomo chimarrão e escuto música enquanto tomo vinho", descreve. Entre suas preferências musicais estão a bossa nova, o jazz, o tango e o bolero. "Eu gosto demais de Tango. Sou um garimpeiro, e, pra alegria minha, eu tenho descoberto muita coisa". O Litoral gaúcho também é uma das opções quando quer desfrutar de momentos de tranqüilidade e lazer. "Sempre fui movido por pequenas ambições", revela Tibério, que durante muito tempo desejou ter uma casa na beira da praia. O desejo se concretizou, com a construção de uma bela morada na praia de Guarani.


Tibério é contundente ao falar sobre realização. "Realizado mesmo eu não me sinto. Quero fazer outras coisas. Como todo Vargas, eu tenho as minhas angústias, as minhas depressões? eu sempre digo que ao entardecer de domingo, ou eu tomo uma cerveja ou eu me mato. Então, geralmente, eu tomo uma cerveja", brinca.

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