Wilson Müller: Um homem do bem

Jornalista fala sobre os 60 anos de profissão e da experiência de entrevistar grandes nomes políticos

Por Márcia Farias
Advogado por formação e jornalista por vocação. Assim pode ser definido o vice-presidente da Associação Riograndense de Imprensa (ARI), Wilson Rocha Müller. Após 60 anos dedicados ao Jornalismo, o pai do Wilson, do Francisco e do Fernando garante que se sente realizado como profissional. O motivo? Os amigos que conquistou. Por estas pessoas é chamado de 'o quarto poder da Praça da Matriz', uma referência aos órgãos centralizados próximo ao seu apartamento, na rua Riachuelo, onde mora há 30 anos.

Com 81 anos, os olhos azuis ainda brilham ao recordar feitos da carreira. O mais velho dos irmãos Müller - juntam-se a ele o dentista Democratino e o funcionário público Niso - nasceu em Cruz Alta e mudou-se para Porto Alegre, aos 16 anos, com o objetivo de estudar Direito. No ofício, atuou como procurador do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) e no Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer). Apesar das experiências, a dedicação maior e o entusiasmo foram para o Jornalismo, onde exerceu atividades paralelas às funções administrativas.

Ao mesmo tempo em que exalta a honestidade, que acredita ser a maior virtude de um homem, Wilson revela que adora falar da sua vida, mesmo enfatizando que trata-se de uma expressão de vaidade. E durante toda a entrevista, reforça a mesma frase, visivelmente emocionado: "Só tive experiências boas". Cidadão Emérito de Porto Alegre, afirma também que para ser um bom jornalista deve-se ter competência. "Sem isso, não se faz nada. E para alcançar esta qualidade, basta estudar", acredita.
Caminhos percorridos

Wilson Müller escreveu sua história profissional basicamente no extinto Diário de Notícias (pertencente ao grupo de jornais de Assis Chateaubriand) e no Grupo RBS. No primeiro emprego, que marcou o início da carreira, atuou por 14 anos. Já na RBS, onde nos anos 70 e 80 exerceu a função de assessor direto do então presidente do grupo, Maurício Sirotsky Sobrinho, permaneceu por 18 anos, e considera que o tempo é a sua "segunda fase de Jornalismo", referência por ter tido contato com todos os cargos do veículo e pela oportunidade de representar Maurício em diversos eventos. Não bastasse a longa dedicação, mesmo quando deixou a empresa, manteve durante um bom tempo a coluna 'Gente & Negócios', ainda hoje veiculada semanalmente aos domingos.

Apesar das duas extensas experiências, engana-se quem pensa que o velho guerreiro limitou-se a elas. Devidamente adaptado a Porto Alegre, Wilson foi nomeado correspondente do Jornal Diário Serrano, de Cruz Alta. Em um tempo em que Internet não existia nem em ficção, ele conta que sua participação no veículo era semanal e suas produções, que resumiam-se em notícias de interesse geral, crônicas e entrevistas, eram enviadas pelo correio. Na Capital, nos anos 60, passou também pelo Jornal do Dia (pertencente à Igreja Católica) e pelo Jornal da Noite, lançado por Leonel Brizola.

A experiência no setor político levou-o a se eleger vereador de Cruz Alta pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), em 1955. Apesar do cargo, exercia suas funções parlamentares em Porto Alegre.
Entrevistas memoráveis

Presidente da Câmara de Turismo do Rio Grande do Sul há seis anos, Wilson confessa que adora viajar, mas que não o faz com tanta frequência por falta de convites. A paixão por botar o pé no mundo o tornou especialista em Turismo. O assunto lhe rendeu comentários semanais na Rádio Guaíba, no programa 'Guaíba do Dia', e uma coluna no Jornal do Comércio. Do Brasil, são poucos os lugares importantes que não conhece. Na Europa, diz ter visitado os principais países, como França, Itália, Alemanha, Portugal e Espanha, enquanto na América Latina garante que conhece todos os países.

Apesar das viagens serem sempre profissionais, foi em uma rara oportunidade de lazer, em Paris, que ele conseguiu uma entrevista exclusiva com Delfim Neto, então ministro da Fazenda. Conseguiu fazer com que o então poderoso ministro tratasse apenas de assuntos do Rio Grande do Sul na entrevista. Claro que ganhou a manchete do Diário de Notícias e, no dia seguinte, os jornais concorrentes solicitaram a autorização do repórter para veicular a entrevista exclusiva com o político.

Quando fala neste assunto, adianta que realizou incontáveis entrevistas com políticos importantes para a época, já que, relembra ele, o acesso a estes nomes era mais fácil naqueles tempos. Getúlio Vargas também foi alvo de Wilson. Era 1950 quando Fernando Ferrari morreu, em Alegrete, e Getúlio viera para seu enterro. Ao descer do avião, o jornalista estava a postos. Ouviu do político: "O que tu queres, rapaz?", no que respondeu: "O senhor será candidato à Presidência da República?". A resposta rendeu um furo de reportagem: "Se o cavalo passar encilhado, eu monto. Não sou candidato, mas, se convidado, serei."

Aliás, foi no campo político que Wilson produziu sua primeira reportagem. Foi sobre a morte do então candidato ao governo do Rio Grande do Sul e ministro da Aeronáutica, Salgado Filho. Juscelino Kubitschek, João Goulart e Leonel Brizola, entre outras personalidades, também foram sabatinados pelo jornalista. Em função do trânsito entre os parlamentares, foi dele a primeira coluna sobre política na imprensa gaúcha, a 'Raio-X', que era veiculada no Jornal da Noite. "Antigamente era mais fácil ter acesso a estas pessoas. Porto Alegre ainda era muito pequena, mas mesmo assim, sempre encarei as entrevistas como o maior desafio", explica.
Hoje em dia

É em casa que Wilson passa a maior parte do seu tempo. O chimarrão matinal é sagrado e para tal hábito reserva duas cuias. "A pequena é para quando estou sozinho, a grande uso quando tenho companhia", detalha. Aos 81 anos, concentra a família por perto. A casa é chamada de base de encontros, uma brincadeira sobre a frequência com que recebe a visita dos três filhos e dos sete netos. A presença da namorada Jaqueline, com quem está há quatro anos, funciona como uma garantia de informações corretas. É ela quem o lembra de detalhes do que conta, e também é ela quem guarda o currículo, os artigos e colunas, as matérias inesquecíveis e outros tantos papéis que documentam a trajetória profissional.

A leitura é parte fundamental na vida dele, e, para conservar isso, dedica, pelo menos, seis horas do dia para devorar todo tipo de publicação. Ler jornais de manhã cedo está entre as manias adquiridas com o tempo. Hoje, lê dois diários locais e, pelo menos uma vez por semana, faz questão de comprar um jornal do centro do país. Os livros o acompanham por todos os cantos da casa, onde mantém, inclusive, uma biblioteca particular. Assunto preferido? Não tem. As obras, que faz questão de mostrar e resumir do que se tratam, contemplam de Jornalismo Esportivo, Manual de Cerimonial e Protocolo, Poesias e Pré-Sal até Maçonaria, ordem da qual já fez parte, mas atualmente não frequenta mais. Mesmo com a paixão pela leitura, Wilson admite que escrever um livro não está entre os seus planos. "Dá muito trabalho, tenho preguiça", confessa.

Viúvo há mais de 10 anos de Teresinha, que era professora de Filosofia, Wilson é incentivado pela namorada a contar o motivo do casamento. "No tempo em que namorávamos, eu dizia que só ia casar se ganhasse na loteria, pois não tinha dinheiro para isso. E não é que eu ganhei mesmo? Me ferrei", brinca. Ele não recorda o valor exato, mas acha que se aproxima a R$ 1 milhão, em valores atualizados. Por causa da sorte levou o matrimônio adiante e ainda adquiriu um carro e um apartamento.

As amizades conservadas são consideradas as maiores heranças da carreira. Nas palavras da governanta Ivonete, que trabalha em sua casa há quase 40 anos, ele é "tudo de bom". A frase é reafirmada por Jaqueline, que derrete-se em elogios ao companheiro. "É uma pessoa maravilhosa, inteligente, culta e muito carinhosa. É muito fácil de conviver com ele, pois dentro da simplicidade dele, ele sabe ensinar." Sobre os adjetivos a ele atribuídos, Wilson só tem uma resposta: "O importante é fazer o bem".
N. R.: Este Perfil foi publicado em 05/11/2010. Wilson Müller faleceu em 25 de janeiro de 2013.
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