Antônio Oliveira: Uma trajetória de lutas

Na infância, ele mesmo trocou a roça pela capital. Mais tarde, foi até Moçambique ensinar a camponeses o caminho da inclusão.

01/02/2007 00:00

Assim pode ser descrita a trajetória de Antônio Manoel de Oliveira, que, ainda criança, teve de enfrentar a timidez, o trabalho na roça e a insistência dos padres em levá-lo para o seminário. Nascido a 13 de junho de 1944, o caçula de oito irmãos era um menino muito tímido, que conseguiu vencer o problema participando do grupo de teatro de sua escola. Porém, a pequena Imbituba, interior de Santa Catarina, só oferecia ensino primário e Antônio se viu logo sem estudo e sem alternativa que não fosse fazer o roçado ou entrar para a vida religiosa. A salvação veio não do seminário, mas com a visita do primogênito da família, Inácio, 23 anos mais velho, que levou o irmão de 12 anos de idade para Porto Alegre, onde morava.

A capital gaúcha era outro mundo para Antônio: "Me considero um sujeito de muita sorte, porque saí de lá, do meio do mato, e as coisas já foram acontecendo", reconhece. A primeira pessoa que conheceu na cidade foi o roqueiro Marquinhos, o Fughetti. Em seguida, descobriu que sua vizinha, com quem pegava ônibus todos os dias, era a cantora Elis Regina. O mundo da música encantava o jovem, a ponto de participar de programas de calouros na Rádio Itaí. "A Elis fez o show de encerramento do programa, no qual me dei muito mal. Não consegui nem terminar a música", ri. Com o fracasso da carreira musical, Antônio e seus amigos deram início a um grupo de teatro humorístico. Ainda nesse período, se aventurou pelas radionovelas, já em fase de decadência: "Os personagens até mudavam de voz", diverte-se ao lembrar.

Tiros com Lamarca

Aos 18 anos, foi convocado para servir as Forças Armadas. Disposto a vencer o medo de altura, alistou-se para o Pára-quedismo. Fez todos os testes e passou para segundo tempo, mas como não pretendia seguir carreira militar e queria logo livrar-se do serviço, apresentou-se para a Polícia do Exército, onde foi cabo. Estava no quartel quando foi deflagrado o golpe militar, em 1964. Ficou 15 dias sem poder deixar o local. Antônio conta que tudo mudou na instituição: "Tínhamos um jornalzinho no quartel, um jornal-mural. No dia 1º de abril, ele desapareceu, nunca mais soubemos dele", conta. Mas o mais curioso sobre sua estada no Exército foi o convívio com o instrutor de tiro: "Era Carlos Lamarca! Convivi com ele, dentro do quartel, sem saber de nada do que ele fazia. Só fui conhecer a atuação revolucionária de Lamarca anos depois, quando já trabalhava em jornal".

Antônio cursava o Clássico e, terminado o Exército, certo dia um amigo chegou com um folheto da PUC, sobre o curso de Jornalismo. Era 1966, resolveu inscrever-se para o vestibular. Passou e teve como colegas Ana Amélia Lemos, Geraldo Canali, Marques Leonam, João Brito, entre outros: "O problema de citar nomes é que eu sei que vou acabar esquecendo alguns", admite. Ter optado pelo Jornalismo fez com que Antônio fosse dispensado de seu emprego. Atuava no setor de faturamento da fábrica das Camisas Bier e seus chefes entenderam que estava se encaminhando para uma área que não era afim, que deveria cursar Economia ou coisa do gênero.

"Vai capturar"

Antônio não se abalou, tirou férias e, na volta, se apresentou para uma vaga no departamento comercial de Zero Hora. Virou vendedor de anúncios nos cadernos especiais do jornal: "Por sinal, me dei muito bem", gaba-se. Mas acabou se desentendendo com o diretor do setor, que ficou com a comissão de uma venda efetuada por Antônio. O chefe não queria ver seu funcionário deixar a empresa brigado, mas o jovem explicou que sairia mais cedo ou mais tarde, já que queria ser jornalista. Assim, foi indicado para a redação de ZH. Chegou causando polêmica, pois foi o primeiro a receber salário já com o reajuste que seria oferecido aos jornalistas. Até que toda a equipe entendesse que eles também receberiam aquele valor, Antônio foi pivô de uma crise interna. Passado o susto, sua primeira pauta foi "Vai capturar". Ele capturou: descobriu que a Polícia daria uma batida nos mini-snookers da cidade. O chefe de reportagem adorou a pauta, tanto que passou para um repórter mais experiente e a matéria foi capa do jornal, para o lamento do jovem foca.

Mas esse início frustrante não gerou traumas. O jornalista permaneceu no Grupo RBS por 16 anos, tendo atuado ainda na rádio e na então TV Gaúcha. "Passei por todas as editorias de ZH, só não fiz Política. Também fui pauteiro, repórter, editor, chefe de reportagem?", enumera. Na televisão, participou da edição do bloco local do Jornal Nacional, que existia na época. Mas o momento que considera mais glorioso na empresa foi quando Carlos Bastos e Lauro Schirmer assumiram a redação do jornal: "Formou-se uma equipe de respeito, que acho que não vi melhor depois disso. Tinha Sérgio Caparelli, Pedro Maciel, Luiz Cláudio Cunha, Ademar Vargas de Freitas, Gilberto Leal, Beatriz Marocco? Devo estar esquecendo alguém. Começamos um projeto novo, para esquecer aquela fama de que "se espremer sai sangue". Valorizamos muito a grande reportagem, nas páginas 2 e 3, e a reportagem fotográfica, que ia na central. Isso marcou época e catapultou Zero Hora", analisa.

Sindicatos contra a ditadura

Em 1974, Antônio Gonzales era o presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado. Haveria eleições para a nova diretoria e a chapa encabeçada por João Souza convidou Oliveira para secretário. Foram eleitos. "Fui um secretário relapso, reconheço". Ainda assim, na eleição seguinte, foi indicado para presidente, sendo o primeiro candidato de fora da Companhia Caldas Júnior. Ganhou e teve uma atuação importante. "Foi uma direção diferenciada. Discutiu-se uma participação maior da entidade junto ao movimento intersindical, que era um palavrão para a ditadura militar. Nossas reuniões eram clandestinas", recorda. Nesses encontros, conheceu o ex-governador Olívio Dutra, então presidente do Sindicato dos Bancários, e Luiz Inácio da Silva, o hoje presidente Lula, que representava os metalúrgicos do ABC paulista.

"Considero aquele o movimento mais importante dentro de toda a luta pela derrubada do regime militar. A intersindical deu suporte para as lutas de São Bernardo e outras regiões", avalia. Nessa época, junto com um grupo de mais seis pessoas, Antônio percorreu todo o Rio Grande do Sul - "com o dinheiro do próprio bolso!" -, recolhendo assinaturas de sindicatos para um manifesto contra a ditadura dirigido ao Poder Legislativo. Conseguiu 108 adesões e ainda o apoio de Zero Hora, que deu duas páginas ao assunto. Antônio, que nunca deixou a redação para se dedicar apenas ao sindicato, não concorreu à reeleição, mas foi depois conselheiro da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas).

De castigo

Passada a atuação sindical, Antônio começou a se sentir "engessado" na redação de Zero Hora. Pediu a editoria de cadernos especiais e foi atendido, mas entregou o cargo quando os títulos de uma edição especial sobre a anistia foram alterados sem que fosse consultado. Assim, assumiu a Internacional, uma zona de renegados: "Ficávamos ali, no centro da redação. Era uma turma de gente ligada ao sindicato, principalmente. Depois de três anos nessa situação, queria voltar a fazer Jornalismo, não ficar ali colando telex", justifica. Foi quando apareceu o amigo Licínio Azevedo, que morava em Moçambique e estava convocando dois jornalistas para atuar num projeto lá. Era 1984. "Me apresentei e, em uma semana, estava embarcando", explica Antônio, que levou consigo a esposa e a filha Mariana, de um ano de idade.

O outro jornalista que completava o grupo era Osmar Trindade, então presidente da Coojornal (Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre), da qual Antônio foi vice. Pouco tempo antes, quatro jornalistas da entidade tinham sido presos: "Foi um período terrível, quando prenderam o Elmar (Bones), o Rafa (Rafael Guimaraens), o Trindade e a Rosvita (Saueressig). Só nos sobrou enfrentar a situação e tirar o pessoal da cadeia. Fizemos um movimento nacional para alertar sobre o que estava acontecendo", rememora. "Acho que a Coojornal ainda não recebeu uma análise profunda do que ela representou e de sua evolução. A cooperativa nasceu como um movimento profissional, mas ao mesmo tempo político, sofreu todo tipo de ameaça e perseguição. A parte política foi muito bem cumprida, mas na hora em que houve a abertura política, não soubemos encontrar a saída para mantê-la como projeto profissional e comercial que se inserisse no mercado. Nós, jornalistas, falhamos nisso", pondera.

Correspondentes populares

Em Moçambique, ficou cinco anos e meio. O trabalho realizado nas aldeias era o de formação de correspondentes populares e fazia parte da implantação do Gabinete de Comunicação Social no país. "Pegávamos um camponês, com curso primário, e ensinávamos a escrever uma notícia da aldeia dele, sobre as safras, o comércio, a organização social, e mandar por carta para a sede da província. Tivemos que construir até as salas de aulas para fazer isso", relembra. "Ao cabo de cinco anos, tínhamos um jornal mensal, O Campo, que circula até hoje, criamos uma rede nacional de programas na Rádio Moçambique, o Correspondente Popular, que também ia para o Diário de Moçambique, e, quando iniciou a televisão, também implantamos um noticiário, o Aldeia Comunal", explica. O jornalista conta que, além de formar repórteres, redatores, cinegrafistas, fotógrafos etc., o projeto conseguiu levar diversos jovens para estagiar em outros países. Hoje, o órgão chama-se Instituto de Comunicação Social e é conduzido por moçambicanos.

"Quando eu fui, todo mundo achou loucura. Mas Moçambique foi uma escola. Acho que pude ajudar muitas pessoas a evoluir, nos sentidos humano, social, profissional. Muitos não tinham perspectivas e hoje são grandes jornalistas do país ou professores universitários", emociona-se. Depois, ainda passou mais seis meses em Guiné-Bissau, desenvolvendo o mesmo trabalho: "Mas na Guiné foi muito mais complicado, porque o território é um décimo do de Moçambique, onde há 14 idiomas nacionais, e lá há 37 etnias com línguas diferentes", conta. No país, foram realizadas inúmeras atividades sociais, porém, quando o governo percebeu a possibilidade de mobilização daquele projeto, tratou logo de suspendê-lo. Esse foi um dos fatores que acarretaram na volta da família ao Brasil. O outro foi a preocupação com a educação da filha, que já estava com seis anos e cresceu como uma moçambicana.

60 anos sem desemprego

Em 1990, quando chegou ao Brasil, já tinha proposta de trabalho: "Consegui passar dos 60 anos sem nunca ficar desempregado", aponta. Ele assumiu a Comunicação do Conasems (Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde), da qual esteve à frente por quatro anos. Nesse período, atuou ainda na UnB (Universidade de Brasília), primeiro na produção de informativos, depois, como coordenador de Comunicação. Também passou pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, onde coordenou o Programa Nacional de Educação da Reforma Agrária. Convocado para cobrir férias no Correio Braziliense, Antônio acabou ficando cinco anos no jornal, somando mais uma atividade ao seu currículo na capital federal.

O retorno a Porto Alegre se deu com a eleição de Olívio ao Governo do Estado, em 1998, quando assumiu a redação do Palácio Piratini. "Foi um período bom, de trabalho com uma equipe ótima. Fizemos um jornal mensal, O Estado do Rio Grande do Sul, e a coordenação de Comunicação do Fórum Social Mundial", lembra. Ao fim do governo, Antônio voltou a Brasília para assistir à posse de outro colega dos tempos de sindicalismo: Lula. Sua idéia era seguir viagem para o Nordeste, mas ainda no aeroporto encontrou Canali, que o avisou que seu nome estava cotado para assumir a coordenação de Jornalismo da Prefeitura - na época, João Verle era o prefeito. Na quinta edição do FSM, participou mesmo estando fora do governo, dessa vez, como correspondente da Agência Carta Maior.

Há dois anos, assumiu a Imprensa da Trensurb (Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre), vinculada ao Ministério das Cidades. "A rotina aqui é o noticiário. A Trensurb produz muita notícia. Temos um boletim semanal, além de muitas campanhas, como do Agasalho e de Vacinação", conta.

Nordeste, um dia?

Antônio ainda é pai de Laura, 31 anos - "que tem uma empresa de eventos e enorme vocação para o Jornalismo", diz, coruja -, e Luciana, 26, formada em Educação Física , frutos de seu primeiro casamento. Com a segunda e atual esposa, Teresa, tem Marina, 18, que concluiu o Ensino Médio, além de Mariana, que hoje está com 24 anos e cursa Jornalismo na Unisinos. Ele confessa que tem muita vontade de morar no Nordeste: "Nunca consegui me adaptar ao frio daqui, nunca aceitei nem gostei, ainda bem que fiquei muitos anos fora". Gosta de viajar, sempre que pode vai a Santa Catarina, onde ainda tem família. Cinema é outra de suas atividades favoritas para os momentos de folga, que "não são muitos, mas a gente dá um jeito". O Nordeste continua nos planos, mas a primeira experiência não foi bem-sucedida: Sua mulher e filhas foram na frente, mas as meninas acabaram não gostando da nova cidade - a escolhida foi João Pessoa. "A Baixinha (refere-se à esposa) gostou, mas as gurias não querem nem saber. A Marina é a mais relutante, mas a Mariana já está pensando no assunto outra vez", conta. Quem sabe um dia?