Zé Walter: Uma vida sem roteiro

Se há um lema de vida que mexe com o jornalista é: escrever, escrever e escrever

Zé Walter - Ricardo Stricher

Antes de qualquer palavra, ele logo avisa: "Não estou acostumado a dar entrevista". Sujeito simples, que prefere os bastidores e é absolutamente exigente consigo mesmo. Assim pode ser resumido, em pouquíssimas palavras, José Walter de Castro Alves. Ou melhor, Zé Walter, como é conhecido. Muito detalhista, quase um obstinado, "como um bom canceriano", ele diz que, quando surgem pautas densas, pesadas, que exigem pesquisas mais profundas, as pessoas lembram do seu nome. "Vou até o fim e me dedico muito! Pode até não sair exatamente como eu quero, mas sempre vou fundo. E isso acontece porque gosto do que faço", diz, em tom de naturalidade.

A fala mansa e o tom de voz sereno não deixam dúvidas de que se trata de alguém tranquilo, mas só por fora, como garante. Por dentro, ele jura que é bem agitado com seus 68 anos. E essa inquietação é diretamente proporcional ao nível de exigência que tem consigo mesmo - e um pouco com os outros, admite. Tanto, que, quando Luana era pequena e escrevia bilhetinhos ao pai, dizia: "Nossa, que lindo, filha. Só o seguinte, aqui não tem vírgula, tá?". Mesmo ponderando que hoje não faria isso, entende que trabalhar com pessoas exigentes o moldou da mesma forma. "Adoro revisar textos e até corrijo mentalmente alguém ou algo que leio. Atuo sempre com muito rigor, mesmo que seja um trabalho voluntário. E não vejo mérito algum nisso, é natural", garante.

Ao falar na herdeira, hoje com 38 anos, é só sorrisos. Quando alguém pergunta como permitiu que a filha se tornasse jornalista, ele responde, primeiro, que não tem que deixar nada e, além disso, fica muito orgulhoso da "bela profissional que se tornou, com um texto mais literário e um estilo próprio". Ela por sua vez, também não poupa elogios ao pai, diz que este sempre a inspirou muito e não nega que ser filha de Zé Walter abriu muitas portas no Jornalismo. "Mas a profissão é só um pontinho entre tantos outros que nos unem. Ser filha do Zé é aprender a ver a vida com outros olhos, os olhos do coração, que estão sempre prontos a acolher, ressignificar e amar", derrete-se Luana.

Metidinho a poeta

Filho do advogado Walter Giordano Alves e da professora Isaura Bueno de Castro Alves, sempre foi incentivado pelo pai à música, e esta foi sua primeira paixão, muito antes de pensar em ser jornalista. Com oito anos, ganhou o primeiro violão - depois, ainda vieram guitarra e bateria, mas gosta mesmo é do instrumento mais clássico. Desde criança, gostava de escrever e era "metidinho a poeta", como conta. Muitos dos poemas, inclusive, transformava em letras de música. Quando chegou a hora de escolher uma profissão, visitou a faculdade de Artes da Ufrgs e conversou com um professor, mas ouviu do mestre que música era matemática. Não deu outra. Apertou a mão, agradeceu e nunca mais voltou.

Apesar de não ter cursado esta graduação e de "tocar de ouvido", sempre estudou bastante a área. Não bastasse, teve bandas de rock e até estúdio em casa. Como sempre ouviu do pai que precisava se abrir para tocar todo tipo de estilo, até hoje vai do rock ao samba, passa por blues e bossa nova, contrariando a lógica de que ou se é roqueiro, ou sambista. O que não gosta mesmo é de sertanejo, mas não critica quem escuta o gênero. "Acho que os músicos são diferentes dos ouvintes mais leigos, ficamos mais exigentes", avalia, contando que faz bem aos ouvidos bandas como Beatles, Rolling Stones, Led Zeppelin e Eric Clapton, mas não abre mão de Paulinho da Viola.

A música, aliás, lhe deu mais do que lazer, pois foi por conta de viagens para São Francisco de Paula, onde encontrava amigos para tocar, que conheceu Kixi Dalzotto, com quem é casado há quase 45 anos. "Em dezembro, faremos Bodas de Rubi. São quase 50 anos juntos, é uma vida", diz, orgulhoso do matrimônio duradouro. Os pais de Luana se conheceram ainda no início dos anos 70, na cidade natal da produtora, mas começaram a namorar quando ela se mudou para Porto Alegre. Hoje, além de casal, são também parceiros na Gira Conteúdo, ao lado da amiga e parceira de longa data Lelei Teixeira.

Quando se fala em música, ele confessa que há algum tempo resgatou seu lado sambista compondo. E o motivo é nobre, pois as letras e melodias são criadas para dois grandes amores: os netos Joaquim, de seis anos, e Flora, de três. O trio canta e se diverte junto, inclusive com direito a gravações em estúdio. Os pequenos, claro, podem até brincar com o único violão que tem hoje em dia - um instrumento raro, de 1976, da marca Di Giorgio. "Já fui daqueles de não deixar encostar, ser ciumento. Dou uma controlada, fico de olho, mas hoje os netos podem tudo", admite, sorrindo.

Rato de redação

Foi por causa da escrita que optou pelo Jornalismo, pois achava que esta profissão lhe daria mais liberdade de texto, de criação. Formado nas primeiras turmas da Famecos, em 1975, começou a trabalhar desde o segundo ano de faculdade e nunca mais parou, nem mesmo quando se aposentou, em 2016. "Vou trabalhar até morrer. Não quero parar", sentencia, mesmo depois de mais de 40 anos dedicados à arte de contar histórias. Como um bom amante do papel e da caneta - ou da máquina de escrever, ou do computador, começou a carreira em jornal impresso, sendo estagiário em Zero Hora.

O interessante desta experiência é que começou fazendo o que não gostava: cobrir Esportes. Mesmo sem acompanhar futebol, saber nomes dos jogadores, muito menos esquemas táticos, aprendeu sob pressão, pois essa era a maior editoria da época. Depois de acompanhar a dupla Grenal, ainda foi subeditor de futebol do Interior e fazer o que não gostava durou 12 anos. Pedir demissão foi libertador e esse período, quase traumático - a ponto de fazer ele se mudar com a família para Brasília, onde atuou em campanha política. O Jornalismo, porém, o trouxe de volta e, desde então, acumula passagens por veículos como o extinto Diário do Sul, Correio do Povo, Jornal do Comércio, rádios Gaúcha e Guaíba, e TVE. Na emissora da Fundação Piratini, ficou por 10 anos e fala dela com visível carinho.

Segundo Zé, fazer televisão é muito diferente, exige trabalho em equipe e tudo é uma engrenagem que precisa funcionar. Foi redator e sua primeira chefe, vejam só, foi Lelei. Também atuou como produtor de Bibo Nunes, que fazia de seis a oito entrevistas por dia, pauteiro e chefe de reportagem - função esta da qual guarda boas lembranças, pois avalia que fez um bom trabalho. E não foi embora antes de ter a experiência de ser redator na FM Cultura.

Dou outro lado do balcão

Longe dos veículos, trabalhou também como assessor de imprensa da Câmara de Vereadores, atendendo à bancada do PT, que era a maior na época. Na política, passou ainda pela Comunicação da Prefeitura de Porto Alegre, na gestão de Tarso Genro, mas esclarece que nunca foi filiado a nenhum partido e tem certeza que era chamado por critérios técnicos. Segundo Zé, quando estava quase se acomodando na política, foi convidado a ir para Pauta Assessoria, onde sua esposa já trabalhava, e atuou novamente ao lado de Lelei, que, na época, era sócia ao lado de Vera Carneiro.

Quase oito anos lhe proporcionaram um ritmo intenso, muito aprendizado, clientes grandes e densos, de diferentes segmentos. Quando deixou a Pauta, Lelei e a Kixi, primas-irmãs, já haviam montado a Gira, então, era até meio óbvio que viria a trabalhar com elas. Hoje, consideram-se uma assessoria familiar, quase uma cooperativa, sem chefes, nem diretores ou sede. "Adoro trabalhar em casa. O problema é que eu acabo me dedicando o dia inteiro, a qualquer hora", reflete.

Também é da experiência do outro lado do balcão que guarda um dos desafios mais queridos. Acostumado a trabalhar como freelancer em produção de conteúdo, certa vez foi chamado pela agência Escala para fazer parte do projeto 'A Grande Experiência Jesuíta', uma exposição multimídia da Unisinos. Lembra que tinha pouco tempo para escrever muitos textos, mas exercitou a criatividade e a liberdade literária nos mais altos níveis para humanizar os personagens dessa história.

Um primor de texto

Não raro se escuta pelo mercado que Zé Walter é dono de um dos textos mais bem escritos e, ainda que não se enalteça com a afirmação, garante: "É o que eu faço de melhor". Convicto de que nunca pensou em ter um lema de vida, quando provocado a isso, só consegue pensar em um: escrever, escrever e escrever. Além da influência da música, ele entende que a paixão veio do pai, que também o motivava a ler muito. Seu Walter mantinha em casa uma grande biblioteca, que mexia com seu imaginário de criança. Dom Quixote, por exemplo, foi uma obra que o marcou bastante. Desde então, leitura é um dos lazeres preferidos, mantendo duas ou três obras simultaneamente na cabeceira. Umbandista desde 1970 e médium, ele também adora estudar religiões.

"Como um bom músico, nunca fui muito bom em organizar ideias." É isso que diz quando se trata do seu processo criativo, pois nunca pensa muito para escrever. Aliás, quase todas as músicas que compôs surgiram primeiro em sua cabeça, inclusive a melodia. Com o texto, não é diferente. Nunca fez roteiro para escrever uma reportagem sequer, ainda que já tenha tentado. "No fim, escrevo, escrevo, escrevo e, depois, não entendo metade do que escrevi. Acho uma perda de tempo, pois não vou seguir aquele roteiro", conta, confessando que pode até ser mais difícil, pois demora mais, mas é o que funciona para ele. Para citar o nome de um projeto do qual gosta muito, o jornalista mexe em um bloquinho, onde havia anotado diversos tópicos que achava interessante ressaltar na entrevista. Depois de remexer nas folhas diversas vezes, brinca: "Viu como não posso fazer roteiro?".

Quando o assunto é lazer, o jornalista só pensa em relacionar com o trabalho, a música e os netos. Colorado desde pequeno, não se considera um torcedor fanático, algo que vê como difícil para quem trabalhou com esporte. O gosto por acompanhar o time do coração foi reacendido por Joaquim, que adora e sonha em ser jogador de futebol. E não basta só assistir, tem que vibrar e fazer corrente segurando as mãos.

Ele nasceu de novo

Ninguém passa ileso por uma doença como o câncer e com Zé Walter não foi diferente. "Nasci de novo", diz, quando conta que há pouco mais de dois anos fez uma cirurgia para retirada de um tumor de quase 17 centímetros e um quilo no rim esquerdo. Na operação que durou nove horas, quase morreu ao perder muito sangue e enfrentar uma obstrução da veia cava. "Fui para mesa preparado para não voltar mais. Só me esqueci de deixar as senhas", brinca, mesmo tendo dimensão da seriedade do assunto. A recuperação foi rápida na UTI, deixando em seu corpo uma grande cicatriz: "Quase me atoraram ao meio. Não tem nem como saber quantos pontos precisei", detalha.

A doença, porém, não parou por aí. Depois de ter que reaprender a caminhar, respirar, comer e perder quase 20 quilos, recebeu a notícia de que havia metástase nos pulmões. Veio a quimioterapia por oito meses. No início, resistiu bem, mas o contraste dos exames começou a prejudicar o rim que restou. Parou com o tratamento quando percebeu que a quimioterapia o mataria mais rápido do que o próprio câncer. Está há um ano e meio sem ela, mas se sentindo muito bem e sem nenhum sintoma. Os dois maços que fumava diariamente há 50 anos, inclusive, ficaram para trás, mais precisamente no dia da cirurgia. Aos poucos, busca outras formas de combater a doença, especialmente depois de ler o livro 'Anticâncer', de David Servan-Schreiber. "A gente aprende a criar um ambiente mais saudável", resume.

Muitos são os fatores que fortalecem Zé Walter a cada dia, mas um deles, ele garante, são as questões espirituais. Ao relatar que recebeu muita oração, de tantas religiões e lugares diferentes - até da Bahia e de Belo Horizonte, ele tem certeza de que foi privilegiado por isso. "É claro que tem toda parte médica, que é fundamental, pois nenhuma crença faz nada sozinha, mas ter fé só nos fortalece." E ao recordar os últimos dois anos, reflete: "Quem é o Zé Walter? Nem eu sei. Estou tentando descobrir. Sou um pouco de tudo dessa minha história".

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