Lua

Por José Antônio Moraes de Oliveira

 

"Abriu os olhos mansamente

E mirou, logo à sua frente,

Uma luz que fez sua alma florescer.

Então pensou que era

um dia bom pra se morrer."

Apparicio Silva Rillo.

***

Sentado no portal da casa, ele sentia o coração pesado sem saber bem os porquês. Era madrugada alta, havia acordado de um sonho ruim, mas que parecia ser de verdade. Ele sonhava pouco, quase sempre com as coisas boas de quando era criança. Ou eram as moças do coral da igreja - parecia um coral de anjos. Ou os velhos gaiteiros ao redor do fogo, versejando sobre homens valentes e amores perdidos. Mas também havia os causos de almas penadas que assombravam os que andavam à noite pelos campos. 

***

Levantou-se, foi até a beira do mato respirando fundo. O perfume dos eucaliptos ajudou a limpar os pensamentos. O ano mal começara e já havia muito a fazer. Lidar com os cavalos, consertar as cercas, ensacar grãos antes do Inverno. Foi então que viu uma luz azulada do outro lado do açude, entre as árvores. 

"Isso é um resto do sonho ruim", falou. Não ventava e o silêncio era tanto que até as corujas dormiam. Mas, naquele justo instante, se arrepiou de frio e, por puro instinto, apalpou a adaga que trazia à cintura.

Enquanto caminhava pelo escuro do campo, lembrou as estórias que os mais velhos contavam para assustar crianças. Como aquela dos afogados que saiam do açude para assustar os passantes. Ou do portão de ferro do cemitério da vila, que balançava e rangia, mesmo em noites sem vento. Estava chegando perto do açude, ouvindo o suave marulhar das águas. Não dava para ver de onde vinha a luz, pois quanto mais se aproximava, parecia que mais distante ficava. 

Respirou fundo e avançou rápido entre as árvores. E estacou. 

Do outro lado, por cima da taipa do açude, surgia uma grande lua cheia, de um azul prateado de doer nos olhos. Praguejou baixinho - nunca tinha visto nada igual na vida. Nem parecia verdade, mas lá estava ela, duplicada nas águas calmas. Jogou uma pedra no açude e viu quando a lua na água explodiu em mil estrelas.

Sem pressa, retomou o caminho de volta. A lua azulada subiu sobre as árvores, iluminando o escuro do campo. Parecia que o caminho de volta demorava do que o de ida. Meneou a cabeça - com certeza, aquela não era uma noite como as outras. Como um sonâmbulo, entrou em casa e foi pra cama. Adormeceu na mesma hora em que deitou a cabeça no travesseiro. Mas seu sono durou pouco. 

***

Acordou sobressaltado com a sensação que alguma coisa estava errada. Sentiu faltar o ar, o peito pesado - o sonho ruim estava de volta. Inquieto, saiu na cama e foi até a frente da casa. Olhou para o alto, para um céu inundado por um milhão de estrelas. Foi quando se deu conta que não era noite de lua cheia.

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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