Aceitar ou Recusar? A conveniência algorítmica está definindo a sua vida

Por Débora Fritzen, para Coletiva Tendências

Você já parou para pensar no futuro que nos vendem? A sociedade tecnológica apresenta um imaginário sedutor de um amanhã onde tudo é simples, eficiente e conectado. A promessa é clara: um mundo em que a tecnologia elimina os atritos e resolve problemas antes mesmo de você perceber que eles existem (tipo a geladeira que já compra o leite que acabou). Mas será que esse futuro é tão bom e tão simples assim? 

A verdade é que toda inovação carrega duas faces. Kai-Fu Lee e Chen Qiufan, autores de 2041: Dez Visões para o Futuro da Inteligência Artificial, alertam que "toda tecnologia poderosa é uma faca de dois gumes. A eletricidade alimenta todo o nosso conforto, mas é letal se tocada diretamente. A internet torna tudo conveniente, mas também diminui nossa atenção". E é justamente aí que mora a ambiguidade. A mesma tecnologia que aproxima também pode isolar. O mesmo algoritmo que facilita escolhas também pode limitar horizontes.

Esse paradoxo não é novo. Desde que o ser humano começou a inventar ferramentas, a promessa de facilitar a vida vem acompanhada de mudanças profundas na forma como vivemos. Mas há algo diferente na tecnologia atual: ela não apenas muda comportamentos, ela molda percepções. Byung-Chul Han, em Psicopolítica, explica que "o neoliberalismo transforma o sujeito em um empreendedor de si mesmo, explorando a própria liberdade". Ou seja, a promessa de autonomia e praticidade nos coloca também em uma corrida constante por desempenho, produtividade e visibilidade.

Pense nos aplicativos de produtividade que prometem organizar sua vida, mas te prendem em listas intermináveis de tarefas. Nas redes sociais que falam sobre conexão, mas te mostram mais anúncios do que fotos dos seus amigos. Naquele app que prometia simplicidade, mas agora te notifica o tempo todo. A lógica é sempre a mesma: a tecnologia como facilitadora de tudo. Mas na prática me questiono se estamos realmente no controle, ou apenas seguindo um roteiro sutilmente escrito por algoritmos que determinam o que vemos, consumimos e desejamos. 

Tem uma frase do Bill Gates, de 1992, que fala: "Power is: making things easy". Ele falava sobre sobre interfaces intuitivas mas, naquele momento, ele revelou a essência do poder moderno: não se trata de impor regras, mas de moldar comportamentos de forma imperceptível, criando uma dependência silenciosa da tecnologia. Porque é isso que acontece quando tudo fica fácil demais: deixamos de questionar. 

Mas o que acontece quando a facilidade nos torna passivos? Quando aceitamos o futuro que nos vendem sem questionar? Kai-Fu Lee e Chen Qiufan nos lembram que "para cada futuro que desejamos criar, primeiro precisamos aprender a imaginá-lo". E essa é a grande questão: ainda estamos imaginando o futuro ou apenas consumindo versões pré-fabricadas por algumas poucas corporações?

A inovação tem um poder transformador e pode abrir portas inimagináveis. A questão é como escolhemos usá-la. Se continuarmos apenas aceitando as narrativas promovidas por quem nos vende essas soluções, talvez estejamos abrindo mão do poder mais humano de todos: a imaginação.

O futuro não é inevitável. Ele é construído, peça por peça, decisão por decisão. E se queremos um amanhã que faça sentido para todos, precisamos parar de apenas consumir o futuro e começar a imaginar novas possibilidades. Mesmo que elas sejam um pouco mais complexas, incertas e desafiadoras. Porque o que torna o futuro interessante não é a facilidade, mas o surpreendente.

 

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