Nem toda inovação é tecnológica. Fugir de personagens e ser autêntico é o caminho comportamental de quem quer crescer na 'creator economy'
Apesar de relevante, números nas redes sociais não devem determinar o conhecimento ou a capacidade dos profissionais em suas respectivas áreas



Até 2027, de acordo com Goldman Sachs Research, que fornece recomendações de investimento por meio da produção de relatórios com análise fundamentalista de empresas, indústrias, mercados e economias, a 'creator economy' (economia dos criadores de conteúdo, em tradução livre), deve movimentar US$ 480 bilhões no mundo. No Instagram, o Brasil lidera o ranking mundial em número de influenciadores, com mais de 500 mil contas cadastradas, segundo pesquisa da especialista norte-americana, Nielsen Media Research.

Esta transformação na relação CNPJ x CPF traz à tona uma mudança comportamental em áreas que, até então, eram consideradas tradicionais. Médicos, engenheiros, advogados, professores e até mesmo jornalistas, encontram-se 'pressionados' a estar ativamente nas redes sociais para garantir uma carreira de sucesso. Que é um aspecto a ser considerado e pode agregar ninguém discorda, mas os três entrevistados pela reportagem da Coletiva Tendências Inovação- Luiza Voll, diretora e co-fundadora da Contente.vc; Gustavo Ferreira, palestrante e autor do livro Gatilhos Mentais; e Arturo Garziera - diretor operacional da Pulso Creators, publicitário, mestre em Design Estratégico e professor de Inovação e Novos Negócios - afirmam: independentemente do ramo, as pessoas devem ser contratadas por suas qualificações e não pela quantidade de seguidores ou curtidas nas redes sociais.
Mas como, então, encontrar o equilíbrio? Não há resposta mágica, mas o caminho indica que é preciso fugir da construção de personagens e ser cada vez mais autêntico. "A inovação está em se comunicar a partir do que o profissional realmente é e não com base em uma narrativa construída pelo mercado ou por outras pessoas", enfatiza Ferreira.
Profissionalização
Engajar o público e, de fato, obter resultados com a divulgação de produtos ou serviços na internet é preciso mais do que um rosto bonito ou falta de vergonha de falar em frente à câmera. Observando as mudanças do mercado, começaram a surgir negócios pensados exclusivamente para influencers. Exemplo é a Pulso Creator, alinhada ao Grupo RBS, que oferece estratégia e projetos de conteúdo, agenciamento e desenvolvimento de carreira de criadores e mapeamento de embaixadores e criadores para marcas.

"O Brasil é um dos países onde os consumidores mais tomam decisões de compra baseadas nas dicas de influenciadores digitais. O papel do criador de conteúdo é muito potente e, quando ele se profissionaliza e consegue dialogar proveitosamente, também, com as demais mídias, como televisão, rádio, jornal, OOH, a autoridade sobre o que ele fala cresce e os efeitos são mais positivos", pondera Garziera.
Ouvindo 14 mil pessoas em 14 países diferentes, o estudo 'O Comportamento do Consumidor Pós-Covid 2022', realizado pela agência de comunicação Marco, revela que 73% dos brasileiros já compraram algo baseado na sugestão de um influenciador digital. Outro dado interessante é o de que 65% dos brasileiros usam as redes sociais para fazer compras online. O Relatório Varejo 2024 da Ayden, companhia de tecnologia de pagamentos para grandes empresas, corrobora a pesquisa que diz que o volume de criadores de conteúdo no País está no Instagram.
Nele, 61% dos entrevistados disseram ter a rede da Meta como preferida, enquanto Facebook chegou a 52% e TikTok 19%. "Esses dados ditam o comportamento também dos profissionais do mercado da Comunicação, na hora de pensar na solução para cada cliente. Então, adicionando influenciadores ao seu plano de Marketing, em sua estratégia, é importante se manter atualizado também na evolução do mercado", pondera Luiza.

Faz sentido para o meu negócio?
Foi somente em 2023 que Ferreira - consultor de negócios com ênfase em marketing, empresário, palestrante e autor best-seller - resolveu sair do modo 'privado' nas redes sociais. Na escala dos influenciadores, ele é considerado micro, que engloba a faixa de 10 a 50 mil seguidores. Não ser um usuário assíduo das plataformas não interferiu, em suas próprias palavras, no sucesso do profissional.
Tem consciência de que, talvez, se tivesse começado a utilizar as redes antes poderia estar mais em vista no mercado. No entanto, é um defensor de que existem outras formas de alcançar o público que não as redes. "A reflexão é, faz sentido para o meu negócio? Eu não diria que as pessoas perdem por não estar nas redes, mas poderiam ganhar mais se estiverem", argumenta, seguindo: Não usar antes não me impediu de abrir uma agência internacional". Nos últimos dois anos, ele também atingiu a marca de R$ 1 milhão em faturamento para si e seus clientes e vendeu mais de 300 mil cópias de seu livro, sobre estratégia de negócios e comunicação persuasiva.
Na mesma linha, Luiza acredita que quem começa a se comunicar mais ativamente nas redes pode, sim, estar em busca de diversos tópicos: alcance, dinheiro, propósito, oportunidades, status. Porém, sem objetivo bem definido, pode-se ter o efeito contrário. "Muitas vezes influenciadores ficam criando conteúdo compulsivamente para conseguir mais seguidores, mas sem nenhuma intenção mais clara por trás, e aí os benefícios esperados não acontecem", analisa.
GenZ
Chamada de 'feed zero', uma tendência que vem crescendo entre os jovens nascidos entre 1995 e 2010, que formam a Geração Z, provoca outro questionamento. Diminuir ou modificar o uso ou até mesmo sair das redes pode ser considerado inovador? Conforme Garziera, não se trata de eliminar, mas repensar o uso para fazê-lo de modo mais qualificado e menos nocivo.

A questão da exposição e dos rastros deixados para trás conectam-se diretamente ao novo comportamento. Os jovens querem usar as redes, mas não querem ser julgados. E o tribunal da internet não costuma pegar leve. "É um recorte, não estamos falando de toda GenZ, mas é inegável que as experiências do mundo físico têm novamente ganhado espaço e o uso desenfreado do digital diminuído", declara.
"Precisaremos de mais tempo para entender esse comportamento, mas as gerações mais novas estão tendo os impactos na vida de quem passou por essa transição do analógico para o digital de forma mais intensa. Agora, encontram-se sofrendo com pressões vindas de todos os lados, então entendo que a pessoa necessita parar, organizar-se de uma forma menos on-line e tentar estruturar sua carreira e trabalhar de modo a não depender inteiramente das redes", complementa Luiza.

Íntimo
E não são apenas os profissionais que estão mudando. A audiência também. Seja tratando-se de um jornalista com uma sólida carreira e confiabilidade ou de uma pessoa comum que começou a gravar o cotidiano e entrou no radar das marcas, a habilidade do criador de conteúdo de falar sobre um assunto como se realmente fosse parte de sua vida, do dia a dia, gera identificação com o público. De modo geral, influenciadores conseguem traduzir as mensagens das empresas de forma mais humana e o êxito da tática pode ser comprovado pelo alto investimento no nicho: de R$ 700 mil a R$ 5 milhões por ano em 2024, provenientes de marcas brasileiras.
"Criadores de conteúdo que são extremamente relevantes hoje em dia fazem uma curadoria e conteúdo e um volume de postagens muito bem pensado, sem exageros. Ninguém é expert em tudo e o público não se deixa enganar", ressalta Garziera, ao explanar sobre frequência coerente e não forçada, prezando pela autenticidade.
Chegar a esse ideal passa, ainda, pelo aprimoramento da apresentação de resultados de campanhas. Na visão de Garziera, os detentores do dinheiro continuarão a apostar no marketing de influência - inclusive nessa nova onda de jornalistas assumindo papeis de influenciadores - desde que o comprometimento esteja no mesmo nível. "Consistência, qualidade, dados de alcance, métricas de conversão. São alguns dos requisitos para ser um profissional qualificado na área".