Qual a próxima grande tendência?

De Kim Trieweiler, para Coletiva Tendências

É comum me perguntarem sobre as próximas tendências. Nada inesperado, já que me apresento como um pesquisador do campo dos estudos de futuros. Minha vontade, nunca realizada, eu confesso, é perguntar isso de volta: 'me conta você, qual a tendência do próximo ano?'. Normalmente aproveito essas indagações para abrir um diálogo sobre essa ideia de tendência que atualmente se tornou tão cheia de significados que cada pessoa tem sua definição. Tendência é algo que já está acontecendo ou que ainda vai acontecer? É algo comportamental ou de uma natureza mais técnica/objetiva? É imutável ou contornável?

Macro-, micro-, mega-, nano-, contra-tendência e uma série de outras nomenclaturas de autores diferentes que ao longo do tempo não contribuíram muito para esclarecer  esse imbróglio. Por isso costumo usar disposição e predisposição como termos alternativos à palavra tendência. Disposição me referindo a coisas possíveis ou impossíveis, ou seja, coisas que estão à/em disposição. E predisposição para falar de movimentos, como se eu dissesse que algo tende a alguma coisa. No sentido de 'isso tende a acontecer/agravar/diminuir'. Coisas que estão em algum tipo de movimento, em predisposição.

Também, antes de falar as minhas percepções sobre essas predisposições, faço uma ressalva e também um reconhecimento: a minha resposta pode afetar o futuro / a tendência. Enquanto pesquisador de futuros posso ser tão convincente ao narrar esse futuro de forma a contribuir com que ele aconteça. Imaginem que eu esteja em uma reunião com vários profissionais da indústria de bebidas e eu diga que a próxima grande tendência são drinks em lata. Algumas das empresas, incluindo a maior, concordam comigo e lançam drinks em lata. Essas empresas, para difundirem a inovação, investem em anúncios, ações promocionais, influenciadores, celebridades, eventos e assim por diante.

Os consumidores vão ao supermercado,encontram os tais drinks em lata e compram. As empresas que ainda não tinham adotado, acham uma boa ideia e também lançam os seus drinks em lata. E aí, em algum carnaval da vida você fica com ressaca de drink em lata. A pergunta é: drink em lata aconteceu porque estava para acontecer ou porque eu, de alguma forma, contribui para que essa tendência acontecesse?

Essa ideia de que algo acontece porque as pessoas acreditam que ela iria acontecer costuma ser chamada de profecia auto-realizável. O problema é que falar de profecia auto-realizável não basta. Ela responde só parte da equação, a parte social desse arranjo sociotécnico que são os nossos mercados. Se a profecia auto-realizável for plenamente verdadeira, significaria que se eu for muito convincente em dizer que no futuro os carros serão todos elétricos e as empresas de mobilidade acreditarem em mim isso vai acontecer. Mas nem sempre acontece.

Afinal países têm economias inteiras dependentes nos combustíveis fósseis, as reservas de lítio necessárias para as baterias podem não ser suficientes, a mudança da frota não é tão rápida quanto desejamos e gera muito lixo? Em resumo: porque a realidade não condiz com a profecia, ela não tem as condições para que essa profecia aconteça. Se vocês lembram do metaverso, entenderam bem o argumento. Apesar das grandes empresas de tecnologia terem investido pesado na história do metaverso como o futuro, ele não se concretizou. A linguagem e a profecia não é mágica, apesar de ser parte importante da equação. Mas várias vezes a profecia acontece pois ela mesma, ao longo do tempo, criou as condições para que ela acontecesse. 

Você andou comendo algo de pistache recentemente? 

Os relatórios de tendência ocupam um papel fundamental na construção dessas materialidades que habilitam um futuro onde ela, a tendência, se torna real. Observando os relatórios sobre o futuro do mercado de drones, pesquisadores dinamarqueses da área de marketing chegaram em conclusões que também esclarecem os relatórios de tendência e o motivo por você ter visto pistache em tantos lugares. Para eles, esses relatórios fazem um processo de social thickening, ou, em bom português, um adensamento social, em que mais pessoas e organizações passam a acreditar nesse futuro e, por isso, se movimentam em direções que habilitam ele. Isso se dá de quatro maneiras. A primeira no presencing, estabelecendo o futuro como algo inevitável e, inclusive, algo que já está acontecendo.

O exemplo dos drones mostra uma série de iniciativas reais (mas em diferentes níveis de maturidade) em que os drones já estão sendo empregados. Já no pistache, seria equivalente a mostrar todas as marcas que já estão investindo no ingrediente em seus produtos. A segunda forma, chamada por eles de prospecting, é quando esse futuro demonstra ter inúmeras oportunidades para as empresas que adotarem essa tecnologia (no caso dos drones) ou tendência em sabores (no caso do pistache). 'Imagine um futuro onde os drones podem entregar remédios em lugares remotos, tornando a população mundial mais saudável' e 'Imagine um futuro onde pistache não é só um ingrediente para alimentos, mas também pode ser usados em perfumes e fragrâncias.', são afirmações que, respectivamente, representam esse prospecting.

Os problemas dessa adoção e as soluções desses mesmos problemas são o que os pesquisadores chamaram de (de)problematizing, que é um processo meio morde e assopra, onde as dificuldades são reconhecidas e, ao mesmo tempo, as soluções são apresentadas. Esse é o terceiro elemento. No caso dos drones o exemplo dado é o da segurança, pois acidentes podem acontecer, e a solução é o investimento em tecnologia (que gera novos empregos). 

Já para os pistaches, podemos enxergar o problema sendo a dependência nas importações, enquanto a solução é o desenvolvimento de uma variante adaptada ao nosso clima. Por fim temos o entwining futures, o entrelaçamento desse futuro com outros futuros que também estão sendo apresentados como desejáveis, sejam os drones que vão ser controlados por IA, outra tecnologia com seus próprios discursos, ou o pistache que poderia puxar uma alimentação mais saudável por fomentar o consumo de outras nozes, castanhas e frutas secas. Essa é a parte social. Somada a ela, o pistache, que invadiu nossos cardápios e supermercados, existe enquanto tendência/predisposição também por conta da superprodução de pistache no estado da Califórnia, nos EUA, entre 2016 e 2022. Percebe? É necessária a condição material para que essa tendência se torne realidade.

Aí entra um aspecto interessante para refletirmos. Ao narrar o futuro como um tipo específico, o narrador, se bem sucedido, pode organizar o mercado de forma que o beneficie. Quem se beneficia mais da adoção da tecnologia dos drones do que as empresas de drones? Quem se beneficia mais da adoção da tendência do pistache do que os produtores californianos do fruto? Por isso faz tanto sentido que o Tinder lance um relatório sobre as tendências em encontros e romance, a Unilever lance um relatório sobre as tendências da alimentação ou a Meta lance um relatório sobre o futuro das redes sociais: assim elas formatam os seus mercados. 

Com frequência as empresas falam sobre adaptação e resiliência frente às mudanças, o que é fundamental, não me entenda mal, mas também insuficiente como única estratégia. Adotar a tendência do sabor pistache para um pequeno restaurante que quer oferecer algo que os seus consumidores, que foram influenciados a desejar o sabor e estão muito felizes em gastar seu dinheiro com ele, beneficia sim o restaurante.

Só que beneficia mais ainda quem tem um estoque enorme de pistache e precisa ter pra quem vender. O restaurante que adota o pistache serve como vetor de influência, que faz mais pessoas experimentarem e, por consequência, desejarem o pistache. A mudança, ou a tendência, para usarmos o termo que colocamos em foco aqui, não vem do vácuo, mas da ação das pessoas e das coisas, desses recursos materiais: da existência do pistache (e do drone). 

Assim sendo, não estamos à deriva como simples observadores das tendências, nossas ações moldam as tendências. Elas criam as tendências. Por isso é insuficiente falar de adaptação. Estamos no Brasil, um país de potências mil, com frutos e sementes de alta qualidade que poderiam ser mais utilizados em receitas deliciosas, por qual motivo estamos comendo pistache? Por qual motivo estamos importando tanto pistache? A variante de pistache brasileira, que passa a ser produzida a partir de 2027, vai chegar a tempo para aproveitar essa tendência? Será porque acreditamos que esse era o único futuro da alimentação? 

É nesse lugar meio paradoxal entre a capacidade de previsão e a capacidade de construção de futuros que as marcas estão. Ao mesmo tempo que enxergam movimentos dos outros, seus próprios movimentos influenciam quais tendências se tornam realidade. Por isso eu te pergunto, e aí, qual a principal tendência para o próximo ano? 

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