A eficiência à frente da deficiência

Por Michele Pradella, para Coletiva.net, em especial Diversidade e Comunicação

Michele Pradella - Crédito: Arquivo pessoal

"A gente sabe bem por que tu não foste demitida ainda". A frase, ouvida nas primeiras semanas de trabalho, ficou ecoando na minha cabeça por muitos anos. Nas entrelinhas, a acusação de estar apenas cumprindo uma cota, já que não teria competência para estar ali por meus próprios méritos. Doeu. Mas como a maioria das dores, trouxe ensinamentos que carrego até hoje.

Recém saída da universidade, no primeiro emprego formal, tendo que lidar com pessoas de todos os tipos e vivências, foi a primeira vez que me vi totalmente sozinha, obrigada a lutar com minhas próprias armas para sobreviver em um ambiente que, no princípio, foi hostil. Não foi fácil, afinal, senti a necessidade de provar aos outros - e a mim mesma - que eu não era apenas uma cota. Cada erro de iniciante, natural para todos que estão aprendendo, tinha um peso dez vezes maior. Precisei provar que, por trás da pessoa com deficiência, havia uma profissional competente. No entorno, uma rede de apoio no âmbito profissional e pessoal foi fundamental para que eu superasse essa primeira fase tão conturbada. 

Hoje, passados 16 anos, posso dizer que não sou apenas uma cota. Conquistei meu espaço como profissional, sigo mostrando que sou boa no que faço e celebrando vitórias que só são possíveis porque gestores e colegas confiam no meu trabalho. Já estive nos Estúdios Globo, entrevistei Pedro Bial, ganhei prêmios dentro da empresa. Neste ano, uni a vivência pessoal com a atuação profissional em uma série de reportagens sobre acessibilidade. Assumi meu papel como porta-voz de uma população que não é ouvida, porque se fosse, não haveria tantas barreiras arquitetônicas por aí. A adolescente que optou pelo Jornalismo para tentar mudar o mundo ainda vive em mim, agora com sonhos mais modestos. Não preciso mudar o mundo, mas posso ajudar a melhorar pequenos detalhes que facilitem a vida de quem tem direito de ir e vir para onde quiser. 

Michele Pradella é jornalista do Grupo RBS

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