A gente anda com amigdalite cerebral?

Por Marcelos Pires, para Coletiva.net

Marcelo Pires - Crédito: Arquivo pessoal

O que o marketing ajuda a fazer? Que os consumidores tenham uma determinada marca na cabeça, que as pessoas lembrem de uma empresa, de um produto ou de um serviço.

Se o assunto é memorizar, vale prestar atenção nestas informações: história (no sentido de narrativa), emoção e noção de localização são a base para estimular memórias mais fortes. Vamos por partes. 

Sobre as narrativas: se você dá uma lista de coisas pras pessoas decorarem (tipo uma interminável lista de ofertas), elas guardam pouco. Os itens reforçados por um enredo, relacionando as ofertas (no caso do exemplo) com experiências que já existem na cabeça do indivíduo, a retenção aumenta incrivelmente. A narrativa auxilia no processo de memorização. Cria-se contexto.

Sobre as emoções: a amígdala, parte do cérebro essencial para o sistema emocional, fica bem ao lado do hipocampo, parte do cérebro essencial para o aprendizado e a memória. Quanto temos uma experiência emotiva, a influência da amígdala aumenta a frequência do hipocampo, permitindo uma memória mais vívida (como você já notou, não estamos falando da amígdala da garganta, mas sim a cerebral). Ou seja, a emoção estimula a memorização.

Finalmente, memórias têm muita relação com noção de localização. Ou seja, é comum você lembrar de uma experiência começando por especificar onde você estava na hora que tudo aconteceu (no 11 de setembro, eu estava no pátio de casa - por exemplo). Para quem liga o lé com cré (o leigo com o clérigo, esta é - curiosidade - a origem da expressão), muito já está dito. Acredita-se que apenas exposição, e exposição cada vez mais segmentada, basta para ser eficiente em comunicação. Quando o contrário é que não pode deixar de ser valorizado: o contexto, o envolvimento, o "era uma vez".

Owen Flanagan, um dos principais pesquisadores da consciência, escreve: "os humanos em todas as culturas moldam sua própria identidade em algum tipo de forma narrativa. Somos contadores de histórias inveterados". Admita: tudo o que marcou a sua vida em termos de comunicação, conteúdo, propaganda, enfim, dê-se o nome que se dê, foram coisas que tinham uma boa história embalando a mensagem. Lembra a campanha dos mamíferos? O do primeiro sutiã? Aqueles dos monstrinhos? O comercial da Elis e da Maria Rita? 

Inclusive, quase tudo que compartilhamos com os amigos ou são 1. memes, micro-histórias que tendem ao insólito (sendo muito relacionadas à atualidade, à piada do momento) ou são 2. vídeos mais longos, que emocionam e elevam, vamos dizer assim (sendo mais perenes e abrangentes). 

Precisamos resgatar o texto, o contexto, a narrativa, deixar que a ideia reforce nossa presença na mídia. Nós andamos ágeis - mas muitas vezes superficiais. Conectados - mas muitas vezes repetitivos. Presente - mas muitas vezes aborrecidos. Quem quiser conferir que, de fato, narrativa e emoção são básicas para estimular memórias mais fortes, assista o episódio "Memória" da série Explicando o Cérebro da Netflix. Toda a série é muito interessante - e conta histórias ótimas.

Falamos pouco, eu sei, sobre a importância da localização no processo da memória. Peço perdão - a função do texto é resgatar a importância de bons roteiros, por isso me detive nisso. Mas temo que, no futuro, quase todas nossas memórias vão começar assim: "Ah, lembro mais ou menos, é que eu estava no celular e...".

Marcelo Pires, Ideia da Silva e autor do livro 'Confissões de Um Pires', editora Bestiário ([email protected])

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