Crise climática: Previsão do tempo não é quadro de humor

Por Valessa Prado, para Coletiva.net

Valessa Prado - Crédito: Arquivo pessoal

"Porto Alegre, 14 de junho. Tempo bom na capital gaúcha. Nos termômetros, 29 graus". A frase é hipotética, mas apresenta um modelo real utilizado por veículos de comunicação para informar as condições climáticas do dia. Se pararmos para observar, há um equívoco nesta sentença. Vinte e nove graus é totalmente fora do esperado para junho. Então, onde está o tempo bom? Esse sempre foi um questionamento que fiz ao ouvir esse tipo de afirmação - o tempo é bom para quem? 

Nos últimos dias, eventos climáticos extremos estão sendo sentidos na pele pela população brasileira. No Rio Grande do Sul, as chuvas acima da média acarretam em estragos há meses. O descontrole ocasionado pelas mudanças no clima, fruto de uma exploração desenfreada dos recursos naturais e da irresponsabilidade com o meio ambiente, é nítido e vem sendo alertado há décadas. Mas, será que de forma eficiente?

A crise climática, em alguns casos, é tratada de forma descontraída e engraçada. Na semana em que os estados da região sudeste registraram recordes de temperatura, com calor extremo e nocivo à saúde, teve telejornal que utilizou dos próprios âncoras para protagonizar uma cena teatral de humor, onde ambos encontravam-se sentados em cadeiras de praia, utilizando acessórios de verão e sorrindo diante do fato. Parece piada. E foi mesmo. 

Talvez não exista um entendimento claro de que as tragédias estão presentes em todas as alterações do clima. Nota-se que a enchente - evento que deve realmente contar com uma cobertura especial - necessita de mais seriedade do que uma onda de calor acima da média. Alguns jornalistas deixam claro as suas preferências, onde o "verão fora de época" chega a ser, por vezes, celebrado. O mesmo acontece com o temporal que decorre das altas temperaturas, tratado como "alívio para o calorão". O fenômeno não pode ser abordado apenas como um refresco. Todas as mudanças estão interligadas e devem ser noticiadas com respeito, empatia e cumprindo não apenas a missão de informar, mas de transformar. A previsão do tempo não é um quadro de humor e entretenimento, é jornalismo.

Entre 30 de novembro e 12 de dezembro de 2023, Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, recebe a 28º edição da COP, conferência anual da ONU (Organização das Nações Unidas) onde governos discutem como limitar e estar preparado para futuras alterações climáticas. A cobertura do evento importa não apenas pela sua grandiosidade, onde estarão reunidos líderes mundiais, mas principalmente pela pauta. Os debates, as soluções, os problemas abordados devem ser de conhecimento geral da população. Infelizmente, a mídia local não dá a devida importância, sendo a cobertura da COP quase exclusiva à veículos de alcance nacional. E não é necessário enviar uma equipe para Dubai para falar sobre a conferência. Basta estar atento aos insights e repercutir os mesmos dentro de um contexto regional. Esse é o papel do jornalismo: reconhecer a sua própria responsabilidade. As altas temperaturas, as chuvas intensas, as secas, as queimadas, nada disso é casualidade.

Valessa Prado é jornalista e assessora de imprensa na Zentocom ([email protected])

 

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