Reminiscências publicitárias sociais purificadas

Por João Firme, para Coletiva.net

João Firme - Crédito: Arquivo pessoal

Alinhei minha vida aos 15 anos trabalhando com a prestação de serviços publicitários na Rádio Sulina de Santa Rosa. Eu precisava daquele emprego para poder cursar o Ginásio e tinha perdido um ano porque meu pai, "tuco" da viação férrea do Rio Grande do Sul, ganhava dois salários mínimos e mal dava para sustentar quatro irmãos menores, duas meninas e dois meninos.

A matriz da Rádio Sulina, que ficava em Ijuí, me instruiu a fundar a Minuano Propaganda. Lembro que frequentava a Igreja Católica no meu jardim de infância e aos seis anos era coroinha e sabia latim rezando o Pai Nosso, Ave Maria e a Salve Rainha.

Minha mãe, Anália Firme, me ensinou em português as três orações e me dizia que graças a mãe Preta, esposa do ferroviário Dorval que era guarda-chaves e ronda, eu sobrevivi, pois rejeitava o leite de minha mãe e aceitava o da dona Noêmia Tomaz.

Aos sete anos, aos domingos, viajava com o Padre Luiz Kreutz num Ford Bigode para uma Festa Comunitária na grande Santa Rosa, com churrasco, guloseimas, cucas e refrigerantes. Eu ficava no alto-falante, promovendo os festejos e os encontros com namorados que dedicavam músicas, cobrando uma taxa beneficente.

Aprendi a fazer o bem e adotei na minha vida profissional de radialista- comunicador. Na emissora da Rádio Sulina, a única na minha época, lancei o Programa Francisco Alves aos domingos das 11h às 12h na Escola de Belas Artes, com auditório de 200 lugares para convidados.

Os alunos que frequentavam o Belas Artes, ramo da Publicidade Federal de Santo Ângelo, eram selecionados nas artes musicais, canto popular, danças folclóricas internacionais, ballet e poesias.

Os convidados pagavam o ingresso e este era revertido para a ONG Criança e Morador de Rua, administrada pelos escoteiros do qual fui "lobinho" em Santa Rosa.

O programa era patrocinado pela Coca-Cola, que tem uma fábrica até hoje em Santo Ângelo. O outro patrocinador era a Casa Verde Materiais de Construção e Móveis.

A empresa estava desenvolvendo um projeto de construção de mil casas, de um, dois a três dormitórios, banheiro e uma área grande para plantio de hortaliças, legumes e frutas sem agrotóxicos.

Um germânico imigrante vendeu o que tinha em Berlim com o compromisso de aplicar tudo em Santa Rosa.

A Vila chamava-se Americana. Lembro que a área desmatada sustentável tinha terrenos para vacas leiteiras holandesas, estábulo para cavalos, aviário para produção de ovos e frangos e pocilgas para produção de leitões e porcos, alimentados com farelo de soja.

Surgiram grandes plantações de trigo e soja com duas colheitas anuais: milho e feijão. Os trabalhadores eram os donos das casas que ganhavam dois salários.

Na entrada da Vila Americana, tinha um outdoor com letras em verde e amarelo com a frase: "Sou feliz por que me ponho ao lado dos pobres e abandonados".

No Ginásio Santa Rosa de Lima, meu pai queria que eu fosse músico e cheguei a aprender as notas para tocar piano. Mas contrariando a vontade dele, com o apoio de minha mãe, me matriculei no curso de Datilografia onde aprendi a ser armeiro, curso valorizado no Exército. Com o Padre Luiz Kreutz que era médico, fiz o curso de Paramédico com a Escola Técnica de Enfermagem.

Por ser rápido na máquina de escrever, passei a fazer o boletim diário e me comunicar com as unidades militares em Ondas Curtas 49 e 35 metros, além de usar o Código Morse. Na enfermaria da Companhia Médica, eu aplicava injeções e fazia curativos.

Me disse o dentista e professor de Educação Física Heider Giordano, que eu saberia da transferência para a guarnição de Santo Ângelo que reúne mais de 1500 soldados e três unidades militares.

No dia seguinte à minha chegada, me apresentei ao líder comunitário Ely Marchetti, Gerente Geral da Rede de Emissoras Missioneiros, mais de 15 de propriedade de Arnaldo Ballvê, fundador da Rádio Gaúcha e concessionário do Canal 12 de Porto Alegre. O Marchetti era formado em Relações Públicas e Direito pela Universidade Federal de Santo Ângelo e administrava com a esposa uma loja de óculos e jóias.

E, ao chegar na loja missioneira, fiquei sabendo que eu seria o apresentador da Hora Militar, aos sábados das 14h às 15h, sob o patrocínio total da Coca-Cola.

O programa seria igual ao do Francisco Alves de Santa Rosa, que também continuaria aos sábados com a apresentação do meu colega de Ginásio, Francisco Delmar. Os dois programas continuariam supervisionados pela Faculdade de Belas Artes.

Eu teria militares voluntários, a Banda da Guarnição e a Cia. Média de Manutenção com Batalhão de Estradas e Ferrovias para os inúmeros problemas que as vilas tinham, incluindo saneamento básico, falta de água potável e energia elétrica. A população visitada recebia uma cesta básica de alimentos para 15 dias.

Tudo deu certo e consegui concluir o ginásio e me apresentei com 18 anos na Rádio Repórter de Ijuí. Após 60 dias fui designado para Palmeira das Missões, na Rádio Palmeira do Governador Leonel Brizola, beneficiado com a Anistia Geral do ex-presidente Juscelino Kubitschek.

Após trabalhar por uns dias com Sérgio Zambiasi na Rádio Cristal de Soledade, fui designado para assumir a direção da Rádio Santiago de Jaime Pinto que estava hospitalizado em Santa Maria à espera do transplante de um fígado. Ele era o responsável pelo marketing do Brizola.

Em Santiago, me aproximei do médico e farmacêutico Túlio Diva, presidente da Associação Comercial para a implantação das Emissoras de Rádio e Canais de TV no RS e SC.

Na minha trajetória, guardo como relicários a realização da Terrasoja (1962), FenaTrigo com Erico Veríssimo (1974) e FENAC (1989), além de mais de 30 eventos beneficentes, que coroaram minha vida com o Festival Mundial de Publicidade de Gramado desde 1975 nos anos ímpares e nos pares com as edições extras pelo mundo afora a partir de 2004. Neste ano, o evento que realizamos em Paris contou com o na época Governador Germano Rigotto e o na ocasião Ministro da Cultura Gilberto Gil.

A edição extra na Embaixada do Brasil da capital francesa foi apresentada pelo então Embaixador Sérgio Amaral, mais o poeta Luiz Coronel.

Inúmeras histórias positivas ao desenvolvimento da indústria da propaganda surgiram na Americana e entraram para a história e creio na purificação social pelo amor à vida com simplicidade e generosidade.

João Firme é jornalista, publicitário, relações-públicas, advogado e juiz classista aposentado, além de criador do Festival Mundial de Publicidade de Gramado ([email protected])

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