Vergonha alheia

Por Gilberto Jasper, para Coletiva.net

Gilberto Jasper - Crédito: Arquivo pessoal

Sou jornalista há quase 50 anos. Comecei de maneira informal. Depois cursei "Comunicação Social, habilitação Jornalismo", na Unisinos, em São Leopoldo. Sempre nutri profundo orgulho pela profissão que abracei e que acredito ser uma vocação.

Apesar da revolução tecnológica, alguns preceitos do bom jornalismo seguem inalterados, desde os tempos em que eu era o único funcionário do jornal "O Alto Taquari", em Arroio do Meio. Hoje, afirmo que jamais senti tanta vergonha pela postura de colegas que rasgaram os compromissos fundamentais de fazer jornalismo com imparcialidade e isenção. É lamentável o que se lê e ouve em grande parte dos veículos da mídia atual. O engajamento político-ideológico atingiu níveis inimagináveis, inadmissíveis.

Chegamos ao disparate de escolher o canal/jornal/rádio/site e TV conforme as conveniências e predileções partidárias do público. Ou, pior ainda: "de acordo com o ódio" nutrido pelo veículo contra determinado político ou partido. Vários colegas são cabos eleitorais. E diversos veículos são comitês de vergonhoso apoio a partidos e candidatos.

Tornou-se cada vez mais difícil encontrar coerência em comentários ou editoriais. Eram, em tempos idos, espaços nobres, de reflexão e de análise isenta para formar opinião e fazer pensar. Na faculdade fazíamos análises apuradas destes textos na busca de inspiração para aprender a fazer jornalismo ético.

É raro ler matérias contendo contraponto proporcional ao texto integral. O acusado ou indicado como responsável por um escândalo ou alvo de denúncia deve se contentar com meia dúzia de linhas num canto de página para a sua versão. O aniquilamento de biografias é o esporte preferido de inúmeros colegas, desprovidos de pudor para usar seus espaços para destilar ódios e ressentimentos pessoais.

Impressiona, ainda, o fato corriqueiro da partidarização de profissional de larga folha de serviços prestados à comunicação de qualidade. Por vezes releio o nome do autor porque custo a acreditar que este personagem, que foi ídolo de várias gerações, se dobrou a interesses que ofendem o bom jornalismo.

Como um "dinossauro analógico" guardo pastas de papelão com recortes de reportagens históricas e comentários de analistas que faziam a cabeça do país. Tudo temperado com sensatez, equilíbrio e lucidez, preceitos raros no "novo jornalismo".

Ouvir várias fontes, checar dados com critério, conferir números e cifras e conceder espaço justo para o contraditório são ensinamentos que aprendi na faculdade e nas redações que frequentei ao lado de talentos como Nilson Cesar Mariano, Carlos Urbim, Humberto Trezzi e Rogério Mendelski, elmo Loeblein, Lauro Mathias Müller, Guido Kuhn e José Augusto Borowsky, para fica apenas em alguns nomes.

A imprensa brasileira foi fundamental para a redemocratização do país e para conquistas históricas obtidas a custo de sangue, suor e determinação. Soa ridículo esperar independência, isenção e imparcialidade para profissionais que juraram fazer da verdade matéria-prima do seu cotidiano. Hoje, porém, isso é cada vez mais escasso.

Gilberto Jasper é jornalista ([email protected])

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